Dezesseis anos. Esse foi o tempo que os fãs de Star Wars esperaram para ver um novo filme após O Retorno de Jedi. Em 1999, finalmente foi lançado Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma. A trilogia que se iniciou com ele e que funciona como um prelúdio para os outros longas é inteiramente dirigida por George Lucas e composta também por Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones (2002) e Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith (2005). É possível dizer que um dos (poucos?) pontos fortes desses filmes é o figurino, desenhado por Trisha Biggar. A figurinista usou as bases deixadas por John Mollo (cujo trabalho nos Episódios IV, V e VI foi analisado aqui) e expandiu-o, para dar vida a uma sociedade que Lucas define como “muito mais sofisticada”.
Uma das características que Mollo estabeleceu foi a paleta de cores baseada em tons terrosos para os mocinhos. Biggar continua com essa lógica e os Jedi seguem vestindo as túnicas beges inspiradas em quimonos acompanhadas de capa. Qui-Gon Jinn (Liam Neeson), assim como Luke Skywalker em Uma Nova Esperança, veste um poncho sobre sua roupa para chamar menos atenção.
Em A Ameaça Fantasma, Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) é apenas um aprendiz, ou padawan, e por isso utiliza uma trança para marcar seu status. Ela só é cortada quando o aprendiz é elevado a cavaleiro, o que pode ser visto em Ataque dos Clones.
Não vou comentar a respeito da polêmica em torno da computação gráfica, mas, em se tratando do figurino gerado através dela, é interessante notar o grande salto que a tecnologia teve entre os episódios II e III. Não só as rugas do rosto são mais detalhadas, mas também a textura do tecido da roupa de Yoda, que é praticamente inexistente em 2002, já é bastante visível e ganhou maior realismo em 2005.
Em Tatooine, tio Ben (Joel Edgerton) já veste o mesmo tipo de túnica com tecidos rústicos que usará no futuro.
Já os vilões continuam usando roupas escuras, muitas vezes pretas, com capas. Darth Maul (Ray Park) usa o mesmo tipo de robe dos Jedi. Conde Dooku (ou Darth Tyranus, interpretado por Christopher Lee) utiliza trajes com aparência militar.
Por fim, Senador Palpatine (ou Darth Sidious, interpretado por Ian McDiarmid), no terceiro filme, usa a gola chinesa que foi vinculada aos militares do exército do Império na trilogia original, bem como tecido com textura rugosa, que lembra couro. São pistas que o figurino dá sobre seu verdadeiro papel político e seu futuro como Imperador.
Mas é o guarda-roupa de Padmé Amidala que mais chama atenção pela riqueza de detalhes e exuberância. Em A Ameaça Fantasma, ocupando o cargo de rainha de Naboo, seus trajes trazem certa rigidez, adequada ao protocolo. A maior parte deles tem aparência pesada e é altamente ornamentado, com bordados, rendas e texturas. Os cabelos são arrumados em pesteados elaborados e com adereços. A inspiração vem de trajes da realeza ou da nobreza de períodos históricos diferentes, mas geograficamente do que costuma se chamar de Oriente. A maquiagem pesada, com o rosto claro e lábios vermelhos, escondem suas feições, o que, aliado ao falar pausado e sem entonação, ajuda nas atividades políticas e no disfarce de sua identidade.
Esse tipo de roupa está vinculado ao cargo de rainha, o que fica comprovado pelas ocupantes do cargo seguintes, que também se vestem dessa forma.
Padmé eventualmente utiliza a estratégia de colocar alguma de suas damas de companhia em seu lugar, muitas vezes por motivos de segurança. No primeiro filme é Sabé, interpretada por Keira Knightley, que ocupa esse papel.
Enquanto isso, Padmé se veste como as demais damas de companhia, com um traje em degradê do vermelho ao amarelo. Quando sai da corte, disfarça-se de camponesa, com tecidos rústicos ou com um traje para batalha.
