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Cacá Diegues: “tudo o que eu aprendi na vida, foi vendo filmes” Brasil em Cena

Cacá Diegues: “tudo o que eu aprendi na vida, foi vendo filmes”

O Cine Caixa Belas Artes, em São Paulo, exibe a Mostra Cacá Diegues até dia 20 de setembro. São 29 filmes, desde Escola de Samba, Alegria de Viver, de 1962, até Nenhum motivo explica a guerra, documentário de 2006. A Mostra homenageia os 55 anos de atividade do diretor nascido em Alagoas e criado no Rio.

“Na verdade, 55 anos é a data profissional, mas eu costumo dizer que tudo que eu sei da vida eu aprendi vendo filme. Depois que eu perguntei para a professora, li no livro, perguntei ao meu pai”, disse Cacá Diegues nesta entrevista exclusiva ao Cinema em Cena.

Prestes a finalizar seu próximo longa-metragem, O Grande Circo Místico, Cacá não está com pressa. “O filme deve estar pronto no final de outubro, mas eu só vou lançar mesmo no ano que vem. Porque eu não vou concorrer com Mulher Maravilha e Homem Aranha, essas coisas. Deixa o final de ano com eles, e eu entro fevereiro ou março”.

Cinema em Cena: Esta Mostra está celebrando seus 55 anos de cinema, mas esse é o período profissional. Como era a sua vivência com cinema antes disso?

Cacá Diegues: É uma experiência que vem da infância. Eu assistia aos filmes, fazia muita ficha técnica, discutia filmes com os meus colegas da escola. O cinema, para mim, era uma forma de conhecer o mundo porque, na verdade, não passava pela minha cabeça que eu seria cineasta um dia. Naquela época, querer ser cineasta no Brasil seria como querer ser astronauta no Paraguai. Totalmente impossível, uma coisa que não estava ao meu alcance.

Cinema em Cena: Em que momento passou a ser possível?

Cacá Diegues: O momento mais importante da minha vida, que eu me lembro com muito prazer, foi quando eu comecei a encontrar pessoas que tinham os mesmos sonhos que eu, a partir dos 17, 18 de idade. Eram rapazes e moças que mais tarde se reuniriam em torno do CPC da UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes). Fomos nos encontrando e percebendo que havia um sonho em comum, e essa ideia fortaleceu muito, pelo menos em mim, a ideia de fazer cinema. “Se tem muito mais gente que pensa como eu, que tem os mesmos sonhos que eu, então isso é possível, é viável, vamos tentar”.

Cinema em Cena: Nessa época, quem eram os diretores de referência para você, dentro e fora do Brasil?

Cacá Diegues: No Brasil, o mestre de nós todos era o Nelson Pereira dos Santos. O Nelson era bem mais velho que eu. Hoje, essa diferença de doze anos não significa nada, mas na época significava, porque eu tinha 18 e ele já tinha 30. E ele era o grande paradigma para quem queria fazer cinema no Brasil. Mas, quando você gosta de cinema, você gosta de quase tudo. O seu gosto vai variando conforme o seu momento, sentimentos e interesses. Nós, na minha geração, crescemos vendo cinema americano: John Ford, Howard Hawks, desse pessoal todo do cinema clássico americano. E depois, a grande transformação na cabeça da gente veio com o neorrealismo italiano.

Cinema em Cena: É uma associação natural, hoje, pensar no Cinema Novo e relacioná-lo à Nouvelle Vague, que por sua vez teve o Neorrealismo Italiano como referência. Mas isso era algo consciente para vocês?

Cacá Diegues: Na verdade, o cinema europeu custou a entrar no Brasil e, quando entrou, foi graças a nós mesmos. Uma geração que se interessou pelo cinema europeu, começou a curtir aqueles filmes e desenvolveu uma certa pressão para que eles passassem aqui. Mas, na verdade, quem formou a cabeça da gente foi o cinema americano e, depois, o cinema brasileiro. A Nouvelle Vague foi de uma importância muito grande pra gente, mas do ponto de vista de como fazer cinema: a ideia de fazer um filme barato, câmera na mão, sem luz artificial, atores não convencionais. Não do ponto de vista temático.

Cinema em Cena: Como uma sintonia entre artistas de países diferentes?

Cacá Diegues: Sim, pela forma simplificada, que era algo que se encaixava em um país como o nosso, de economia frágil. Certa vez, conversando com Louis Malle, que se tornou um grande amigo, refletimos como a Nouvelle Vague e o Cinema Novo só se tornaram possíveis graças a inovações tecnológicas como as câmeras Arriflex e os gravadores Nagra, que possibilitaram fazer cinema dessa forma que caracterizou os dois movimentos.

Cinema em Cena: Ainda sobre o Cinema Novo: depois de mais de 50 anos, como você analisa a visão de que os filmes do movimento não falavam ao povo, mas aos intelectuais?

Cacá Diegues: Na verdade, o que a gente queria era mudar a cabeça do público brasileiro, fazer filmes para mudar a visão do Brasil dentro do cinema brasileiro. Vai sempre existir um cinema mais de pesquisa, em busca de novas linguagens, novos modos de fazer, novas ideias, novos cenários. O que não significa que esses filmes sejam antipopulares. É o que eu digo sempre: ‘o Estado brasileiro tem a obrigação de financiar o cinema que o público quer ver, mas também tem a obrigação de financiar os cineastas que querem mudar o gosto do público’.

