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O prêmio do Sindicato dos Figurinistas em 2016 Vestindo o Filme

Durante a temporada de premiações do cinema, o foco do público muitas vezes se desloca para o Oscar, o prêmio da indústria que mais chama atenção. Mas é interessante também acompanhar as premiações dos sindicatos, pois elas dizem muito sobre como os profissionais enxergam seu próprio trabalho. No dia 23 de fevereiro foi a vez do 18º Costume Designer Guild Awards, prêmio do Sindicato dos Figurinistas dos Estados Unidos, premiar seus destaques no cinema, televisão e publicidade. Os votantes são os próprios figurinistas, bem como assistentes de figurino e ilustradores que sejam afiliados ao sindicato.

Farei um breve comentário sobre os indicados ao prêmio nas categorias de cinema neste ano. Para ler a respeito dos concorrentes de 2015 e de 2014 acesse aqui e aqui. Segue abaixo os indicados de cada categoria, com o vencedor em destaque:

 

Excelência em Filme de Fantasia

Cinderela – Sandy Powell
Ex_Machina: Instinto Artificial – Sammy Sheldon Differ
Jogos Vorazes: A Esperança - O Final – Kurt e Bart
Mad Max: Estrada da Fúria – Jenny Beavan
Star Wars: O Despertar da Força – Michael Kaplan

 

Três dos filmes indicados nessa categoria são partes de franquias, o que significa que seguem critérios estéticos de universos que foram estabelecidos anteriormente. Não é o caso de Cinderela, da veterana Sandy Powell, embora graças à clássica versão animada dos Estúdios Disney, além dos contos de Perrault e dos irmãos Grimm, sua imagem faz parte do ideário de grande parte das pessoas. Ainda assim a figurinista consegue trabalhar criando trajes memoráveis, como o vestido de baile, que garante que a personagem-título se destaque entre tantas moças presentes no evento. Mas as roupas mais notáveis são da madrasta, que utiliza silhuetas que correspondem à metade do século XX, ao invés do século XIX. Isso, aliado aos tons fortes, em cor de joias, lhe garante uma aparência elegante, fria e dura, que contrasta com o ridículo de suas filhas e os elementos naturais e detalhes delicados que compõem Cinderela (leia mais sobre o figurino de Cinderela aqui).

Ex_Machina: Instinto Artificial é o único dos indicados nessa categoria que provém de material original e sem referências anteriores. É curioso como a composição da androide Ava é feita através da união de figurino com efeitos digitais. Alicia Vikander vestiu, durante as gravações, uma espécie de roupa de mergulho com a estampa que pode ser conferida no longa. Anéis pretos recobertos de tachinhas adornam o traje, mas eles também tiveram a função de ajudar na captura de movimentos da atriz de forma que ela não precisasse usar as tradicionais bolinhas ou tela verde. Seu corpo foi escaneado para depois ser parcialmente substituído pelos componentes robóticos. O visual criado para a personagem é marcante. Além disso, as roupas também cumprem seu papel nos momentos em que ela advoga pela sua humanidade, buscando uma aparência praticamente saída de uma comédia romântica para tornar-se atrativa. Esse mecanismo funciona quase como um meta-figurino.

Dentre todos os indicados, penso que o mais fraco é Jogos Vorazes: A Esperança - O Final, o quarto da série baseada nos livros de Suzanne Collins. A dupla Kurt e Bart, que já havia trabalhado no filme anterior, aqui basicamente repete elementos já vistos e o faz de forma inconsistente com a jornada da protagonista. Enquanto nos capítulos anteriores da história sempre houve espaço para se brincar com a dubiedade do uso da roupa para a criação da imagem dos personagens, uma vez que a propaganda e a mídia são partes essenciais da trama, neste, toda forma de ironia é deixada de lado. Se Katniss não se veste mais para um público ou para criar uma imagem para os demais, o fatídico vestido amarelo da cena final torna-se indefensável (leia aqui a análise completa do figurino de Jogos Vorazes: A Esperança - O Final).

O responsável pelo figurino de Star Wars: O Despertar da Força, Michael Kaplan, já havia trabalhado com o diretor J.J. Abrams nos dois filmes de Star Trek, criando os novos uniformes da tripulação, que funcionam bem ao remeter à série clássica, ainda que com uma nova estética. Abrams deve ter pedido para Kaplan fazer algo similar com Star Wars, só que dessa vez não é um reboot e as diretrizes dos longas anteriores tiveram que ser seguidas à risca. O figurinista respeitou o uso de tons claros e tecidos rústicos, além dos laranjas pontuais para os mocinhos e o preto, juntamente com uma estética militar para os vilões. As roupas de Rey, que parecem ser cobertas por tiras de tecidos que se enrolam em seu corpo, parecem adequadas ao local e às atividades que ela exerce. Já os trajes de Kylo Ren têm imponência e sua máscara claramente o conecta a Darth Vader, antes que qualquer explicação seja necessária. Kaplan mais uma vez conseguiu trabalhar em cima de uma franquia estabelecida e expressar seu próprio ponto de vista (para ler a respeito dos figurinos dos episódios IV, V e VI acesse aqui, e dos episódios I, II e III, aqui).

