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Torquato Neto - Todas as horas do fim Brasil em Cena

Sentado ao lado de Gal Costa, Torquato Neto está na capa do disco "Tropicália - ou Panis et Circensis", um dos mais icônicos da música brasileira, e pouco mais se sabe dele. Quatro anos depois de lançado o disco, um dos letristas mais importantes do movimento tropicalista se matou, no dia seguinte de seu aniversário de 28 anos. Entrou no banheiro de casa, ligou o gás e esperou a morte, enquanto a esposa Ana e o filho Thiago dormiam nos cômodos ao lado.

Passados 45 anos da morte de Torquato Neto, os diretores Marcus Fernando e Eduardo Ades lançam "Torquato Neto - Todas as horas do fim". Mesclando entrevistas com as poucas imagens disponíveis do poeta, os dois viram-se diante de um impasse, ao perceber que o protagonista Torquato estava se tornando assunto na boca dos entrevistados. A solução para amarrar o filme e continuar reverberando as ideias do poeta veio de um dos seus grandes temas de interesse - o cinema.

Marcus e Eduardo falaram com exclusividade ao Cinema em Cena, na semana de estreia do documentário.

Cinema em Cena: Neste ano, completam-se cinquenta anos do lançamento do disco “Tropicália – ou Panis et Circensis”, que marcou o início do movimento tropicalista. Por que vocês resolveram retratar justamente o poeta Torquato Neto, que fez parte do movimento?

Marcus Fernando: Porque ele é justamente um dos personagens mais importantes do pensamento tropicalista, e talvez um dos menos conhecidos. Nesses cinquenta anos, as pessoas veem o nome dele lá, a foto na capa do disco da Tropicália, mas quem é essa cara? Uma figura enigmática, quase. Virou um mito: a morte muito jovem, a forma da morte, tudo contribuiu para esse mito, acho que no fundo tem muita qualidade artística ali, desconhecida. Muita coisa já publicada, mas que ainda não chegou a um público maior. E a gente tem essa possibilidade de fazer um filme, o filme chega a mais gente, passa no cinema, passa na TV, a partir disso a pessoa procura alguma coisa no YouTube. O filme é uma forma de fazer com que tivesse mesmo uma luz sobre isso.

Cinema em Cena: Como foi a viabilização desse projeto?

Eduardo Ades: Acho que existia essa sensação de que o Torquato precisava ser resgatado, porque o filme foi muito feliz na captação. Logo no primeiro edital de que a gente participou, em 2013, com a Rio Filme e o Canal Brasil, o projeto foi selecionado. Posteriormente, em Teresina, no Piauí, conseguimos um financiamento com o governo do estado, na secretaria de cultura. Por ser uma figura local, o Torquato é um dos maiores ícones do Piauí.

Cinema em Cena: O filme deve surpreender muita gente ao revelar que Torquato Neto e o ministro Moreira Franco foram amigos de infância...

Marcus Fernando: A gente descobriu na primeira pesquisa lá no acervo que o Moreira Franco foi o primeiro amigo dele. No acervo do Torquato, em Teresina, tem um álbum de bebê, típico livrinho que toda mãe faz dos filhos, com aquele desenho de uma cegonha etc., com vários registros, como peso ao nascer, essas coisas todas de álbum de bebê. Na parte “primeiros amiguinhos”, só tem um nome: Welington Moreira Franco. Pode parecer que eram amigos porque pertenciam a famílias amigas e tinham a mesma idade, mas o Moreira Franco foi de fato o primeiro amigo do Torquato: estudavam juntos, iam à escola, à aula particular, sempre juntos.

Eduardo Ades: Tem um poema em que o Torquato cita: ”Welington Moreira Franco, amigo, o primeiro deles”.

Cinema em Cena: Já que se trata de um personagem tão misterioso, com tão poucos registros audiovisuais, como foi o garimpo para chegar a esse filme de quase uma hora e meia?

Marcus Fernando: Para a pesquisa sobre o personagem em si, nós optamos por seguir pessoas que conheceram o Torquato. São todos depoimentos em primeira pessoa, de personagens que realmente podiam falar como era conviver com ele, como ele pensava, agia, como se comportava, como se movia. Todo mundo fala, por exemplo, que ele era muito afetuoso, e eu acho que isso também está no filme, a maneira afetuosa até como as pessoas se referem a ele. Existe uma memória carinhosa dele. E a pesquisa de materiais partiu do arquivo Torquato Neto, em Teresina, que tem muito material, o acervo pessoal dele, que a viúva do Torquato mandou para Teresina em determinado momento, para um primo que tem uma agência de publicidade lá, com uma sala dedicada a esse material, com tudo muito organizado. Mas o que a gente não tinha era o registro sonoro, o vídeo, a entrevista dele.

