O rapaz pegou o microfone com as mãos visivelmente trêmulas e, com a voz embargada, ergueu uma edição de “300” e se dirigiu a Frank Miller, que participava de um painel da Comic Con Experience ao lado de Marcelo Hessel, do Omelete.
Nos minutos seguintes, o sujeito tentou articular a importância de Miller em sua vida, a influência que exerceu sobre seus gostos no que dizia respeito aos quadrinhos e a admiração que nutria por aquela lenda da forma de arte que tanto amava. À medida que sua voz falhava, eu encolhia na cadeira. Já participei de um número suficiente de mesas-redondas, debates e painéis para saber que o público odeia quando algum membro da plateia toma conta do microfone, no espaço para perguntas, com o objetivo de manifestar apenas questões pessoais que fogem da proposta da discussão. Ao mesmo tempo em que a vulnerabilidade exposta pelo fã me comovia, eu temia as vaias e ofensas inevitáveis que se seguiriam.
Quando ele se inclinou sobre a grade que cercava o pequeno tablado para chorar, pensei: “Ele vai ser massacrado”.
E, então, as 2.500 pessoas presentes no auditório começaram a aplaudir entusiasmadamente.
Revigorado pelo apoio, o rapaz perguntou, ainda com a voz hesitante, se Miller poderia assinar sua edição de “300”.
Aqui faço uma pausa para contextualizar o pedido: naquela mesma manhã, o evento havia distribuído 100 senhas para que os fãs pudessem receber autógrafos do artista – e estas se esgotaram quase instantaneamente. E aqui vinha alguém aproveitar um espaço de perguntas para pedir uma dedicatória especial.
Repito: na maioria dos eventos, isto transformaria a plateia em uma turba homicida.
Na CCXP, despertou aplausos ainda maiores e gritos de celebração enquanto Miller caminhava rumo ao jovem, assinava sua HQ e ainda posava para uma selfie.
Naquele momento, percebi que a comunidade nerd/geek é repleta de algo que, como escrevo frequentemente, representa para mim o que temos de mais nobre como espécie: a capacidade de empatia. A alegria daquele fã e sua vitória ao posar com o ídolo eram a alegria e a vitória de todos os fãs que se encontravam no auditório. A celebração dele era deles.
Durante os dois dias em que visitei a CCXP, diga-se de passagem, testemunhei outros exemplos desta camaradagem contagiante e comovente: quando o ilustrador Jim Lee deu um desenho autografado para um garoto que aniversariava naquele dia, a plateia cantou “Parabéns para Você” com uma energia normalmente dedicada a festas de família. Olhando ao meu redor, não encontrei uma única expressão de inveja ou ressentimento diante da sorte alheia, mas de pura apreciação.
Ainda assim, o exemplo mais admirável de solidariedade “nerdística” foi aquele que vi na fila gigantesca para entrar justamente no auditório no qual os painéis aconteceriam: Luca e eu havíamos chegado às 11 da manhã e, até então, já havíamos esperado três horas pelo momento de entrar. Apenas umas trinta pessoas se encontravam à nossa frente (sim, “apenas”; a estimativa é a de que houvesse umas quatro mil aguardando) quando três rapazes logo adiante começaram a conversar com três garotas que estavam do lado de fora do gradeado e, portanto, no extremo final da fila. Elas haviam viajado de Curitiba para ver Frank Miller e, agora, percebiam que perderiam o painel. Uma delas chorava.
Foi quando os jovens saltaram as grades para sair da fila, cedendo seus lugares para as moças.
Sim, depois de mais de três horas esperando, eles abriram mão do painel quando estavam prestes a entrar.
Confesso ter dificuldade para pensar em qualquer outro tipo de evento no qual algo assim pudesse ocorrer.
Este forte sentimento de comunidade manteve-se presente durante meus dois dias ali. Os visitantes mostravam suas compras uns para os outros, comentavam painéis, trocavam dicas e informações, riam e se divertiam visivelmente – mesmo sufocados pelos corredores abarrotados de pessoas. (E, pelo que ouvi, no sábado o público foi ainda maior.)
Aliás, para um evento tão grande e ambicioso quanto a Comic Con Experience se revelou, a organização é surpreendente – e não me lembro de ter percebido nenhum problema grave além de falhas ocasionais nos telões do auditório e, claro, do calor que, vez por outra, se tornava um pouco maior do que o recomendado.
Mas, mais do que isso, a proposta da CCXP me encantou: além de trazer um painel envolvendo três atores da série Sense8 (que descrevi como “uma série construída por, com e sobre empatia”), o evento promoveu vários painéis que tinham a diversidade e a representação de minorias como tema, preocupando-se em escalar debatedores que realmente entendiam do que falavam em vez de priorizar nomes famosinhos que trariam "glamour" em vez de conteúdo. E você sabe que a preocupação dos organizadores com a questão é autêntica quando respondem rapidamente a um abuso cometido pelo “Pânico na TV” (cujo “repórter” lambeu uma garota que fazia cosplay) ao banir o programa de futuras edições.
Para finalizar, julgo ser fundamental apontar os méritos pessoais de alguns dos responsáveis pela CCXP: Marcelo Forlani, por exemplo, se mostrou uma figura incrivelmente gentil ao lidar com meu credenciamento; Marcelo Hessel me impressionou com a forma segura e inteligente com que conduziu os painéis de quadrinhos; e Érico Borgo demonstrou carisma como “mestre de cerimônias”, além de exibir segurança ao manter a plateia sob controle em momentos que ameaçavam ser destruídos pela histeria de alguns fãs. (Além disso, claro que tenho que agradecer à Aline Diniz, cuja popularidade diante do público é inquestionável, e ao meu amigo Bruno Carvalho pelo carinho e cuidado demonstrados durante o evento.)
Ao final, ainda acabei participando da transmissão ao vivo do OmeleTV para falar sobre minhas impressões acerca da CCXP e do meu segundo livro – e vi, divertido, vários leitores celebrando o inesperado crossover Cinema em Cena e Omelete.
Também fiquei feliz com a experiência, acreditem.
E, julgando pela reação de Luca, não fui o único. Ano que vem tem mais. E, olha, dizem que #VaiSerÉpico.
Um grande abraço e bons filmes!
Pablo Villaça