O faroeste é um dos gêneros mais masculinos do cinema, mas isso não significa que não há personagens femininas fortes no Velho Oeste. Na nova edição da coluna, escolhemos aquelas que pegam em armas e não abaixam a cabeça para ninguém, mesmo em um ambiente tão hostil que costuma colocar as mulheres em papéis secundários, como o de donzela em perigo ou interesse amoroso do herói.
DÍVIDA DE HONRA
The Homesman, 2014
Diretor: Tommy Lee Jones
A história do longa parte de uma cidade interiorana do Nebraska no ano de 1854. Mary Bee Cuddy (Hilary Swank) já ultrapassou a idade balzaquiana há algum tempo e permanece solteira, trabalhando duro em suas terras. Ela é do tipo que não aguarda um pedido de casamento e confessa suas intenções quando lhe convém no intuito de se livrar da solidão, algo admirável e raro no contexto da época. Porém, não está disposta a abandonar sua independência e senso de moral, atitude que costuma intimidar possíveis companheiros.
Theoline Belknap (Miranda Otto), Gro Svendsen (Sonja Richter) e Arabella Sours (Grace Gummer) apresentam quadro recente de histeria e demência e foram rejeitadas pelos maridos e pela primitiva sociedade rural. Dominada pela compaixão com a situação delicada das três mulheres, Mary Bee aceita a incumbência de levá-las para uma instituição, provando ser mais capaz que muitos homens ao romper o estereótipo e assumir responsabilidades geralmente delegadas ao sexo oposto. No caminho, após salvar a vida de George Briggs (Tommy Lee Jones), ela o convoca para a honrada missão, que não deixa de ser bastante perigosa.
Indicada à Palma de Ouro em Cannes, a produção se distanciou dos clichês principalmente por não retratar as tão típicas donzelas indefesas do gênero. Segundo a própria Hilary em conversa com a revista Variety, “o filme é feminista, porque lida com a objetificação e trivialização da mulher. Ele se passa no meio do século XIX e trata de problemas que nós ainda enfrentamos nos dias de hoje”.
ALMAS EM FÚRIA
The Furies, 1950
Diretor: Anthony Mann
A trama do último filme do ator Walter Huston (O Tesouro da Sierra Madre) se passa em meados de 1870, no território do Novo México. T.C. Jeffords (Huston) é um fazendeiro viúvo que construiu seu império do zero com o próprio suor. Ele enfrenta os mexicanos que agora são considerados posseiros e reivindicam propriedade de algumas áreas. Quando T.C. enforca um deles, amigo da filha Vance (Barbara Stanwyck), ela sai de casa e trava um plano para tomar as rédeas do rancho com a ajuda do banqueiro Rip Darrow (Wendell Corey), um dos principais inimigos de seu endividado pai.
A personagem feminina de Stanwyck se mostra a frente do conservadorismo latente na época e não se limita a apenas um amante, nem se curva aos interesses de ninguém. A herdeira teimosa com personalidade forte também entra em atrito com a nova madrasta, Flo Burnett (Judith Anderson), e reage ao cinismo da rival com postura agressiva e extrema violência.
Almas em Fúria funciona menos como um western clássico e mais como um intenso drama familiar, com direto a jogos de poder, disputa territorial e antigos rancores que veem à tona. O título original (The Furies) nomeia a fazenda e faz alusão ao mito grego das Fúrias, ligado à vingança, e é extrapolado no comportamento explosivo dos Jeffords.
JOHNNY GUITAR
1954
Diretor: Nicholas Ray
Neste faroeste moderno e não convencional que é adorado por Martin Scorsese e François Truffaut, Joan Crawford (O Que Aconteceu com Baby Jane?) brilha no papel principal de Vienna, a independente e corajosa dona de um saloon que recebe constantes ameaças dos rancheiros interessados em sua propriedade por causa da passagem de uma ferrovia. Quando ela ajuda Dancin' Kid (Scott Brady), acusado de assassinato, entra em conflito direto com a obcecada Emma Small (Mercedes McCambridge), que quer puni-la e sente ciúmes de sua relação próxima com Kid. Durante o embate, Vienna é apoiada por seu ex-amante e pistoleiro Johnny Guitar (Sterling Hayden).