Por fim, o merecido ganhador do prêmio foi Mad Max: Estrada da Fúria. Jenny Beavan é uma veterana na indústria e trabalhou especialmente com filmes de época. Por isso o cenário pós-apocalíptico do universo retratado parece sair de sua zona de conforto, mas ela soube lidar com a novidade. Os tecidos claros e corpos expostos das noivas de Immortan Joe mostram a objetificação a que eram submetidas e ao mesmo tempo a falta de contato com o inóspito mundo exterior. Já Max e Furiosa vestem roupas práticas e que protegem das intempéries. O peitoral e a máscara de Immortan Joe têm função de sobrevivência, mas também criam um visual específico do personagem. Se levarmos em conta personagens secundários e figurantes, a quantidade de trabalho impressiona. Elementos metálicos que podem ser feitos com peças de automóveis reaproveitadas são usados como adornos. O trabalho de tingimento e envelhecimento dos tecidos é fácil de ser percebido. Trata-se de um figurino rico em detalhes, coerente com a narrativa que está sendo contada e que ajuda a criar a estética particular do universo em que a história se passa (para ler mais sobre o figurino de personagens femininas em longas de ação, acesse aqui). 

 

Excelência em Filme de Época

Brooklyn – Odile Dicks-Mireaux
Carol – Sandy Powell
A Colina Escarlate – Kate Hawley
A Garota Dinamarquesa – Paco Delgado
Trumbo - Lista Negra – Daniel Orlandi

 

Dentre esses indicados, considero que Trumbo - Lista Negra é o menos relevante da lista. Mas é uma boa recriação de época e traz à vida de forma eficiente o protagonista bem como a antagonista Hedda Hopper contando, claro, com o talento dos atores.

A Colina Escarlate é marcado pelo cuidado visual e tem uma paleta de cores controlada, condizente com o cuidado estético do diretor Guillermo del Toro. É fácil perceber as silhuetas contidas de Lucy em oposição aos trajes cada vez mais diáfanos de Edith, marcando visualmente as diferenças entre as personagens, assim como o uso do vermelho, que passa por outros elementos do filme e chega aos vestidos da primeira, contrastando com o branco e o amarelo da segunda. Esteticamente, o longa consegue evocar o período retratado enquanto cria a atmosfera fantasmagórica (para ler mais sobre o figurino de A Colina Escarlate acesse aqui).

Além de ser um drama de época, Brooklyn também pode ser entendido como uma fábula sobre o lar e o pertencimento. Os bonitos trajes apropriados ao começo da década de 1950, retratada no filme, tratam de situar espaço e tempo. Mas é o uso de cores marcantes que cria uma ambientação quase onírica para Eilis, a protagonista. Azuis e verdes a destacam das demais pessoas, como na cena em que embarca no navio para a cidade de Nova York, mas rosas, amarelos e vermelhos também ajudam a criar um mundo de fantasia em que a migração não encontra barreiras. As diferenças entre a Irlanda e os Estados Unidos são ressaltadas pelos figurinos de cada lugar. Assim como A Colina Escarlate, é difícil entender como esse longa não foi indicado ao Oscar na categoria de Figurino. É um conjunto obtido com um orçamento bastante reduzido e cujo resultado final merece atenção.

É o mesmo caso de Carol, dirigido por Todd Haynes e que também tem um orçamento enxuto e um figurino competente desenhado por Sandy Powell. Logo na cena em que as duas protagonistas se conhecem, é estabelecido o uso predominante de verde para Therese e vermelho para Carol. Essas são cores complementares, que declaram que as duas combinam em sua oposição. Essa percepção é garantida pelo contraste entre as roupas em estampas xadrez e boinas, que remetem à roupa escolar que a primeira utiliza, e às peles e à sofisticação da segunda. As diferenças de classe social e de idade são, dessa forma, estabelecidas. Com o avançar da trama, Therese amadurece e a qualidade e estilo de suas roupas se alteram. O figurino é essencial para expressar o romance entre as personagens, bem como sua trajetória. Nessa categoria, é o trabalho de minha preferência, mas se Brooklyn ou A Colina Escalate tivessem levado o prêmio, não teria oposição.

