Hoje serei mais direto e irei direto aos filmes, pois foram seis longas em um dia cuja primeira sessão começou às 8h30 da manhã e a última terminou à meia-noite.
The Lobster (Idem, 2015) – 4 estrelas em 5
Dirigido por Yorgos Lanthimos. Roteiro de Lanthimos e Efthymis Filippou. Com: Colin Farrell, Léa Seydoux, Ben Whishaw, John C. Reilly, Olivia Colman, Jessica Barden, Ashley Jensen, Angeliki Papoulia, Ariane Labed e Rachel Weisz.
Primeiro filme em língua inglesa do cineasta grego Yorgos Lanthimos, responsável pelo ótimo Dente Canino, The Lobster é um filme estranho como aquele, mas ainda mais ambicioso. É também bem mais acessível ao público desacostumado com a linguagem (e o estilo chocante) de obras como Miss Violence e O Garoto que Come Alpiste, o que não significa que seja, por isso, menos interessado em discutir temas igualmente complexos.
Escrito por Lanthimos ao lado de seu parceiro habitual Efthymis Filippou, o roteiro se passa em um mundo distópico no qual pessoas solteiras são obrigadas a se hospedar em um imenso resort, tendo 45 dias para encontrar novos parceiros, sendo transformadas em algum animal de sua escolha caso não consigam. (Sim, você leu corretamente.) É nesta situação que se encontra o triste David (Farrell), que, trocado pela esposa, chega ao hotel onde conhece o Homem com a Língua Presa (Reilly) e o Homem Manco (Whishasw), que, por sua vez, tentam avaliar suas chances com a Mulher com Nariz que Sangra (Barden), a Mulher do Biscoito (Jensen) ou mesmo com a Mulher Sem Coração (Papoulia).
Como é possível observar pelos “nomes” dos personagens, The Lobster assume um tom fabulesco desde o princípio, ressaltando-o através da narração que, surgindo na voz de Rachel Weisz, se encarrega até mesmo de descrever ações que já estamos vendo na tela e os sentimentos do protagonista. Um dos elementos curiosos do projeto, aliás, é perceber como a natureza desta narradora vai sendo revelada aos poucos, permitindo que compreendamos gradualmente qual seu interesse exato e seu papel na história que conta ao espectador.
Intrigante ao dedicar atenção aos menores detalhes do universo que concebe, o filme enriquece a narrativa ao explicar como os hóspedes do hotel podem ganhar mais dias de prazo (caçando rebeldes chamados de Solitários), ao encenar lições idealizadas para ressaltar como é importante ter um parceiro e ao demonstrar como os funcionários excitam os clientes apenas para que estes tenham maior motivação para encontrar um companheiro. Além disso, Lanthimos obviamente se diverte ao criar cenas como as que trazem todos vestindo roupas idênticas ou explicando suas características “marcantes” para os demais.
Nestes instantes, o senso de humor absurdo do diretor constantemente surpreende o público – e a justificativa seca para a adoção de crianças como forma de resolver conflitos conjugais é apenas um dos vários exemplos de piadas excelentes que ainda funcionam como um ácido comentário sobre a natureza disfuncional de tantos relacionamentos. Além disso, The Lobster traz Colin Farrell afiadíssimo, já que é responsável por levar a plateia ao riso apenas com suas expressões de confusão ou mesmo dor ao ter que optar por se identificar como “hetero” ou “homossexual” e ao se esforçar para simular uma compatibilidade que não existe com parceiras em potencial.
Pois não é à toa que os personagens são definidos por algumas de suas características físicas; naquele universo, os indivíduos são constantemente reduzidos a um único elemento de seu físico ou personalidade – o que, convenhamos, não é tão diferente assim da forma como muitas vezes julgamos e somos julgados em nosso cotidiano (e não é à toa que uma das primeiras perguntas que fazemos ao conhecer alguém é “O que você faz?”, como se esta fosse a maneira mais fácil de compreendermos o tipo de pessoa que temos à nossa frente). Além disso, a necessidade imperativa de se ter um companheiro é certamente algo que encontra eco no mundo real, bem como certa tendência de descartarmos certas possibilidades amorosas por acharmos que “merecemos mais” – e basta constatar como muitos daqueles vistos em The Lobster preferem o destino de animais (já que ao menos poderão encontrar um novo parceiro da mesma espécie) do que um envolvimento com alguém que não seja totalmente “compatível”.