Cinema em Cena: Você falou de financiamento do estado, e mais recentemente, o Brasil passou a ter uma lei do audiovisual. Como era financiar um filme naquela época?

Cacá Diegues: Felizmente, era muito barato naquela época. Meu primeiro filme tinha uma equipe de oito pessoas. Isso hoje é impossível. Os filmes eram feitos em locação, sem estúdio, tudo muito barato. Fazíamos financiamento em banco e pagávamos depois, com a bilheteria que o filme arrecadava.

Cinema em Cena: Nessa realidade de baixo orçamento, como era possível contratar atores consagrados para atuar nos filmes?

Cacá Diegues: Variava muito. Zezé Motta, por exemplo, que fez Xica da Silva, era uma atriz de teatro pouco conhecida. Eu a vi no musical Jesus Cristo Super Star e a convidei, porque achei que ela era a Xica da Silva que eu estava procurando. Depois do filme, ela se tornou uma estrela. Mas, antes disso, no filme Os Herdeiros, meu terceiro longa-metragem, eu fiz com uma grande estrela da época, que era o Sergio Cardoso, ele fez quase de graça. Pelo gosto de fazer.

Cinema em Cena: Recentemente, morreu Jeanne Moreau. Como foi a experiência de trabalhar com ela?

Cacá Diegues: Um sonho, né? Morreu a melhor a atriz do mundo, eu estou de acordo com isso. Ela era a melhor atriz do mundo e era uma pessoa notável. Era muito inteligente, ela se entregava mesmo ao filme de uma maneira absurda, ela se dava ao filme. Era muito bonito de trabalhar com ela. Joana Francesa era um romance que eu estava escrevendo havia muito tempo, que é baseado em memorias da minha família de Alagoas. E aí, de repente eu escutei que ela estava em Paris quando estreou Os Herdeiros lá. Ela viu e me disse: “Cacá, se um dia você quiser fazer um filme comigo, me chama que eu vou”.

Cinema em Cena: Seu próximo filme, O Grande Circo Místico, tem alguma relação com o balé, que foi montado na década de 1980?

Cacá Diegues: Ambos foram baseados no poema do Jorge de Lima, e eu utilizei a trilha sonora do Edu Lobo e do Chico Buarque no filme, que deve chegar aos cinemas no começo de 2018. Porque eu não vou concorrer com Mulher Maravilha e Homem Aranha, essas coisas. Deixa o final de ano com eles, e eu entro fevereiro ou março.

Cinema em Cena: Você considera o Oscar de Filme em Idioma Estrangeiro um prêmio importante para o cinema brasileiro?

Cacá Diegues: É uma coisa importante, ninguém vai deixar de dizer que é importante... para a carreira do filme dentro e fora do Brasil, é um reforço, faz os artistas ficarem conhecidos, mas ninguém vai transformar o Oscar no juiz supremo do cinema brasileiro. Então, vamos continuar fazendo os nossos filmes, se um dia ganhar o Oscar, ótimo.

Cinema em cena: Como, ainda hoje, você encara a rejeição de parte do público ao cinema brasileiro, como se ele se resumisse a produções de apelo popular?

Cacá Diegues: No passado, quando eu comecei a fazer cinema, você queria saber quais filmes estavam passando, abria o jornal e estava lá: drama, comédia, ação, brasileiro, como se fosse um gênero. O cinema brasileiro hoje tem uma grande diversidade, com filmes de todos os gêneros, e esse cinema conquistou o gosto do público com filmes de muito sucesso como Central do Brasil, Cidade de Deus, Deus é Brasileiro, Tropa de Elite. Hoje, na minha opinião, o problema é a queda de autoestima do público brasileiro de cinema, que não quer mais saber do Brasil, porque o Brasil hoje é uma desgraça para todo mundo. Quem vai ao cinema? É a classe média. E a classe média não quer ouvir falar de Brasil. O povo, propriamente dito, não é assim, é diferente. Tem muito filme que vai ao cinema e alcança 100, 150 mil ingressos, que é muito pouco em termos de público. Quando esse mesmo filme vai para a televisão, faz 25, 26 pontos, que é 10 milhões, 20 milhões de espectadores, provando que quem está vendo televisão é o povo, que não tem dinheiro para ir ao cinema. Quem tem dinheiro para ir no cinema é a classe média, que não quer ouvir falar em Brasil.

Cinema em Cena: O que você acha do streaming e de fenômenos como a Netflix?

Cacá Diegues: Eu acho uma bobagem ser contra o streaming, é um avanço tecnológico, você tem que assumir e absorver. Quando o cinema era mudo e virou cinema falado, teve muito crítico, muito cronista, muito teórico que dizia que “isso não é cinema, cinema é o mudo”. É a mesma coisa: o streaming é uma etapa da história do cinema. Ou melhor: do audiovisual. E nós temos que nos adaptar a isso, temos que transformar isso em uma arma nossa e não ficar contra, falando bobagem. Eu sou um dinossauro digital, eu sou muito antigo, mas sei me adaptar ao tempo (risos).

Sobre o autor:

Alessandra Alves é jornalista com múltiplos interesses. Além do amor pelo cinema, pela música e pela literatura, também atua no jornalismo esportivo e na comunicação corporativa. Paulistana, corintiana, feminista e inimiga de fascistas, assina a coluna "Brasil em Cena", de entrevistas e reportagens sobre o cinema brasileiro contemporâneo.
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