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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/08/2014 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Diamond Films
Duração do filme
121 minuto(s)

O Homem Mais Procurado
A Most Wanted Man

Dirigido por Anton Corbijn. Roteiro de Andrew Bovell. Com: Philip Seymour Hoffman, Grigoriy Dobrygin, Nina Hoss, Daniel Brühl, Rachel McAdams, Robin Wright, Rainer Bock, Mehdi Dehbi, Homayoun Ershadi e Willem Dafoe.

O Homem Mais Procurado é um thriller de espionagem feito por e para adultos. Cínico, melancólico e substituindo as sequências de ação da franquia James Bond por outras, extensas, que se concentram no laborioso e meticuloso trabalho executado por espiões que dependem mais de jogos psicológicos do que de armas para realizarem suas tarefas, o filme de Anton Corbijn remete diretamente, em tom e qualidade, ao recente O Espião que Sabia Demais, também baseado em um livro de John le Carré, criando um universo cujos riscos constantes não conseguem despistar a melancolia de seus habitantes.


Retratando o mundo da espionagem num contexto dominado pela paranoia do pós-11 de Setembro, o roteiro de Andrew Bovell tem início com a chegada, na Alemanha, de um imigrante ilegal checheno, o machucado Issa Karpov (Dobrygin). Com sua presença detectada pela Inteligência alemã, ele passa a ser seguido pela equipe do competente Günther Bachmann (Seymour Hoffman), que, incerto acerca dos objetivos de seu alvo, logo percebe que talvez este possa ser empregado como isca para um peixe maior: o empresário Abdullah (Ershadi), cujas obras de caridade talvez sejam fachada para organizações terroristas. A partir daí, Günther começa a cultivar uma rede de informantes para que possa chegar a Issa, eventualmente envolvendo-se com a advogada Annabel (McAdams) e o banqueiro Tommy Brue (Dafoe).

Fascinante precisamente ao retratar as estratégias empregadas pelo protagonista para manipular psicologicamente aqueles que podem lhe trazer informações importantes, O Homem Mais Procurado investe numa narrativa de ritmo estudado que jamais se apressa desnecessariamente, optando, em vez disso, por uma abordagem que busca retratar o processo exaustivo de Günther, que metodicamente usa um indivíduo para chegar a outro e assim por diante.

Dirigindo um carro velho e operando a partir de um escritório sufocante e desarrumado que divide com a parceira Irna (a sempre expressiva Nina Hoss) e o agente Max (Brühl, desperdiçado), Günther em nada vive o glamour que o Cinema costuma associar aos espiões internacionais. Em vez disso, seu cotidiano consiste basicamente em burocracia, brigas interdepartamentais e muito trabalho – e não é à toa que ele parece ter sempre um copo de uísque e um cigarro presos à mão. Comunicando-se sempre com uma voz rouca e cansada que revela um homem à beira da exaustão, Philip Seymour Hoffman constrói Günther como um indivíduo sereno e calmo que, em vez da intimidação, busca cultivar os informantes através da empatia, apresentando-se como uma figura paterna ou apenas como um burocrata com consciência social se isto se fizer necessário para convencê-los de suas boas intenções (e, justamente por isso, quando o sujeito explode percebemos a enormidade de sua frustração).

A riqueza na composição de Hoffman, contudo, reside no fato de que acreditamos nas boas intenções de seu personagem. Sugerindo uma capacidade de compreender até mesmo as motivações de um possível terrorista, Günther é um homem que não enxerga o mundo apenas em branco e preto – e é inteligente o bastante para perceber que a execução sumária de um suspeito provocaria apenas um buraco a ser ocupado por um outro criminoso cuja identidade agora desconheceriam. Parecendo deprimido e desiludido, o Günther de Philip Seymour Hoffman é uma criatura absurdamente complexa que, resultado do último trabalho completado pelo ator antes de sua trágica overdose, ressalta a dimensão da perda representada por sua morte precoce.

Fotografado por Benoît Delhomme em tons dessaturados que constantemente investem num cinza que complementa a melancólica atmosfera chuvosa do filme, O Homem Mais Procurado é mais um passo acertado do cineasta Anton Corbijn depois dos ótimos Um Homem Misterioso e Control: respeitando a inteligência do espectador, o diretor jamais oferece informações mastigadas, permitindo que o público perceba gradualmente os riscos envolvidos na investigação do protagonista e as relações entre os vários personagens. Além disso, Corbijn, como de hábito, mostra-se hábil ao criar metáforas visuais que descartam a necessidade de diálogos expositivos – e o fato de o filme já abrir com uma linha d’água tranquila que eventualmente se torna instável em suas oscilações é um símbolo perfeito para os efeitos da chegada de Issa Karpov à Alemanha. Da mesma maneira, é fascinante perceber como o realizador enfoca uma conversa entre este e a advogada Annabel depois que esta é abordada por Günther, já que as divisórias de plástico que se interpõem entre ela e o cliente sugerem precisamente a barreira de mentiras (mesmo bem intencionadas) construída pelos espiões. Para completar, é admirável como Corbijn usa a profundidade de campo reduzida para sugerir constantemente a presença de alguém não identificado ao fundo das cenas, como se houvesse sempre a possibilidade de que as conversas mantidas pelos personagens estivessem sendo monitoradas por um desconhecido.

Demonstrando a habilidade de sua construção narrativa ao levar o espectador a interpretar um simples ato de assinar um documento como se este tivesse o impacto dramático de um tiro disparado à queima-roupa, O Homem Mais Procurado é, desde já, um dos melhores filmes do ano. E também um testemunho inequívoco de como todos perdemos com a morte de um ator tão fabuloso quanto Philip Seymour Hoffman.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2014.

28 de Setembro de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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