Se você é cinéfilo, provavelmente sabe como é difícil realizar um longa e gosta de conhecer as dificuldades enfrentadas por grandes diretores durante as filmagens de suas obras. A maioria das produções encontra pedras no caminho e cabe ao profissional atrás das câmeras se adaptar a diferentes situações. Porém, nem sempre o talento do artista é levado em consideração pelo universo, que parece conspirar contra alguns filmes. Na coluna Clube dos Cinco desta semana, listamos documentários que conseguiram captar momentos de alegria, ódio e frustração nos bastidores.
PERDIDO EM LA MANCHA
Lost in La Mancha, 2002
Diretores: Keith Fulton e Louis Pepe
Terry Gilliam (Brazil) é um cineasta capaz de criar visuais fantásticos para seus projetos, mas, infelizmente, um deles está comprovadamente amaldiçoado. Sua adaptação de Dom Quixote, livro de Miguel de Cervantes, começou a ser rodada em 2000, mas passou por diversos problemas. Basicamente, tudo o que podia dar errado, deu: forças da natureza que prejudicaram os equipamentos, cortes no orçamento feitos pelo estúdio e até o adoecimento de Jean Rochefort, ator que estava interpretando o protagonista e estrelando o longa ao lado de Johnny Depp no papel do escudeiro Sancho Pança.
Narrado por Jeff Bridges (O Pescador de Ilusões), o documentário Perdido em La Mancha mostra bem as trágicas etapas de uma filmagem que poderia ter originado uma ótima produção, principalmente se considerarmos que temas como realidade, fantasia, loucura e sanidade, presentes em Dom Quixote, também são frequentes na filmografia de Gilliam. Mesmo com a adaptação sendo interrompida, o cineasta continua tentando “se livrar do longa de uma vez por todas” (nas suas próprias palavras). Infelizmente, ainda está sem sorte.
BURDEN OF DREAMS
1982
Diretor: Les Blank
Burden of Dreams retrata as caóticas filmagens do épico Fitzcarraldo (1982), que apresenta a façanha de um homem obcecado em construir uma casa de ópera na selva. O diretor Werner Herzog arriscou sua vida e sanidade e enfrentou problemas climáticos e territoriais para concluir o projeto.
Durante as filmagens, um navio de 340 toneladas foi movido sobre uma montanha com uma escavadeira, dispensando efeitos especiais. Herzog contou que foi incentivado por um padre católico a incluir prostitutas na equipe para controlar a loucura dos homens, trabalhando por pagamentos baixos e com direito à alimentação escassa e insuficientes cuidados médicos. Além dos feridos por ataques de nativos e até por um acidente de avião, alguns membros da equipe formada por centenas de figurantes faleceram. Jason Robards e Mick Jagger, inicialmente escalados nos papéis principais, rodaram algumas cenas, mas precisaram abandonar o projeto por razões de saúde e outros compromissos, respectivamente. Klaus Kinski foi então contratado, representando com seu comportamento explosivo mais uma fonte de tensão no set. De certa forma, a trajetória passada por seu personagem é a mesma de Herzog: os dois se consideram e se orgulham de serem “conquistadores do inútil”.
FRANCIS FORD COPPOLA - O APOCALIPSE DE UM CINEASTA
Hearts of Darkness: A Filmmaker's Apocalypse, 1991
Diretores: Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola
Francis Ford Coppola - O Apocalipse de um Cineasta foca nas turbulentas filmagens do clássico antibélico Apocalypse Now (1979), revelando os múltiplos esforços do diretor para trabalhar em meio a forças da natureza destruindo cenários e enfrentando cansaço físico e mental, problemas de guerrilha nas Filipinas, orçamentos exacerbados (que já ultrapassavam milhões de dólares), descrença dos produtores, uma parada cardíaca sofrida pelo protagonista Martin Sheen, a personalidade arrogante de Marlon Brando, bebedeiras típicas de Dennis Hopper e demais excessos da Nova Hollywood.
