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O FILME DA MINHA VIDA Brasil em Cena

Um barquinho de papel em um oceano de transatlânticos

“A bananeira brota sem parar. Você corta, ela brota de novo, dentro do caule anterior. É uma ideia de permanência, de resistência, porque eu quero existir, quero que os filmes existam.” Óculos, roupas e cabelos pretos, Vania Catani, fundadora da Bananeira Filmes, esteve em São Paulo para a primeira coletiva de imprensa sobre O filme da minha vida, sua nova parceria com o ator, diretor e roteirista Selton Mello, com quem também lançou O Palhaço, em 2012.

 Em sua época, O Palhaço foi escolhido para representar o Brasil na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar. “Aquilo é um oceano cheio de transatlânticos e você lá, com um barquinho de papel”, define a produtora, que enxerga com serenidade a ideia de ver O filme da minha vida com essa mesma possibilidade. “Não vou dizer que ser escolhido ou não é algo indiferente, mas também não vai ser um drama se não rolar.”

 “Os filmes são para além de nós – tanto para o bem quanto para o mal. Tenho orgulho de pertencer a tudo isso”, diz Vania, quando instigada a fazer um balanço da história de sua produtora, criada em 2000 e com trabalhos como A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, selecionado para a Mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes, em 2008, além dos recentes Mate-me Por Favor (estreia internacional no Festival de Veneza 2016) e Redemoinho, de José Luiz Villamarim.

“Eu, que nasci no interior, no Norte de Minas Gerais, de uma família pobre, vendo cinema e achando aquilo tudo tão distante de mim, poder estar aqui, lançando um filme deste tamanho, é uma coisa que me dá orgulho. Tenho orgulho de pertencer a essa família do cinema brasileiro, com todas as nossas brigas, maiores ou menores afinidades”, disse Vania nesta entrevista exclusiva ao Cinema em Cena.

 

O filme da minha vida é baseado em um livro de Antonio Skármeta, autor de O carteiro e o poeta e também da peça que deu origem ao filme NO, concorrente chileno ao Oscar de 2013. Com essas credenciais, vocês estão pensando em Oscar?

Na verdade, não. A gente foi lá, aquela vez, com O Palhaço, naturalmente vamos inscrever este filme no Ministério da Cultura. Não sabemos quem vai compor a comissão, mas, se eles nos honrarem com essa possibilidade, vamos ficar muito felizes. Até porque, a experiência que tivemos com O Palhaço nos ensinou muita coisa.

Por exemplo?

Lá é muito doido, é outro mundo. Quando O Palhaço foi concorrer, o filme ainda não tinha feito carreira fora, não tinha uma trajetória. É diferente de outros filmes, que já chegam com um respaldo internacional. Cidade de Deus, por exemplo. Não tínhamos isso: tínhamos um filme que tinha agradado muito aqui, tocado muito as pessoas, tanto a crítica quanto o público, o que é raro. Nessa linha de filmes líricos, com essa atmosfera, desde Central do Brasil, não havia um caso como O Palhaço. Fomos sem saber direito como funcionavam as coisas em Hollywood e, só para entender como as coisas acontecem, você precisa de umas três semanas, e a gente não tinha grana para poder ficar lá muito tempo.

E tem que jogar esse jogo, participar dos eventos lá, não?

Sim, é claro que há filmes muito pequenos que eventualmente entram. Esse nosso trabalho é cheio de mistérios, de imponderabilidade. Muitos filmes de países pequenos, que aparentemente não têm condição de fazer esse trabalho, de repente têm um apelo, como já aconteceu com um filme da Bósnia. Para nós, com O Palhaço, foi uma experiência importante e até transformadora. Eu não me atraía por Los Angeles até esse evento. Passei um mês lá e hoje eu adoro a cidade. Aprendemos alguns caminhos, algumas questões, timing, que nos favoreceriam agora. Além disso, esse filme tem outros diferenciais: além do Skármeta, também tem o Vincent Cassel, que são duas atrações para chamar a atenção para o filme. Aquilo é um oceano cheio de transatlânticos e você lá, com um barquinho de papel. Mas nós também sabemos que há outros filmes brasileiros, de outros colegas, que certamente acham que seus trabalhos são merecedores de representar o Brasil no Oscar.

Esse é o terceiro longa dirigido pelo Selton Mello, e o primeiro baseado em um livro. Como aconteceu a aproximação entre Antonio Skármeta, o autor do livro, e a produção do filme?

Ele nos procurou porque gosta do Brasil, tem uma conexão com o País, inclusive um grande amigo no Sul. Ele comentou com esse amigo que tinha o desejo de ver esse livro (Um pai de cinema) transformado em um filme aqui. Ele estava no Brasil na época do lançamento de O Palhaço. O amigo o levou para assistir e ele procurou nossa produtora para saber se estávamos disponíveis para ler essa sugestão. Li e achei que tinha a ver com algo que procurávamos, que era um filme que parecesse com O Palhaço, com o mesmo “aroma”. Falei com o Selton, que ficou feliz em ser escolhido pelo Skármeta para realizar o filme. Isso foi em 2012. Ele leu, gostou da ideia e me pediu para começar a viabilizar.

Como partiu do próprio autor, a negociação dos direitos foi fácil?

Não foi barato adquirir os direitos, porque o Skármeta é um autor importante, muito traduzido. O carteiro e o poeta é uma obra icônica do século 20. Ele é representado por uma agência da Espanha, fiz a negociação e deu certo.

E como foi a captação de recursos?

A Bananeira já tinha experiência com outros filmes e vínhamos de um grande sucesso, que foi O Palhaço. Inclusive, O Palhaço gerou resultado para todos os envolvidos, sendo reconhecido como a produção com maior retorno sobre o investimento desde a criação do Fundo Setorial. Os recursos para O filme da minha vida vieram de uma composição do fundo e da lei de incentivo. Na comparação com O Palhaço, O filme da minha vida custou praticamente o dobro, por causa dos direitos do livro, do cachê do Vincent Cassel, por ser um filme de época. Filmamos em sete cidades diferentes, tudo em locação, porque tinha de ser assim. Os filmes pedem, a gente dá. E ele virou um filmão!

Quando ele foi filmado?

Entre abril e maio de 2015. O processo de montagem dele foi bastante elaborado, a agenda do Selton também é muito lotada, mas eu acho que ele chegou ao público no momento certo. Como disse Guimarães Rosa, “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”, e eu acho que a arte é um pouco isso também. Esse filme é uma forma de dar esse descanso na loucura para as pessoas.

Você acha que vai ser possível continuar fazendo cinema no Brasil?

Quando a Bananeira começou, já existiam leis de incentivo, depois foi criada a Ancine e nós fomos nesse contexto. Perto das gerações anteriores à minha, eu voei em um céu relativamente sem turbulência. Cultura é vital para mim, e eu vou arrumar um jeito de fazer, sempre. Não tenho outro lugar no mundo, eu não sei o que eu faria se não fizesse cinema.

Confira ainda uma entrevista com Selton Mello e Johnny Massaro:

Sobre o autor:

Alessandra Alves é jornalista com múltiplos interesses. Além do amor pelo cinema, pela música e pela literatura, também atua no jornalismo esportivo e na comunicação corporativa. Paulistana, corintiana, feminista e inimiga de fascistas, assina a coluna "Brasil em Cena", de entrevistas e reportagens sobre o cinema brasileiro contemporâneo.
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