É apenas natural, portanto, que praticamente todos os personagens do longa se comuniquem com uma entonação mecânica e sem vida, já que o sentimento autêntico e a impulsividade parecem ter se perdido naquele universo. Além disso, o tom tristonho da narrativa é ressaltado pela trilha de cordas que oscila entre o solene e o melancólico – e também não é por acaso que Lanthimos e o diretor de fotografia Thimios Bakatakis usam tão poucos closes, mantendo-nos tão afastados daquelas pessoas quanto elas se mantém afastadas umas das outras.
Elevando a expressão “o amor é cego” a um novo patamar graças à ironia belissimamente construída pelo excepcional roteiro, The Lobster é um filme atípico que certamente merece ser lembrado nas premiações de fim de ano.
O Homem Irracional (Irrational Man, 2015) – 3 estrelas em 5
Dirigido e roteirizado por Woody Allen. Com: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey, Jamie Blackley, Meredith Hagner, Susan Pourfar.
O Homem Irracional, novo filme de Woody Allen, é um esforço que poderia ter sido muito bom caso soubesse que tipo de história gostaria de contar. Infelizmente, o hábito do cineasta de lançar um trabalho por ano pode merecer aplausos pela disciplina, mas ocasionalmente leva a resultados medianos em função da falta de tempo para que pudessem amadurecer melhor.
Repetindo temas e momentos de alguns de seus longas anteriores (Match Point e Crimes e Pecados vêm à mente), Allen aqui conta a história de Abe Lucas (Phoenix), um professor de filosofia tomado pela depressão e pela falta de propósito de sua vida. Aceitando um emprego em uma nova faculdade, ele acaba se envolvendo com a colega Rita (Posey) e com a aluna Jill (Stone), o que não o torna menos frustrado ou desmotivado – até que, certo dia, ele ouve uma conversa que o leva a encontrar um novo e potencialmente perigoso motivo para viver.
Fotografado por Darius Khondji com uma paleta estranhamente quente e romântica para o tema que revela querer desenvolver, O Homem Irracional frequentemente exibe esta dissonância entre sua narrativa e sua história, como se o roteiro quisesse levar o filme para um lado e a direção, para outro – e o fato de Allen assinar ambos é um péssimo sinal. Aliás, igualmente revelador é perceber como o diretor usa praticamente a mesma música (“The In Crowd”) durante toda a projeção, independentemente do contexto da cena, o que revela no mínimo um descaso atípico do cineasta.
Não que o resultado seja desastroso, pois está longe de ser uma atrocidade como O Escorpião de Jade, Scoop, Dirigindo no Escuro ou Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos – e boa parte do charme do filme deve-se ao ótimo elenco: se Emma Stone, em sua segunda parceria com o diretor, vive uma personagem diametralmente oposta à maluquinha alegre de Magia ao Luar, Joaquin Phoenix encarna Abe como um sujeito barrigudo e desleixado cujo pendor autodestrutivo é simultaneamente divertido e tocante. Além disso, o ator faz um bom trabalho ao demonstrar como indivíduos aquele podem romantizar a própria desilusão e racionalizar seus atos de egoísmo e crueldade, o que torna ainda mais fascinante perceber como passamos a gostar do sujeito mesmo que este não se esforce para nos conquistar.
Já Woody Allen não consegue a mesma proeza, perdendo ainda mais o controle da narrativa a partir do terceiro ato, quando realmente parece estar atirando na tela as primeiras soluções que lhe cruzam a mente e encerrando a projeção em um anticlímax que acaba mandando o espectador para fora da sala com a impressão de ter visto um filme pior do que é na verdade.
Rams (Hrútar, 2015) – 4 estrelas em 5
Dirigido e roteirizado por Grímur Hákonarson. Com: Sigurður Sigurjónsson, Theodór Júlíusson e Charlotte Bøving.
Ficarei bastante surpreso caso Rams não seja selecionado como o candidato oficial da Islândia ao Oscar 2016. Dramático sem ser pesado e suficientemente leve para divertir sem comprometer seus aspectos dramáticos, este é o típico filme que dificilmente desagrada algum espectador, embora também não provoque grandes paixões.
Escrito e dirigido por Grímur Hákonarson, o longa se passa em um vale isolado e bucólico cujos habitantes parecem viver em função de seus rebanhos de ovelhas, organizando competições locais e trocando informações sobre os animais. Dois destes criadores são os irmãos Gummi e Kiddi (Sigurjónsson e Júlíusson), que, morando ao pé da montanha, têm duas coisas em comum: se orgulham da raça de ovelhas que criam (tradicional de sua família) e se odeiam, mantendo-se sem trocar uma palavra sequer há 40 anos. Porém, quando uma doença incurável é identificada no vale e todos são obrigados a sacrificar seus rebanhos, os dois acabam tendo que tomar uma decisão conjunta.
