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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/03/2014 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Vitrine Filmes

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Dirigido e roteirizado por Daniel Ribeiro. Com: Ghilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim, Isabela Guasco, Selma Egrei, Eucir de Souza, Lucia Romano, Pedro Carvalho, Guga Auricchio.

Normalmente, quando um diretor tenta converter um curta-metragem de sucesso em um longa, o resultado serve apenas para diluir as virtudes do original e expandir seus pontos fracos, demonstrando o óbvio: que há muitas histórias que se tornam fortes justamente por serem também breves. Felizmente, o oposto ocorre aqui: se o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho era simpático, mas esquecível, sua versão em longa-metragem funciona magnificamente bem ao resgatar sua delicadeza e ao explorar com mais tempo e cuidado o cotidiano de seu belo protagonista, resultando num filme gentil que consegue ser tocante de uma maneira simples e sem jamais apelar para o melodrama.

E poderia. Facilmente. Afinal, o roteiro do próprio diretor Daniel Ribeiro conta uma história com armadilhas óbvias para qualquer um tentado à lágrima fácil e ao maniqueísmo, acompanhando o cotidiano de um adolescente cego, Léo (Lobo), que finalmente experimenta sua primeira grande paixão – justamente por um colega de sala, o novato Gabriel (Audi). Sua relação com o garoto, que inicialmente não passa do suspiro distante, logo começa a interferir em sua amizade com Giovana (Amorim), amiga de infância que todos os dias o acompanha até sua casa após as aulas. Aos poucos, desentendimentos juvenis com os amigos e pequenos conflitos disparados por bullies do colégio levam o rapaz a cogitar um intercâmbio – algo que não agrada muito seus pais superprotetores (Souza e Romano).

Sem se entregar a conflitos absurdos e artificiais, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é amoroso até mesmo ao retratar seus antagonistas: embora antipático e capaz de certa crueldade, Fábio (o líder dos bullies), por exemplo, parece agir mais por imaturidade do que por pura maldade – e é notável como, em certo momento, ele ridiculariza Léo ao agitar as mãos diante de seu rosto, mas logo se assusta quando o garoto tropeça e cai, indicando que jamais havia sido sua intenção machucá-lo. Da mesma maneira, a composição de Pedro Carvalho como Fábio é tão leve (outro acerto) que se torna até difícil dizer que o personagem é realmente homofóbico mesmo ao fazer brincadeiras que poderiam sugerir isto, passando a impressão de estar sendo babaca mais por querer impressionar os amigos com sua idiotice adolescente, numa glorificação da própria imaturidade, do que por realmente desprezar gays.

Não que isto doa menos em Léo, pois é claro que dói – o que, somado à sua frustração por ver-se tratado como criança pelos pais superprotetores, resulta num desejo crescente de independência. Mesmo então, porém, o roteiro de Ribeiro volta a acertar ao não transformar este impulso num grande objetivo dramático que guie o arco da narrativa – sim, em certo ponto, Léo insiste em abrir o portão de casa sozinho a fim de demonstrar para Giovana (e para si mesmo) que é capaz de fazê-lo; no dia seguinte, contudo, ele não se opõe quando a amiga executa a tarefa, pois ele já havia provado o que queria e realmente é mais prático que ela tome a iniciativa. Além disso, sua decisão de ingressar num intercâmbio, embora encarada com resistência pelos pais, é discutida de maneira racional em uma cena sensível durante a qual seu pai (vivido com simpatia por Eucir de Souza) busca entender o que está incomodando o garoto, num exemplo raro no Cinema de bom exercício da paternidade (normalmente, os pais se mostram grosseiramente cegos às necessidades e aspirações dos filhos, já que isto resulta em drama fácil).

