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O pior erro que um crítico pode cometer é prejulgar um filme - seja pela nacionalidade, pelo gênero ou pelo histórico do elenco (a única exceção à regra é Rob Schneider). Vejam, por exemplo, Harry e Sally - Feitos um para o Outro: o título brasileiro não poderia ser mais água-com-açúcar; o subgênero "comédia romântica" é constantemente povoado por clichês irritantes; Billy Crystal nunca foi um ator particularmente talentoso; e, claro, por mais que tenha um carinho especial pela década de 80, é difícil não reconhecer que foi um período especialmente cafona para o Cinema de gênero hollywoodiano.
E, no entanto, eu defenderia Harry & Sally como um exemplar de excelente Cinema sem qualquer hesitação. Aliás, defendo, já que uso uma cena do filme em um dos meus cursos quando busco ilustrar elementos de direção de arte, fotografia e montagem. Trata-se de um filme tecnicamente impecável que conta uma história profundamente humana sem abandonar o exercício de gênero e que, além de levar o espectador a se importar com os personagens, jamais se esquece de que, como comédia, também deve provocar risos.
Mais: o roteiro de Nora Ephron investe numa estrutura ambiciosa que a montagem valoriza e expande; a fotografia de Barry Sonnenfeld (que dois anos depois trocaria a função pela cadeira de cineasta, com A Família Addams) pinta Nova York com cores belíssimas e românticas; e a direção de Rob Reiner demonstra um foco narrativo que jamais permite que o filme se perca em tangentes ou em firulas desnecessárias, numa disciplina que acaba abrindo espaço para improvisos inspirados (como a fala mais famosa do filme, "Vou querer o que ela está comendo", sugerida por Billy Crystal e dita pela mãe do diretor).
Crystal, por sinal, nunca esteve tão bem - e jamais voltou a estar - quanto neste projeto: ao contrário do que se acostumou a fazer em seus demais papéis, ele não se preocupa apenas com o timing das piadas, mas em criar realmente um personagem. Seu Harry Burns é um sujeito neurótico que atravessa um arco visível, iniciando a trama como um machista superficial e descobrindo, aos poucos, a importância de valorizar sua relação com a velha amiga (e seu olhar triste durante os momentos em que Harry se encontra de coração partido demonstra uma composição de ator inesperada para alguém que jamais fugiu muito do stand-up). Meg Ryan, por sua vez, transforma Sallly Albright numa mulher cujas idiossincrasias e neuroses jamais a definem: ela pode ser absurdamente metódica, por exemplo, mas sua personagem é muito mais do que uma coleção de comportamentos, já que ela demonstra sensibilidade e vulnerabilidade, mas também força para jamais permitir que homem algum a trate como alguém menor.
E, claro, há também as participações brilhantes de Carrie Fisher e Bruno Kirby, que fogem da convenção de filmes do tipo, que normalmente relegam os amigos do casal principal a meros apoiadores, como se vivessem em função deste. Em vez disso, os dois criam personagens interessantes por si mesmos e que levam sua própria vida mesmo que - claro - estejam ali para apoiar as duas figuras do título. Ver Harry e Sally, aliás, hoje traz uma certa melancolia justamente por lembrarmos como Fisher e Kirby morreram precocemente: ele, em 2006, aos 57 anos (em função de uma leucemia); ela, dez anos depois, aos 60 (depois de um infarto).
Romântico sem ser brega e engraçado sem ser óbvio, Harry & Sally demonstra como, com artistas inspirados, qualquer gênero é capaz de produzir suas obras-primas.
É, eu disse "obra-prima". E um dia ainda escrevo um "Jovem Clássico" sobre ela.
Clique na imagem abaixo para assistir.
Um grande abraço e bons filmes!
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