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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/07/2023 30/06/2023 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
154 minuto(s)

Indiana Jones e a Relíquia do Destino
Indiana Jones and the Dial of Destiny

Dirigido por James Mangold. Roteiro de Jez Butterworth, John-Henry Butterworth, David Koepp e James Mangold. Com: Harrison Ford, Phoebe Waller-Bridge, Toby Jones, Mads Mikkelsen, John Rhys-Davies, Thomas Kretschmann, Boyd Holbrook, Shaunette Renée Wilson, Olivier Richters, Ethann Isidore, Antonio Banderas, Karen Allen, Nasser Memarzia.

É difícil pensar em Indiana Jones e a Caveira de Cristal e não sentir raiva da geladeira resistente a bombas atômicas e da passagem que traz o jovem Mutt (Shia LaBeouf) saltando como Tarzan de um cipó a outro ao lado de dezenas de macaquinhos – dois momentos que resumem bem a tendência daquela continuação de introduzir conceitos instigantes apenas para jogá-los no lixo no minuto seguinte. Assim, depois de encerrar a trilogia original com o maravilhoso A Última Cruzada, que ainda contava com um plano final inesquecível, ver Steven Spielberg, George Lucas e Harrison Ford retomando a série apenas para enfraquecê-la foi uma imensa frustração.


O que nos traz a Relíquia do Destino: escrito a oito mãos pelo diretor James Mangold ao lado de David Koepp e dos irmãos Jez e John-Henry Butterworth – o que explica a impressão ocasional de uma estrutura remendada para criar um todo -, este quinto longa da franquia retorna aos seus vilões favoritos (os nazistas) já na extensa introdução, que, ambientada no fim da Segunda Guerra, traz Indiana Jones (Ford) e o amigo Basil Shaw (Jones) tentando recuperar a Lança de Longino, usada para perfurar o corpo de Cristo depois de sua morte (no universo de Jones, os nazistas estão sempre atrás de itens ligados ao cristianismo). Logo, porém, o foco da dupla passa ser outro: a máquina de Anticítera concebida por Arquimedes e que supostamente indicaria a localização de portais entre épocas diferentes. Possuindo apenas uma parte do mecanismo, Basil se torna obcecado pela ideia de encontrar o restante – e, décadas depois, a busca é mantida por sua filha Helena (Waller-Bridge) enquanto o fanático Dr. Voller (Mikkelsen) persegue o artefato com objetivos perversos. E, claro, o único capaz de ajudar a mulher é seu padrinho: Indiana Jones.

Compreendendo bem o tom equilibrado entre ação e humor que marca a série, a sequência de abertura é também a melhor desta obra (o que, sim, pode ser visto como um problema), criando situações em que as habilidades do protagonista são complementadas por sua sorte (como no detalhe da forca) e por sua incredulidade frequente diante desta última – e uma das características mais brilhantes da composição de Harrison Ford reside em sua capacidade de ilustrar a surpresa de Jones ao escapar vivo de certas ameaças. Além disso, o efeito de rejuvenescimento usado para recriar a aparência do personagem 25 anos mais jovem é um dos melhores já alcançados até hoje, soando tão convincente que admito ter ficado levemente desapontado quando a narrativa finalmente saltou para 1969.

O desapontamento, contudo, durou pouco, já que de um ponto de vista temático a ideia de contrapor a chegada do Homem à Lua (um marco de nosso avanço tecnológico) à profissão do herói (dedicada à investigação do passado) é inteligente e instigante, refletindo o envelhecimento do próprio Indy, que surge quase como um daqueles idosos sempre irritados com a invasão de seus quintais pelas crianças da vizinhança. Obviamente flertando com o alcoolismo e vivendo num apartamento minúsculo e claustrofóbico, o presente de Henry Jones Jr. é um terrível anticlímax para uma vida dedicada a aventuras e feitos tão grandiosos, o que imediatamente confere um tom melancólico ao filme. Aliás, isto se apresenta até mesmo na indiferença de seus alunos em sala de aula, que não poderia estar mais distante do fascínio apaixonado de sua classe em Os Caçadores da Arca Perdida.

Neste sentido, Ford mais uma vez demonstra sua profunda compreensão do personagem, cujo cansaço cede à empolgação assim que alguém exibe interesse pelo que está sendo dito pelo professor, deixando claro como sua paixão pela arqueologia segue intacta sob sua postura exausta. Do mesmo modo, Indy se mantém humano e verossímil mesmo nas situações mais absurdas graças à maneira como o ator expõe o medo (mais: pânico) do protagonista em várias delas. Em contrapartida, a presença de John Rhys-Davies como Sallah jamais escapa do puro fan service, não sendo justificada pela trama ou por qualquer oportunidade de criar um momento marcante para o personagem. E se Phoebe Waller-Bridge se apresenta como um acréscimo interessante à série (por mais que o roteiro custe a se decidir se a tratará como aliada ou não), o jovem Ethann Isidore jamais consegue transformar Teddy em algo mais do que um eco apagado do Short Round vivido por Ke Huy Quan em O Templo da Perdição, sendo absolutamente descartável para a narrativa. Para completar, Mads Mikkelsen e Boyd Holbrook criam uma dupla de vilões eficiente e com motivações cuja insanidade é mascarada de forma divertida pela seriedade com que são expressadas.

Desempenhando a ingrata tarefa de substituir o gigantesco Spielberg na direção de uma série cujas sequências de ação foram definidas pelo talento deste para estabelecer um ritmo frenético sem abandonar a clareza da mise-en-scène e a plasticidade desta, James Mangold faz um trabalho adequado na maior parte do tempo, criando instantes eficientes no meio de set pieces elaborados como a perseguição a cavalo e aquela envolvendo riquixás – e se tenho ressalvas aqui e ali, isto se deve ao excesso de efeitos digitais pouco convincentes e que decepcionam até em planos básicos como os establishing shots em um aeroporto e do cassino/hotel em Tânger, que gritam sua natureza de green screen. Além disso, enquanto Spielberg sempre encontrou meios de conferir plausibilidade às passagens mais fantasiosas (saltos entre cipós à parte), Mangold demonstra um pouco mais de dificuldade para repetir esta proeza – e se consigo acreditar na ponte “invisível” de A Última Cruzada e na vagoneta que retorna ao trilho depois de um longo salto em Templo da Perdição, não posso dizer o mesmo sobre o cavalo na linha do metrô em Relíquia do Destino.

Explorando bem a bagagem emocional de Indy (e da série) ao levá-lo a reconhecer em Helena sua própria dinâmica com o pai, esta continuação pode até não fazer jus aos capítulos produzidos na década de 80, mas certamente se apresenta como uma despedida bem mais digna de um dos personagens mais icônicos que o Cinema produziu.

Observação: é triste constatar como a trajetória da Disney rumo a um quase monopólio faz aqui mais uma vítima, já que a tradicional e elegante transição entre a vinheta da Paramount e um elemento visual que abra a narrativa é abandonado pela primeira vez na série graças a questões corporativas.

03 de Julho de 2023

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Assista também ao videocast sobre o filme publicado durante a cobertura do Festival de Cannes 2023:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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