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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/05/2008 01/01/1970 2 / 5 1 / 5
Distribuidora
Paramount Pictures
Duração do filme
122 minuto(s)

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull

Dirigido por Steven Spielberg. Com: Harrison Ford, John Hurt, Ray Winstone, Karen Allen, Shia LaBeouf, Jim Broadbent, Igor Jijikine, Cate Blanchett.

Ainda que a década de 80 seja conhecida pelos heróis durões e praticamente invulneráveis que ajudou a estabelecer, transformando em astros os absurdamente musculosos Stallone, Schwarzenegger e Lundgren, é impossível negar que uma das criações mais carismáticas daquele período foi o arqueólogo Henry Jones Jr. (ou Indiana Jones, como preferia ser chamado), que, ao contrário de Rambos e Conans, parecia feito de carne-e-osso, sendo perfeitamente capaz de tomar decisões equivocadas e de se machucar no processo. Mas, mais do que isso, Indiana era um herói pragmático: ele podia até se pendurar em caminhões e tanques em movimento, mas o mais importante era permanecer vivo e evitar confusões – uma atitude simbolizada com perfeição pela inesquecível e fabulosa cena em Caçadores da Arca Perdida na qual assiste a um vilão demonstrar sua habilidade com a espada apenas para eliminá-lo com um único e certeiro tiro.


Alternando entre sua faceta acadêmica, almofadinha, de professor universitário e a de aventureiro destemido, Indiana é um personagem sempre divertido e rico – e sua paixão por arqueologia e seu conhecimento enciclopédico de História nos levavam até mesmo a ignorar como sua pose de professor mais parecia uma homenagem implausível (ainda que ótima) às identidades secretas dos grandes super-heróis – e, ao melhor estilo Clark Kent, até mesmo seus óculos eram imediatamente descartados quando a persona heróica surgia em cena. Assim, ao longo de 8 anos (entre 81 e 89), Indiana protagonizou três ótimas aventuras que o levaram a buscar objetos católicos icônicos (a Arca da Aliança e o Santo Graal, no primeiro e no terceiro filmes) e a enfrentar um perigoso feiticeiro que escravizava crianças (no segundo e mais fraco dos originais, que, apesar das ótimas seqüências de ação, era prejudicado pela performance profundamente irritante de Kate Capshaw). Mas, mais importante do que as expedições, era a maneira rica e bem-humorada com que o personagem era desenvolvido por Steven Spielberg, George Lucas e Harrison Ford, que humanizavam o arqueólogo não só através de sua irreverência como também ao ilustrar seu relacionamento com a ex-namorada Marion (Karen Allen), com o pequeno Short Round (Ke Huy Quan) e, claro, com seu pai (Sean Connery).

O que finalmente nos traz a Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, que, lançado 18 anos após o jovem clássico Indiana Jones e a Última Cruzada, traz o personagem-título mais envelhecido (e consciente disto) e em uma fase bem mais melancólica, já que, além de ter perdido o pai e o velho amigo Marcus Brody (Denholm Elliott) – ambos surgindo em retratos -, também é obrigado a enfrentar a paranóia anti-comunista de um mundo mergulhado na Guerra Fria. É neste contexto que ele recebe o pedido de ajuda do jovem Mutt Williams (LaBeouf), que está preocupado com o desaparecimento de um antigo colega de Indy, o professor Oxley (Hurt). Com isso, logo o herói está em plena selva amazônica buscando por uma misteriosa caveira de cristal que também é desejada pelos russos e que pode ter ligações com a enigmática Área 51 e a suposta queda de uma nave alienígena em Roswell.

Escrito por David Koepp a partir de um argumento concebido por George Lucas e Jeff Nathanson, o roteiro busca preencher, desde o início, as lacunas deixadas por Connery (que se recusou a abandonar a aposentadoria), Elliott (morto em 1992) e John Rhys-Davies (que cobrou demais) ao criar substitutos óbvios e pouco imaginativos: o professor Oxley, que Hurt é obrigado a interpretar de maneira distante, como num transe, por quase todo o filme; o reitor que surge na ponta eficaz de Jim Broadbent; e o mal desenvolvido assistente vivido por Ray Winstone. Enquanto isso, empalidecendo diante dos vilões dos filmes originais e oferecendo a primeira atuação realmente ruim de sua carreira, Cate Blanchett encarna a russa Irina Spalko de maneira absolutamente caricatural, jamais soando ameaçadora e deixando que seu penteado, seu figurino e seu sotaque façam todo o trabalho de “composição” da personagem.

