Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/05/2008 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
122 minuto(s) |
Dirigido por Anton Corbijn. Com: Sam Riley, Samantha Morton, Alexandra Maria Lara, Joe Anderson, Toby Kebbell, Craig Parkinson, James Anthony Pearson, Harry Treadaway.
No ótimo A Festa Nunca Termina, dirigido pelo versátil britânico Michael Winterbottom em 2002, o espectador era conduzido através do fértil período musical experimentado em Manchester entre as décadas de 70 e 90, quando o produtor musical Tony Wilson criou o selo Factory Records e a boate Hacienda, sendo co-responsável, entre outras coisas, pelo lançamento do Joy Division, que surgia perifericamente naquele longa. Agora, neste Control, o cineasta holandês Anton Corbijn recapitula a história da banda de maneira bem mais detalhada – especificamente no que diz respeito à trágica e curta existência de seu vocalista, o angustiado Ian Curtis.
Escrito por Matt Greenhalgh a partir da autobiografia de Deborah Curtis, esposa de Ian, o filme retrata o músico como um sujeito naturalmente calado e introspectivo – um solitário por opção. Fã do David Bowie da fase glam rock, Ian (Riley) mergulhava em discos e poesia e casou-se, ainda adolescente, com a namorada Deborah (Morton), assumindo um trabalho burocrático como funcionário público de uma agência de empregos. Dividindo seu tempo entre esta função e a nascente banda Warsaw (que viria a se tornar a Joy Division), Ian é atormentado pela epilepsia e por ver-se dividido entre a família e a amante, a jornalista belga Annik Honoré (Lara) – e, neste meio-tempo, sente-se pressionado ainda pelo sucesso crescente de seus esforços artísticos.
Co-produzido pela viúva de Curtis e pelo próprio Tony Wilson (morto em agosto de 2007), Control já surpreende pela visão compreensiva que lança sobre o romance entre Ian e Annik, que jamais é vista como uma oportunista ou “destruidora de lares” – e, na realidade, o filme chega a retratar a moça com simpatia, enxergando-a como alguém que rendeu momentos de felicidade ao cantor (algo raro) e que sofreu, tanto quanto Deborah, em função da natureza arredia deste, o que a impedia de se tornar mais próxima do homem que amava. Aliás, Control não busca culpados pelo sofrimento de Deborah, Annik ou Ian; se o vocalista agia com impulsividade irresponsável (“Vamos ter um bebê!”) ou egoísmo, isto se devia não a uma suposta “crueldade” ou desconsideração, mas sim à sua natureza depressiva e aos esforços mal-sucedidos para não magoar Deborah e Annik – algo que ele acabava fazendo por pura imaturidade.
Convincente como Deborah desde sua adolescência à idade adulta, a talentosa Samantha Morton cria o retrato de uma jovem que amadureceu à força – algo exemplificado, por exemplo, graças à simples transição de sua postura perante o marido, quando seu olhar de devotada admiração diante da sensibilidade de Ian é substituído por um ar de doída resignação e até mesmo de certo cinismo (“Eu ainda lavo as cuecas dele.”). Enquanto isso, o desconhecido Sam Riley oferece uma performance absolutamente magnífica ao encarnar Curtis como um indivíduo irrecuperavelmente infeliz – e percebam como ele não consegue nem mesmo retribuir o abraço afetuoso da esposa e mantém o semblante neutro até mesmo diante das gracinhas da filha ainda bebê.
Instável e impulsivo, Ian obviamente lamenta seu casamento precoce, mas sua gratidão pelo apoio recebido de Deborah no início da carreira divide espaço com o rancor que sente por uma vida conjugal que o aprisiona (algo ilustrado magnificamente pelo plano em que o vemos através das barras do berço de Natalie). Assim, sua expressão angustiada ao retornar para casa depois de suas apresentações deixa claro o ressentimento por ver o calor do estrelato ser substituído instantaneamente pelo cotidiano nada glamouroso das roupas de bebê sujas, das mamadeiras espalhadas e da responsabilidade de pai de família – e este sentimento opressivo é freqüentemente retratado pelo diretor estreante Anton Corbijn (uma revelação maravilhosa) através de planos como aquele em que Ian conversa em um telefone público cuja cabine funciona como uma cela e outro no qual o cantor é literalmente acuado no canto do quadro pela esposa desapontada com seu romance extra-conjugal.
Aliás, Control é um filme repleto de planos magnificamente compostos e que se tornam ainda mais impactantes graças à impecável fotografia em preto-e-branco de Martin Ruhe, cuja paleta em tons de cinza serve também para drenar a riqueza exagerada das cores da época e acentuar a natureza deprimente desta história em particular. Assim, embora nos ofereça o inevitável perfil em contraluz presente em praticamente todas as cinebiografias de cantores, o longa também reserva momentos mais sutis como aquele em que vemos o braço esquerdo de Ian displicentemente jogado entre ele e Annik – o que apropriadamente coloca sua aliança de casamento entre os dois, num jogo simbólico inteligente. Da mesma maneira, é revelador perceber como a grande placa dos Sex Pistols se apaga no fundo do quadro no exato momento em que Ian se oferece como vocalista aos companheiros, marcando sua transição de espectador a protagonista da história; e reparem, também, como ele surge pequeno, encolhido no centro da tela, ao ver-se oprimido pelo diagnóstico recente da epilepsia.
Mas não é só: Corbijn também demonstra um rico senso de humor ao enfocar Ian caminhando pelas ruas da cidade ao som de “No Love Lost”, levando-nos a antecipar um momento histórico da formação do Joy Division apenas para “frustrar-nos”, de maneira divertida, ao encerrar a cena com a revelação de que o sujeito está se dirigindo ao seu prosaico local de trabalho. Em contrapartida, o cineasta recria com detalhes a primeira aparição da banda no lendário programa de televisão de Tony Wilson (confira aqui) e também dedica atenção até mesmo à criação artesanal da capa do primeiro single do Joy Division. Por outro lado, Control decepciona por não ilustrar o processo criativo de Ian, já que, embora o vejamos iniciando a composição de “She’s Lost Control”, pouco é dito sobre o que o movia e inspirava como artista.
Extremamente convincente ao recriar as apresentações da banda (algo explicado pelo fato de que os atores realmente aprenderam a tocar as músicas), o filme pinta um retrato tocante de seu protagonista – e a performance de Riley, que recaptura perfeitamente os trejeitos de Curtis ao dançar e seu olhar quase em transe ao cantar, torna-se mais do que uma simples imitação ao ilustrar, também, a angústia do sujeito. Prendendo-se ao silêncio de uma criança acuada ao ser confrontado por qualquer um, Ian parece jamais ter sido feliz, mas o grau de sua tristeza certamente se acentua à medida que ele se torna mais famoso, aumentando a pressão que sente sofrer por parte de todos que o cercam. Mas, mais do que isso, é seu pavor da epilepsia e a consciência de não ter controle sobre o próprio cérebro que o atormentam – e o sentimento de não ter controle sobre si mesmo é o que finalmente o conduz ao seu lamentável e trágico ato final.
“O passado faz parte do meu futuro”, diz Curtis no início de Control. E é esta sua fria e impecável percepção de já ter construído seu legado que torna ainda mais terrível a constatação de que, se tivesse perseverado um pouco mais em seu esforço para viver, este seu legado maravilhoso poderia estar sendo construído até hoje.
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