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COMO NOSSOS PAIS - Entrevista com Laís Bodanzky Brasil em Cena

Laís Bodanzky: “somos a metade do planeta, e nos sentimos sozinhas”

“Eu quis discutir a mulher hoje, essa mulher que quer dar conta de tudo e não dá conta de tudo. E eu não podia falar disso sem falar da culpa, porque eu não estaria falando disso...”. A diretora Laís Bodanzky chega a seu quarto longa metragem, Como nossos pais, desconstruindo alguns conceitos.

Uma família de intelectuais, militantes de esquerda, defensores dos direitos humanos está livre da opressão feminina? A mulher precisa se sentir sempre castrada pela própria mãe ou essa relação pode ser o caminho para a transgressão? Homens e mulheres continuam lutando em campos opostos?

Como nossos pais é um estudo de personagem, contando a história de Rosa (Maria Ribeiro), casada com Dado (Paulo Vilhena), filha de Clarice (Clarisse Abujamra) e de Homero (Jorge Mautner), separados. Sustentando a família com um trabalho que despreza, Rosa tem anseios de ser artista, escrever peças de teatro, e frustra-se com seu cotidiano coalhado de tarefas enfadonhas e estressantes.  

“Eu acho interessante que a personagem da Rosa, na hora que encara a vida de frente e vai buscar os seus desejos, primeiro fica na dúvida se está tentando corresponder ao imaginário dos outros ou realmente correndo atrás dos seus próprios desejos”, avalia a cineasta, premiada no Festival de Gramado deste ano como melhor diretora. “E aí vem a pergunta: quais são os meus desejos? Essa pergunta é muito difícil, muita gente esquece de fazer, nem tem a ousadia de fazer, porque vem logo a culpa”, reflete Laís.

Centrar essa discussão na relação entre mãe e filha foi um ato deliberado. Logo no início do filme, uma revelação chocante da mãe coloca as duas personagens em conflito. O tempo e as situações reaproximam Rosa e Clarice, e esse reforço de vínculo também foi outra intenção do roteiro. “Eu acho que um dos caminhos para a gente amenizar essas culpas é uma mulher ajudando a outra, reafirmando ‘você não está sozinha, não é só você que sente isso, eu também, minha prima, minha tia, minha vizinha. Somos todas nós no mesmo barco’. Somos metade do planeta, mas a gente se sente sozinha.”

“A mãe, de forma muito direta, estimula a transgressão, desconstruindo o conceito de que a figura mais velha sempre vai ser conservadora. E há um reforço também na figura do pai que, de uma forma divertida e meio desconexa, aconselha Rosa a rir de si mesma, dizendo que ‘rir dos outros é fascismo’. A vida é difícil mesmo. Então a gente tem que rir das situações e passar pra frente”, acrescenta a diretora.

Mulheres paralisadas

Se é fato que Como nossos pais surge como retrato da mulher contemporânea, é legítimo questionar como tem sido a reação dos homens ao filme. No processo de divulgação, Laís tem participado de debates, tanto no exterior (Berlim, Paris e Bruxelas), como também no Brasil, recebendo em troca reações tanto de mulheres quanto de homens. “Para mim, na verdade, a grande surpresa, é o acolhimento dos homens a esse filme, algo que, sinceramente, eu não esperava”, diz a diretora. “Em Goiânia, por exemplo, os homens eram em menor número na sala, mas falaram e perguntaram muito, de uma forma muito pró ativa. Em Recife, não, nenhum pegou a palavra. No final, eu ainda perguntei: ‘mas nenhum homem quer falar nada?’ (Risos). E ficou um silêncio na sala, até que um homem, lá no fundo, depois de um tempo gritou: ‘Parabéns!’, e ai todo mundo aplaudiu.”

Diálogo. Esta é a principal proposição do filme, segundo Laís. “Tenho acompanhando, nas redes sociais, muitas mulheres marcando seus companheiros nas postagens sobre o filme. E surgindo reações do tipo: ‘Uau! Agora, entendi muita coisa, sou outra pessoa agora’, como se o filme fosse uma fotografia na qual eles se viram pela primeira vez.”

Não têm sido raras, também, as reações de mulheres literalmente paralisadas depois do filme. “Muitas mulheres têm relatado que acabam o filme em lágrimas, sem conseguir sair da sala rapidamente, como se estivessem paralisadas por aquela história, na qual tanta gente se enxerga”, relata. “Eu acho que, para a mulher, há um alivio catártico, por se sentir representada em uma narrativa. Para o homem, não é exatamente uma catarse, mas o início de uma tomada de consciência, mas de uma forma leve.”

A nova Capitu?

Um aspecto do filme – relacionado a traição – também tem recebido interpretações diferentes de mulheres e homens. “Nos debates, as mulheres praticamente não fazem essa pergunta, mas os homens questionam se a traição aconteceu ou não”, diverte-se Laís. “Para as mulheres, assim como para a Rosa, o que elas estão buscando não é a questão da traição ou não, mas o que aquela mulher está buscando, a sinceridade, as verdades nas relações”, teoriza a diretora.

“Eu acho que o que as mulheres estão cansadas é de jogar um jogo que as regras não foram colocadas, não foram apresentadas, e é isso que a Rosa fala. Ela não está buscando outro formato de família, ela está buscando um olho no olho, é sentir confiança, que os dois, no casal, estão correndo os mesmos riscos na hora em que falam a verdade.”

Visões e contradições

O universo de Rosa é o da intelectualidade, do humanismo, da inclusão, da militância. Ela vem de uma família com esse perfil e cultiva seu próprio núcleo com essa abordagem. Um universo isento de repressões e preconceitos, portanto? Outra desconstrução deliberada do filme.

“Sim, isso foi proposital, porque a questão da opressão da mulher, na sociedade, é tão invisível, está tão camuflada no nosso dia a dia, que ela existe mesmo nos lugares em que a gente menos imagina. Como, por exemplo, em uma família de intelectuais de esquerda”, confirma Laís. “Foi nesse lugar improvável e impossível que eu quis colocar a minha personagem. Porque é inusitado, diferente e torna ainda mais óbvio e explícito o quanto é difícil ser mulher”, afirma.  

Vivemos “como nossos pais”?

O título do filme é referência à música de Belchior, famosa na voz de Elis Regina. Seria o título uma afirmação desalentada de que tudo continua como sempre foi? “Eu não quis colocar a letra da música no filme por dois motivos. Primeiro, porque eu não queria legenda nas cenas em que ela toca, e são as mais emocionantes do filme. Quem conhece a música reconhece no filme e ativa essa emoção. Quem não conhece, escuta uma melodia muito bonita e se emociona igual”, explica a diretora.

“Eu não queria que a letra fosse cantada justamente porque eu acho que o filme é muito mais do que isso, muito mais do que ‘somos os mesmos e vivemos como os nossos pais’, porque é isso, mais não é só isso, é isso também, mas é muito mais, é o oposto disso e ainda uma outra coisa que estamos em busca de...”   

Sobre o autor:

Alessandra Alves é jornalista com múltiplos interesses. Além do amor pelo cinema, pela música e pela literatura, também atua no jornalismo esportivo e na comunicação corporativa. Paulistana, corintiana, feminista e inimiga de fascistas, assina a coluna "Brasil em Cena", de entrevistas e reportagens sobre o cinema brasileiro contemporâneo.
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