Por outro lado, é inegável que Lucas teve uma boa idéia ao trazer um jovem impetuoso como contraponto ao envelhecido protagonista, o que, num mundo ideal, poderia recapturar a maravilhosa dinâmica estabelecida por Ford e Connery em A Última Cruzada, oscilando apenas a postura de Indiana para o lado carrancudo do espectro – e, de fato, este esforço pode ser observado na cena em que Mutt, depois de uma ação ousada, olha com um sorriso orgulhoso para Indy, que lhe devolve uma expressão mal-humorada (exatamente como acontecera tantas vezes no filme de 89). Infelizmente, esta dinâmica surge de maneira apenas pontual ao longo da projeção, que prefere gastar mais tempo nas repetidas (e apenas ocasionalmente engraçadas) referências à idade mais avançada do herói. Da mesma forma, o retorno de Marion decepciona por não resgatar a química explosiva vista em Caçadores, já que tudo aqui parece apenas uma imitação pouco inspirada do que ocorria no original: as brigas do casal parecem forçadas, assim como o eventual (e inevitável) romance – e o único momento em que o roteiro consegue recapturar aquela maravilhosa dinâmica é na breve cena envolvendo areia movediça (que, por esta razão – e sou capaz de apostar -, será aquela que levará o público às maiores gargalhadas).

Plenamente conscientes de estarem lidando com um personagem que ganhou contornos míticos ao longo das últimas décadas, Spielberg e Ford ao menos acertam na reverência com que tratam Indy: e o momento em que este surge em cena pela primeira vez é construído com cuidado, revelando-o gradualmente, já que, ao som do clássico tema composto por John Williams, vemos primeiramente seu chapéu e o contorno de sua inconfundível sombra. Porém, ainda que Ford mantenha a irreverência do arqueólogo (observem como ele ri, incrédulo, ao perceber que Irina tenta ler sua mente), as tiradas oferecidas pelo roteiro são geralmente frágeis – e, como se não bastasse, sua vulnerabilidade característica é simplesmente abandonada, já que, em nenhum momento da projeção, tememos realmente pelo destino de Indy ou de seus companheiros, ao contrário do que ocorria nos filmes anteriores. Aliás, Spielberg nega ao espectador até mesmo a graça de vermos como o herói se espanta com a própria sorte: se antes o arqueólogo se surpreendia ao perceber como seu carrinho voltava aos trilhos depois de um longo salto ou percebia, confuso, como seus amigos o julgavam morto após a queda do tanque no despenhadeiro, aqui o diretor não nos mostra sequer o receio dos personagens ao caírem em três colossais cachoeiras – e, ao manter sua câmera distante, Spielberg não apenas ressalta o absurdo de que todos escapem vivos como ainda desperdiça o impacto que a seqüência poderia gerar.

E se antes as missões de Indy eram explicadas de maneira simples e objetiva, colocando a narrativa em movimento rapidamente, aqui as buscas e as deduções dos heróis exigem um longo tempo - e o pior: nem por isso se tornam mais claras. Além disso, embora haja um aspecto católico simbólico óbvio na presença de 13 alienígenas (Cristo e os apóstolos), a natureza daquele templo e os objetivos das criaturas jamais ficam claros. Aliás, o fato é que a trama de O Reino da Caveira de Cristal é simplesmente ruim – e a insistência de Lucas em utilizá-la é, provavelmente, o grande fator responsável pelo fracasso deste novo filme, já que nem mesmo as motivações de Indy são explicadas satisfatoriamente: por quê, por exemplo, ele insiste tanto em “devolver” a caveira como deseja Oxley? E por que Ox, depois de fracassar em seu primeiro esforço para entrar no templo, retornou o artefato ao local no qual o encontrara em vez de guardá-lo para tentativas posteriores? E por que certa(s) criatura(s) agem daquela forma diante do pedido de Irina? Infelizmente, em vez de buscar refinar a trama, Koepp tenta disfarçar os absurdos através de falas ridículas como “Eles voltaram para o espaço entre os espaços” (aliás, praticamente tudo o que John Hurt é obrigado a dizer neste filme dói aos ouvidos).