Cinema em Cena: A presença da morte era uma constante no convívio com ele?

Eduardo Ades: A morte atravessou a vida inteira dele e por isso, atravessa também o filme. Para ser coerente com ele, ela precisava atravessar o filme. 

Cinema em Cena: Por que vocês optaram por dar um tratamento de Super 8 nas entrevistas realizadas para o filme?

Eduardo Ades: Porque foi filmado em Super 8 mesmo!

Marcus Fernando: Originalmente, a gente imaginava que o filme ia ter entrevistas em on, mostrando os personagens contemporâneos em imagens atuais, mas percebemos um choque entre a estética daquela época e essas imagens atuais, com tudo muito limpo. Então, começamos a pensar entremear as entrevistas com esses pedaços em Super 8. No final, o que era para ser só um charme virou toda a estética do filme, com essa textura meio suja, que é coerente com a estética do Torquato.

Cinema em Cena: E por que a opção de usar filmes do cinema nacional como ilustração daqueles momentos?

Marcus Fernando: Inicialmente, imaginamos as pessoas dando entrevista para a câmera, de forma tradicional, com alguns momentos cobertos por outras imagens. Chegamos inclusive a montar o filme dessa forma. Mas aí a gente viu que estava tendo dois problemas. Começou a incomodar, por duas questões principais. Uma é que estava em um formato convencional demais. E a outra coisa é que o Torquato que a gente queria que fosse protagonista estava virando assunto. Porque quando aparece, por exemplo um cara como o Tom Zé, que é uma pessoa mais expressiva, você fica vidrado, tem um magnetismo.  Você fica olhando para o que ele está falando, e se esquece que está falando do Torquato.

Eduardo Ades: Então, se o Torquato não fala para a câmera, não existe esse material do Torquato falando para a câmera, e ele é o protagonista, resolvemos repensar o filme inteiro.

Marcus Fernando: A ideia foi dele (Eduardo). Eu fiquei em choque, no primeiro momento. Cobrir o filme inteiro? Com o quê? E aí veio a ideia de usar os filmes, e começou a fazer sentido para mim. Desde o primeiro momento, queríamos que o filme não tivesse nada parecido com careta, porque não é o personagem, não é o Torquato. Eu pensava: se esse filme for careta, ele vai puxar o pé da gente!

Cinema em Cena: Vocês não tiveram nenhuma preocupação com didatismo. Por quê?

Marcus Fernando: Porque a ideia era dar uma referência.

Eduardo Ades: Às vezes, durante a montagem, pensando sobre algum fato da vida dele, a gente falava assim: “será que isso não deveria ser explicado?” E na sequência, concluíamos: isso a pessoa acha na Wikipédia. Não precisaria estar no filme, seria a opção pelo convencional, pelo careta.

Marcus Fernando: Fazendo um filme, você tem que optar por alguma coisa. Alguém pode fazer outro filme e dar uma abordagem mais profunda em algum aspecto, fazer um recorte mais pela poesia, talvez. Mas, como um primeiro filme que apresenta esse personagem, a gente optou por uma coisa mais enxuta, partindo do que era básico para entender o personagem.

Cinema em Cena: Por que vocês optaram pelo Jesuíta Barbosa para ser “a voz” de Torquato Neto?

Marcus Fernando: Não poderia ser uma voz típica de locutor, como um Othon Bastos ou um Paulo César Pereio. Não podíamos colocar um cara de 50, 60 anos para ser a voz do Torquato, se ele morreu com 28 anos. Tinha que ser uma pessoa que tenha mais ou menos a idade que ele tinha quando morreu. E que fosse nordestino, por causa do sotaque. O Jesuíta foi a primeira pessoa mais parecida com o que nós procurávamos. Versátil, ele abraçou realmente o personagem, de uma forma incrível.

Cinema em Cena: Por que alguém que não conhece Torquato Neto deve assistir a esse filme?

Marcus Fernando: Pela força da poesia, porque Torquato acreditava nas possibilidades de transgressões, achava brechas. Teve uma vida muito intensa, então eu acho que é uma pessoa para nós prestarmos atenção.

Sobre o autor:

Alessandra Alves é jornalista com múltiplos interesses. Além do amor pelo cinema, pela música e pela literatura, também atua no jornalismo esportivo e na comunicação corporativa. Paulistana, corintiana, feminista e inimiga de fascistas, assina a coluna "Brasil em Cena", de entrevistas e reportagens sobre o cinema brasileiro contemporâneo.
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