Em uma de suas aparições, ela usa um vestido vermelho com bordados dourado e os cabelos esculpidos em uma forma simétrica que lembra dois chifres, adornados com pingentes. A roupa é visivelmente inspirada no traje real tradicional da Mongólia.
Imperatriz Dondogdulam, fotografada em 1908 na Mongólia
Na última cena do longa, na celebração da derrota da Federação de Comércio, Padmé utiliza um vestido leve e claro, coberto com uma capa composta por inúmeras pétalas de tecido delicado em tons rosados, com uma gola que remete ao período elisabetano da Inglaterra, criando um gancho para seu figurino do segundo filme.
Retrato da Rainha Elizabeth I da Inglaterra, no final do século XVI
Em Ataque dos Clones, Padmé não é mais rainha, mas se tornou senadora da Galáxia. A partir de agora seus trajes têm como influência maior a moda europeia de épocas variadas. Eles se tornam mais leves, menos cerimoniais, mas não menos cheios de detalhes. Os tecidos diáfanos e cores suaves servem para garantir uma imagem romântica à personagem.
Seu traje de refugiada, utilizado com e sem o capuz, é decorado com arabescos e novamente traz como referência uma nobreza europeia, dessa vez da Rússia.
Grã-Duquesa Xenia Alexandrovna em traje típico do século XVII, fotografada em 1903
Cada vez mais afastada da política e mais envolvida com a ação, também utiliza um traje bastante funcional inteiramente branco, ajustado ao corpo, acompanhado de uma capa. Quando Nexu, o felino monstruoso a ataca na arena, ele arranca com suas garras uma porção do tecido. A decisão foi de George Lucas, que desejava trajes mais reveladores.
Já o vestido de casamento com o longo véu moldando o formato da cabeça é inspirado por aqueles da década de 1920.
Por fim, no terceiro filme, escondendo seu casamento e sua gravidez, Padmé utiliza cores escuras, especialmente azul e roxo, além de tecidos pesados, como o veludo. As formas são amplas e uma capa geralmente esconde sua barriga. Em casa, as camisolas são de tecidos leves.
Em certo momento, quando reencontra Anakin, seus cabelos estão presos formando os coques memoráveis que Leia, sua filha, usou em Uma Nova Esperança.
Já na cerimônia de seu funeral, o vestido azul, com um tecido fluido que lembra água, assim como seus cabelos dispostos em cachos cobertos por flores ao seu redor, transformam Padmé em uma imagem de Ofélia.
Por fim, temos Anakin Skywalker (Jake Lloyd), o menino que se tornou um dos maiores vilões da história do cinema. Nós o vemos em Tatooine usando roupas como as dos demais habitantes do local, e ao final de A Ameaça Fantasma, já é o pequeno padawan de Obi-Wan.
Já crescido (interpretado por Hayden Christensen), a partir do segundo filme, Anakin passa a usar em seus trajes de Jedi elementos em tons escuros de marrom. Depois, sobre sua túnica, utiliza couro preto de aparência pesada, em oposição aos tecidos de fibras vegetais em tons claros dos Jedi, que gradativamente deixa de usar, conforme é levado para o lado sombrio da Força. Sua dualidade é marcada em uma cena em que metade de seu rosto está na luz e metade na sombra. As mangas amplas e a capa, embora sejam condizentes com um traje Jedi, servem para lhe conferir uma silhueta que, propositalmente, reflete seu traje futuro como Darth Vader.
O trabalho de Trisha Biggar, curiosamente, foi pouco lembrando em premiações e hoje em dia ela trabalha principalmente em séries de televisão. Apesar disso, a figurinista manteve coesão com a estética estabelecida na trilogia original e expandiu as possibilidades, tendo em vista que agora a sociedade retratada é mais complexa e rica, em um período que antecede as grandes guerras. Com isso, tornou-se responsável por alguns dos trajes mais memoráveis da franquia Star Wars.
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É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.