Contudo, o mais decepcionante em O Reino da Caveira de Cristal é a maneira pouco imaginativa com que as seqüências de ação são conduzidas – e, com exceção de uma perseguição de moto ainda no primeiro ato, nada neste projeto nos faz lembrar de momentos geniais como Indy e os caminhões nazistas (em Caçadores da Arca Perdida), a perseguição nos trilhos subterrâneos (em Templo da Perdição) ou a luta envolvendo o tanque (em A Última Cruzada). Sim, aqui há uma longa briga sobre jipes na selva, mas o máximo que Spielberg consegue criar é uma gag batida de Mutt sendo atingido entre as pernas pela vegetação local. Além disso, a seqüência é orquestrada de maneira confusa, quase caótica, beirando a preguiça quando, depois que a luta chega ao fim, novos veículos russos surgem aparentemente do nada. Da mesma maneira, se a piadinha envolvendo a árvore que atinge os agentes comunistas pendurados na rocha é até engraçadinha, é triste perceber que, logo depois, aqueles mesmos capangas voltam a surgir ao lado de Irina, como se nada houvesse acontecido. E por que Spielberg insiste em mostrar ágeis nativos que se escondem no templo e em outras ruínas se a natureza destes jamais é explicada claramente e eles não exercem qualquer efeito sobre o desenrolar da narrativa?

Mas o mais triste é perceber como a série Indiana Jones se deixa contaminar, neste quarto capítulo, pela praga da computação gráfica – e a insistência dos realizadores em afirmar que o recurso praticamente não foi utilizado não é apenas traiçoeiro, mas mentiroso. Aliás, para constatar como isto prejudica o filme, basta compararmos a cena das formigas gigantes com aquela de Templo da Perdição na qual Willie (Capshaw) era coberta por insetos nojentos: se aquele momento funcionava tão bem e provocava arrepios era porque sabíamos que os bichos eram reais e que a atriz (ou uma dublê) realmente tivera que senti-los percorrendo seu corpo. Já em O Reino da Caveira de Cristal, as formigas digitais surgem artificiais, falsas, e o máximo que sentimos é o incômodo por percebermos que tudo aquilo foi criado num computador. E o que dizer da cena desastrosa em que vemos Mutt saltando nos cipós como Tarzan e acompanhado por um exército de macaquinhos digitais?

Apesar de todos os seus problemas, porém, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal funciona ao menos como exercício de nostalgia: é prazeroso, como cinéfilo, rever o logotipo da Paramount se transformando em uma versão real que abre a aventura ou acompanhar o trajeto do herói através da linha vermelha em uma mapa. Além disso, Spielberg é hábil ao resgatar toda a linguagem dos filmes anteriores, desde os constantes travellings que nos aproximam dos personagens em momentos dramaticamente relevantes até o contra-luz ocasional que marca a (aqui, apenas suposta) força dos vilões. Da mesma forma, o diretor de fotografia Janusz Kaminski faz um trabalho impecável ao recriar o estilo do agora aposentado Douglas Slocombe, recapturando a preferência deste por sombras e silhuetas, por planos que revelam apenas os olhos dos personagens e pelo tom sépia elegante que confere ao filme um tom clássico que, mesmo belo, não trai a homenagem às produções B feita pela série. E como evitar um arrepio de reconhecimento diante da trilha icônica de John Williams?

Incluindo uma aparição-relâmpago da Arca da Aliança, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal representa uma experiência similar a um reencontro com um velho amigo depois de anos de separação: inicialmente, o prazer da reunião é contagiante, mas, depois de duas horas, ao constatarmos que todos os assuntos discutidos dizem respeito ao passado, acabamos percebendo que, afinal de contas, talvez a velha amizade funcione melhor como uma sensação de gostosa nostalgia e que não haja razões suficientes para que insistamos em mantê-la viva no presente.

20 de Maio de 2008

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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