Ancorado por duas ótimas performances centrais, o longa é eficiente ao retratar as diferenças e similaridades entre os irmãos, levando o espectador a se encantar com sua dinâmica hostil ao mesmo tempo em que torce por uma reaproximação.
Empregando bem as belas locações para refletir a natureza dos dois homens e também seu estilo de vida calmo e dedicado à criação gentil dos animais (que tratam como se fossem de estimação), Rams é contemplativo sem ser entediante, contando, ainda, com um desfecho simultaneamente ambíguo e satisfatório.
The Fourth Direction (Chauthi Koot, 2015) – 1 estrela em 5
Dirigido por Gurvinder Singh. Roteiro de Singh e Waryam Singh Sandhyu. Com: Hamek Aulakh, Gurpreet Bhangu, Rajbir Kaur.
Estruturado sem a menor noção de como uma narrativa minimamente coesa de funcionar e confundindo contemplação com autoindulgência, esta produção indiana busca discutir o dilema de um povo encurralado entre um governo autoritário e uma resistência com talento para o fascismo, mas no processo é hábil apenas em entediar imensamente qualquer um desafortunado o bastante para tentar assisti-lo.
The Shameless (Mu-roe-han, 2015) – 1 estrela em 5
Dirigido e roteirzado por Oh Seung-uk. Com: Jeon Do-Yeon, Kim Na-Gil e Park Sung-Woong.
Tentando despistar a natureza formulaica de sua trama ao complicá-la desnecessariamente (bem como as relações entre seus personagens), este policial se estende indefinidamente quando deveria reconhecer não ter material sequer para um média-metragem.
Pois farei o contrário e economizarei palavras ao dizer apenas que tive o desejo de ver todos os seus personagens mortos desde o primeiro ato.
The Sea of Trees (Idem, 2015) – 1 estrela em 5
Dirigido por Gus Van Sant. Roteiro de Chris Sparling. Com: Matthew McConaughey, Naomi Watts e Ken Watanabe.
Gus Van Sant é um bom cineasta que volta e meia comete alguma atrocidade digna de zombaria – aberrações como Inquietos, a refilmagem de Psicose e, agora, este The Sea of Trees.
Escrito por Chris Sparling a partir de uma ideia que deveria ter sido concebida por Nicholas Sparks (mas não foi), o filme até começa de forma promissora ao acompanhar Arthur Brennan (McConaughey) em uma viagem claramente planejada para dar fim à própria vida. Embarcando para o Japão só com a roupa do corpo, ele chega à floresta do título – aparentemente, um lugar conhecido por servir de palco para mais de cem suicídios por ano. (Não pesquisei para verificar se o local existe; se existir, deveria ter gerado um documentários, não servido de base para uma ficção medíocre). Ao começar a engolir as pílulas que o matarão, porém, ele vê um homem ferido e desorientado (Watanabe) e decide ajudá-lo a localizar a trilha para fora da floresta, descobrindo que esta parece ter desaparecido. Enquanto seguimos os esforços dos dois homens, uma serie de flashbacks nos informa sobre o problemático casamento de Arthur e Joan (Watts).
Mergulhando na tolice desde o momento em que passa a projetar uma natureza sobrenatural sobre a floresta, o roteiro se torna gradualmente mais infantil, maniqueísta e óbvio (embora acredite ser repleto de surpresas) à medida que a relação entre os personagens de McConaughey e Watanabe se desenvolve, passando a apostar em pistas que praticamente imploram para que o espectador note sua importância e usando-as para recompensas que soam meramente estúpidas (como os nomes “Kiiro” e “Fuyu”).
Assim, é uma pena perceber como Matthew McConaughey se dedica a conferir algum peso ao personagem, esforçando-se para tornar seus dilemas reais e complexos – e o mesmo pode ser dito sobre Naomi Watts, que protagoniza uma cena particularmente eficaz ao expressar todo seu ressentimento pelo marido ao mesmo tempo em que busca reprimir a própria magoa. Já Ken Watanabe, pobrezinho, fica preso a uma figura que pouco mais é do que um estereótipo, chegando ao ponto de acusar o novo companheiro de não compreender sua “cultura” – algo que inspira uma resposta tão condescendente que me espanta que ninguém da produção tenha notado o racismo ali contido.
Entregando-se de vez às mais ridículas revelações e “reviravoltas” a partir do terceiro ato (e aquele envolvendo uma ambulância é especialmente hilário – embora tente ser impactante), The Sea o Trees é um destes filmes que se acreditam filosoficamente profundos, mas que só conseguem exibir uma visão constrangedora e superficial sobre os grandes dilemas existenciais que todos enfrentamos.
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