O documentário apresenta cenas capturadas secretamente por Elanor Coppola, esposa de Francis, que observou de perto a entrega quase suicida do marido ao projeto, desacreditado no resultado depois de tantas adversidades no set, mas que ao final triunfou, conquistando crítica e público, além da Palma de Ouro e dos Oscars de Melhor Fotografia e Som. Nunca antes a frase dita pelo cineasta fez tanto sentido: “Meu filme não é sobre o Vietnã, ele é o Vietnã”.
AMERICAN MOVIE
1999
Diretor: Chris Smith
Simpático e determinado, Mark Borchardt, acompanhado por Mike Schank, batalha no interior de Milwaukee (EUA) para realizar seu sonho americano particular: fazer filmes. A produção de um abandonado curta de terror intitulado Coven é retomada com a ajuda de parentes, de atores do teatro local e do próprio diretor Chris Smith, que convidou os dois amigos para a realização do documentário American Movie, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance.
O metalinguístico e cômico filme, que explora a paixão e o entusiasmo do jovem aspirante à cineasta, mostra todos os desafios enfrentados por ele, desde as dificuldades de planejamento e o custoso financiamento até os resultados pouco satisfatórios e a possibilidade de uma parca distribuição (basicamente, os obstáculos que muitos diretores independentes encontram no caminho). Além disso, Borchardt teve que lutar contra seus demônios internos, como o fato de fazer parte de uma família disfuncional e a dependência alcoólica e em jogos de azar, fatores que diminuíam sua confiança e o deixavam inseguro.
DUNA DE JODOROWSKY
Jodorowsky's Dune, 2013
Diretor: Frank Pavich
Assim como Dom Quixote, este é um filme que nunca aconteceu. Porém, ao contrário do projeto de Terry Gilliam, tudo indica que ele nunca será realizado. O documentário de Frank Pavich apresenta com detalhes o surgimento e o colapso da ideia que o diretor chileno surrealista Alejandro Jodorowsky (A Montanha Sagrada) teve de adaptar Duna, fundamental livro de ficção científica de Frank Herbert. A ambiciosa produção começou a ser desenvolvida durante a década de 70, mas problemas financeiros e um enorme roteiro que daria origem a uma narrativa de 14 horas impediram o início das filmagens.
Nunca poderemos assistir à obra de Jodorowsky, mas considerando os profissionais envolvidos no longa, é difícil imaginar que o resultado não seria absolutamente épico. Afinal, todo o visual estava sendo criado com a ajuda de Jean Giraud (um dos principais quadrinistas da história) e H.R. Giger (Alien, o Oitavo Passageiro) e o elenco tinha nomes como o diretor Orson Welles (A Marca da Maldade), o ator David Carradine (Kill Bill: Volume 2), o pintor Salvador Dalí e o músico Mick Jagger. Além disso, parte da trilha sonora seria composta pela banda Pink Floyd!
Menções Honrosas
* Ciao, Federico! (1970), de Gideon Bachman
* Making 'The Shining' (1980), de Vivian Kubrick
* The Making of Fanny and Alexander (1986), de Ingmar Bergman
* Dirigido por Tarkovski (1988), de Michal Leszczylowski
* The Godfather Family: A Look Inside (1990), de Jeff Werner
* É Tudo Verdade (1993), de Bill Krohn, Myron Meisel, Orson Welles, Richard Wilson e Norman Foster
* The Making of Steven Spielberg's 'Jaws' (1995), de Laurent Bouzereau
* The Battle Over Citizen Kane (1996), de Michael Epstein e Thomas Lennon
* Full Tilt Boogie (1997), de Sarah Kelly
* The Thing: Terror Takes Shape (1998), de Michael Matessino
* That Moment: Magnolia Diary (2000), de Mark Rance
* Overnight (2003), de Tony Montana e Mark Brian Smith
* Por Dentro do Garganta Profunda (2005), de Fenton Bailey e Randy Barbato
* Wrath of Gods (2006), de Jon Einarsson Gustafsson
* Dias Perigosos - Realizando Blade Runner (2007), de Charles de Lauzirika
* Best Worst Movie (2009), de Michael Stephenson
* Minha Vida Dirigida Por Nicolas Winding Refn (2014), de Liv Corfixen
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