No entanto, em vez de fragilizar o longa, é justamente a simplicidade destes conflitos que torna Hoje Eu Quero Voltar Sozinho tão eficiente, já que permite que o espectador se identifique facilmente com os dilemas de seu herói. Assim, ver Léo tentando sondar o interesse de Gabriel por uma colega de sala ou acompanhar suas brigas bobas com Giovana é algo que o público compreende sem grande esforço, bem como a descoberta e mesmo a aventura que uma garrafa de vodca pode representar aos 16 anos (e aqui também devo aplaudir Guga Auricchio, que interpreta Carlinhos e que parece contar uma história paralela de porra-louquice em apenas duas cenas).

Conferindo autenticidade ao protagonista, o jovem ator Ghilherme Lobo carrega o longa com uma facilidade aparente que, não se iludam, certamente é resultado de uma preparação cuidadosa – não apenas para convencer o espectador acerca da cegueira do personagem (e confesso que realmente fiquei na dúvida se o ator era deficiente visual), mas também acerca de suas hesitações e inseguranças de adolescente. Hesitante diante da paixão que sente por Gabriel, Léo em nenhum momento parece questionar o fato de estar interessado por alguém do mesmo sexo, tornando sua orientação algo completamente natural que – em mais uma virtude do projeto – jamais se converte em obstáculo dramático. Em vez disso, o dilema do rapaz é descobrir se seu sentimento é correspondido, sendo prejudicado nesta tarefa não só por sua inexperiência, mas pelo fato de não poder observar as atitudes de Gabriel, seus olhares e suas expressões.

Curiosamente, embora Léo pudesse ser considerado o mais frágil da dupla em função de sua cegueira, é Gabriel quem acaba assumindo esta posição graças também à bela composição de Fábio Audi, que o retrata como um jovem tentando se descobrir e que não sabe se o comportamento do amigo se deve à sua vulnerabilidade natural ou ao que sente por ele – e é linda a cena na qual Gabriel, inicialmente provocando Léo por se recusar a tomar banho nu ao seu lado, imediatamente se sente desconfortável quando o outro se despe, deixando o chuveiro enquanto se enrola rapidamente na toalha que esconde sua inconveniente excitação. E se Lobo e Audi exibem uma química impecável, Tess Amorim constrói Giovana como uma garota de alma gentil e generosa, sendo constantemente a principal fonte de humor do filme através de suas respostas que exibem um sutil desprezo pela estupidez alheia (e o tom com o qual “conversa” com o cãozinho da colega Karina comunica tudo o que precisamos saber sobre sua opinião em relação à moça).

Investindo num design de produção eficiente que convence pelos detalhes (como a plaquinha com o nome “Léo” escrito em braile ao lado da cama do protagonista e a simplicidade prática de sua mobília e de sua decoração), Hoje Eu Quero Voltar Sozinho também nos apresenta a um diretor que jamais busca chamar a atenção para si mesmo – o que não significa desatenção ou improviso, como fica evidente no ótimo plano que traz Gabriel entrando na vida de Léo, quando vemos o rapaz perguntando se está no lugar certo apenas para, através de um rápido rack focus, visualizarmos a orelha do protagonista, já que aquela é a primeira vez que ouve a voz do futuro amor. De maneira similar, é interessante percebermos como Daniel Ribeiro nos mantém presos ao rosto de Léo enquanto este conversa com Gabriel e Karina na piscina, já que isto nos obriga a registrar apenas os sons do que está ocorrendo e que, assim como para o herói, sugerem uma frustrante ambiguidade (eles estão apenas se divertindo como amigos ou estão ficando?). Para finalizar, o longa ainda demonstra confiança suficiente em sua construção narrativa para não depender excessivamente de uma trilha instrumental que manipule o público, usando pontualmente canções que pincelam a atmosfera sem precisar construí-la sozinhas.

Doce sem ser açucarado, tocante sem ser melodramático e envolvente sem precisar de grandes explosões dramáticas ou conflitos extremos, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é humano, sensível e generoso como seu protagonista – e, considerando o preconceito ainda hoje enfrentado por homossexuais em todo o planeta, é também importante sem depender de pregações óbvias.

A delicadeza do amor que retrata é um discurso mais do que suficiente para que qualquer um entenda a estupidez da intolerância sexual.

29 de Abril de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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