Em uma trama em que os homens são muitas vezes passivos e manipuláveis, Vienna e Emma têm personalidades fortes, defendem seus princípios e trocam tiros em uma das cenas mais memoráveis do longa que antecipou a força do movimento feminista na década de 1960. Vale lembrar uma fala precisa de Vienna a Johnny: “Um homem pode mentir, roubar e até matar, mas se ele manter seu orgulho, ainda é um homem. Tudo o que uma mulher precisa é escorregar apenas uma vez para ser chamada de vagabunda! Deve ser um grande conforto para você ser homem”.
BRAVURA INDÔMITA
True Grit, 2010
Diretores: Ethan Coen e Joel Coen
No remake realizado pelos irmãos Coen do filme de 1969 com John Wayne, o grosseiro Rooster Cogburn (Jeff Bridges) e o inexperiente oficial da lei LaBoeuf (Matt Damon) formam um improvável trio com a esperta e teimosa pré-adolescente Mattie Ross (Hailee Steinfeld), determinada a fazer justiça com as próprias mãos e capturar Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino de seu pai que fugiu com o dinheiro da família.
Neste mundo de homens empunhando suas armas de fogo, Mattie desafia seu papel na conservadora sociedade e chama atenção como personagem forte e independente ao se impor e demonstrar confiança em sua causa, sem se deixar intimidar pela idade e pelo fato de ser mulher. A iniciativa de caçar Chaney parte dela, assim como sua decisão de contratar o alcoolizado e preguiçoso (mas eficiente) Cogburn, que inicialmente ridiculariza a proposta da jovem. Além disso, ela insiste em participar efetivamente da perigosa missão, testemunhando assassinatos e correndo o risco de morrer. Acima de tudo, Mattie é um grande contraste com os homens da trama, representados muitas vezes como arrogantes ou simplesmente tolos.
ONDE OS HOMENS SÃO HOMENS
McCabe & Mrs. Miller, 1954
Diretor: Robert Altman
Robert Altman cria um faroeste revisionista na neve que acompanha John McCabe (Warren Beatty) chegando a uma remota cidade para estabelecer um saloon. Ele pensa em construir algo simples, mas é convencido pela perspicaz cafetina Constance Miller (Julie Christie) a instalar um bordel luxuoso com mulheres sempre limpas e camas com lençóis de linho. Os dois se tornam bons parceiros de negócios e dividem os lucros, mas a relação é prejudicada quando uma grande corporação se interessa pela atividade mineradora da região e quer comprar o prostíbulo de McCabe.
Uma das características do personagem de Beatty é a covardia, enquanto Constance é viciada em ópio, determinada e não tem problemas em falar abertamente (“Olha, Sr. McCabe, eu sou uma put*!”). Na dinâmica entre ambos, a mulher é a mais forte e bem mais competente para administrar o negócio. Longe da ideia moralista da “prostituta com coração de ouro”, que representa as profissionais do sexo como boas e íntegras, ainda que envolvidas com práticas supostamente imorais e pecaminosas (há um exemplo disso em No Tempo das Diligências), Altman se interessa por um retrato mais real e não mostra Constance esperando por um homem que a resgate de sua condição. Aqui, o sexo se aproxima mais de uma noção de emancipação feminina.
Repare na cena abaixo como a personagem de Julie Christie se impõe em relação a McCabe, até mesmo em sua maneira de se alimentar:
Menções Honrosas
* Veronica Lake em A Abrasadora (1947), de André De Toth
* Jane Russell em O Valente Treme-Treme (1948), de Norman Z. McLeod
* Barbara Stanwyck em Dragões da Violência (1957), de Samuel Fuller
* Jane Fonda em Dívida de Sangue (1965), de Elliot Silverstein
* Millie Perkins em Disparo para Matar (1966), de Monte Hellman
* Elsa Martinelli em A Pistoleira de Virginia (1968), de Piero Cristofani e Lina Wertmüller
* Rosalind Chao em Thousand Pieces of Gold (1991), de Nancy Kelly
* Suzy Amis em The Ballad of Little Jo (1993), de Maggie Greenwald
* Madeleine Stowe, Mary Stuart Masterson, Andie MacDowell e Drew Barrymore em Quatro Mulheres E Um Destino (1994), de Jonathan Kaplan
* Sharon Stone em Rápida e Mortal (1995), de Sam Raimi
* Dana Delany, Annabeth Gish e Angelina Jolie em Prova de Fogo (1997), de Karen Arthur
* Cate Blanchett em Desaparecidas (2003), de Ron Howard
* Michelle Williams em O Atalho (2010), de Kelly Reichardt
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