Mas o vencedor foi A Garota Dinamarquesa. No drama que se passa na década de 1920, a roupa tem papel fundamental para a percepção de Lili, a protagonista, sobre sua identidade de gênero. Alguns detalhes são importantes, como um paletó com corte que poderia ser considerado feminino utilizado quando ainda se apresentava com o nome de Einar e os robes estampados de sua esposa Gerda, que evocam o orientalismo da época e estilo de vida boêmio de artistas de ambas. Infelizmente, a roupa é utilizada de forma fetichizada no filme, mas isso não é culpa do figurinista. De toda forma, me parece menos interessante que os três concorrentes citados anteriormente.

 

Excelência em Filme Contemporâneo

Beasts of No Nation – Jenny Eagan
Joy - O Nome do Sucesso – Michael Wilkinson
Kingsman: Serviço Secreto – Arianne Phillips
Perdido em Marte – Janty Yates
Juventude – Carlo Poggioli

 

A categoria de Filmes Contemporâneos é geralmente a mais complicada de avaliar, porque é fácil interpretar o que são escolhas deliberadas para a criação de uma estética específica como sendo um simples ato de pegar roupas das araras de lojas atuais. Apesar disso, esse ano ela conta com indicações bastante diversas. Não comentarei a respeito de Juventude, uma vez que o longa ainda não chegou ao Brasil.

A escolha de colocar filmes de ficção científica entre os contemporâneos e não os de fantasia faz com que eles pareçam deslocados em meio aos demais. Foi o caso de Interestelar no ano passado e Ela no anterior. Este ano é a vez de Perdido em Marte e novamente há todo um cuidado com a criação de roupas especiais que aparentem resistir ao ambiente em que são utilizadas e que ao mesmo tempo sejam leves o suficiente para os atores se movimentarem e críveis para o olhar do espectador.

Joy é uma história de uma mulher que é amálgama de várias e por isso pode se passar em qualquer época e local. O ponto mais marcante do longa é quando a protagonista é colocada em um estúdio de televisão em que todas as apresentadoras estão com cabelos em penteados elaborados e roupas espalhafatosas. Ela apresenta-se com calças e uma camisa branca simples, porque esse é o seu estilo. Dessa forma estabelece-se que ela deve representar a mulher comum, com quem o espectador deveria criar uma conexão. Em seu momento de vitória, usa uma jaqueta de couro preta e óculos escuros, também simples, mas marcando sua força. A personagem está lá, o figurino serve ao seu propósito: nesse caso a conexão não é criada por problemas de roteiro e direção.

Dentre os indicados, Kingsman: Serviço Secreto é o mais vistoso e contou com a colaboração de algumas marcas de roupas masculinas fornecendo peças para Arianne Phillips. Todos os cavaleiros utilizam paletós bem cortados com abotoamento duplo. Esse modelo pode parecer datado e por isso eles são percebidos como um establishment ultrapassado, em oposição às roupas joviais do protagonista. Os demais candidatos a entrar para o grupo são almofadinhas provindos das universidades mais tradicionais, por isso utilizam paletós de modelagem informal, gravatas listradas que lembram uniforme escolar e também tweed, que indicaria origem nas riquezas rurais. Há um número bastante variado de trajes e situações, mas a trama do filme é bem atendida pelo figurino. Seria um vencedor interessante para a categoria.

Assim como Joy, Beasts of No Nation não tem sua época e local identificados, mas o que é deixado claro é que se passa em alguma localidade da África em guerra civil. Os uniformes dos jovens soldados, uma espécie de túnica bordada com conchas, são inspirados pelos kamajors da vida real, tradicionais caçadores da Serra Leoa. De acordo com a figurinista, os apliques nas vestimentas significam proteção. Claramente houve um grande trabalho de tingimento e envelhecimento para deixar todos os tecidos com aparência puída necessária para a percepção de que se desgastaram. São cerca de duzentos soldados e há o cuidado de apresentar cada um de forma diferente uma vez que os recursos devem vir da pilhagem e consequentemente as roupas devem parecer que foram customizadas individualmente por cada usuário. É um trabalho imenso que foi premiado de forma justa e representa uma vitória importante para a Netflix, produtora do longa.

Esse ano os indicados ao Oscar de Melhor Figurino foram os já citados Carol, Cinderela, Mad Max: Estrada da Fúria e A Garota Dinamarquesa, acrescidos de O Regresso. Em minha opinião, retiraria os últimos dois indicados para incluir Brooklyn e A Colina Escarlate. O vencedor, acompanhando o Sindicato, foi o trabalho marcante de Jenny Beavan em Mad Max: Estrada da Fúria.

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Sobre o autor:

É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.

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