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A diversidade do streaming e as políticas públicas Mercado em Cena

Apresentando-se como uma alternativa jovem e mais direta ao consumidor, as plataformas de streaming se mostram bem mais abertas ao conceito da diversidade. Produções que abordam o universo LGBTQIA+, por exemplo, vem recebendo sempre recursos para serem feitas. 

Por um lado, esse progresso é ótimo para se pensar como os debates sociais se darão daqui para frente, até mesmo com mais indicações e vitórias de profissionais pertencentes a minorias. No entanto, toda essa preocupação não parte diretamente das empresas. 

Com um crescimento de mercado bastante elevado, as plataformas mostraram que são um modelo de investimento para o futuro, forçando um entendimento por parte de diversos governos de que a inclusão delas em uma legislação traria frutos para as próprias indústrias. 

Muito além de exigir investimentos em obras nacionais, as novas regulações do streaming aprovadas ao redor do mundo garantem direitos e prezam pela diversidade em tela e por trás das câmeras. 

Um dos maiores exemplos que temos hoje é a França. Mesmo não sendo novidade para ninguém que os franceses sempre preservaram sua indústria, a regulamentação aprovada – e em vigor desde julho passado – garante uma diversidade ímpar para as obras. 

O governo francês decidiu aprovar uma regulação que exige 20% de investimento direto das plataformas em novas obras nacionais e 25% de espaço para elas em todos os catálogos hoje ativos no país. 

Entretanto, dentro do valor contido nos 20%, 80% deles precisam ser obrigatoriamente para o produto independente. Essa foi uma grande exigência do setor local, que se preocupa bastante com a ameaça constante de que suas obras não consigam mais exibição. 

Foto promocional da série francesa Lupin

 

Parte desta garantia também se deve ao fato de preservar a cultura francesa nas plataformas, evitando que o país seja dominado pelo produto estrangeiro. Por fim, a exigência de se produzir com profissionais mais independentes e em início de carreira, possibilita a inserção de obras bem mais progressistas. 

Mas a França não parou por aí. Entrando em 2022 com o pé direito no mercado cinematográfico, as plataformas também precisam cumprir com o pagamento de um imposto de 5% para o CNC (Centre national du cinéma et de l'image animée), órgão federal fomentador da atividade audiovisual. 

Bem parecido com o que se cobra no Brasil com o Condecine, esse imposto tem como objetivo ampliar as verbas para outras linhas de incentivo público ao cinema, TV e até mesmo videogames, trazendo a oportunidade de inserir mais jovens e minorias sociais no programa de desenvolvimento audiovisual do país. 

Além disso, um estudo recente mostra que a direção feminina nos filmes europeus é de apenas 23%, algo que deixa ainda mais significativo a importância de se aprovar políticas de incentivo voltadas para a diversidade e para o aumento significativo da produção.

A preocupação com as novas audiências e o respeito com suas identificações não é algo restrito aos franceses. A Austrália entra em 2022 com grande apoio da opinião pública de que a regulação do streaming faria toda a diferença na educação audiovisual das crianças em fase de alfabetização. 

Sendo um país também dominado pelo produto norte-americano, a Austrália quer mais incentivos para que obras locais tenham a identidade cultural, além de permitir e viabilizar mais produtos para todas as idades, fazendo com que o audiovisual realmente cumpra com a projeção de ser uma indústria do futuro. 

Enquanto o mundo anda para frente, o Brasil, infelizmente, recusa enxergar os progressos dos últimos anos, abrindo mão de regular seu mercado e deixar com que seu produto audiovisual vigore nas plataformas com a visão de mercado estrangeiro, que pouco diz das realidades diversas do nosso país. 

Já os produtores independentes precisam lidar com a censura do governo Bolsonaro em suas obras, como foi o caso do edital da EBC tentando inviabilizar produções LGBTQIA+. A falta de espaço para trabalho e os poucos editais burocráticos que o país ainda consegue lançar também são um problema constante para quem confiou no progresso a longo prazo. Um cenário triste e bem diferente do que podemos notar nos outros exemplos. 

Com um ano decisivo nas mãos, pouca coisa realmente vai conseguir ser revista para 2022, principalmente porque, até o momento, não se tem uma resolução tão clara de como será feita a reestruturação das políticas públicas audiovisuais. 

Também é importante se pensar no papel que o setor das telecomunicações sempre tiveram no audiovisual, hoje com o 5G e parcerias com as principais plataformas de streaming ainda mais. Vale ressaltar, no entanto, que as cotas de tela altas aplicadas na União Europeia não são uma realidade para o produto brasileiro. 

Mesmo longe de uma possível aprovação de 20% ou 30%, o Brasil já provou que consegue se virar com cotas de tela e investimentos bem mais minúsculos e ainda conquista um espaço no mercado muito maior do que o idealizado com a reserva. 

Do outro lado da moeda das políticas, o setor espera ansioso pelas definições, principalmente para que toda a diversidade exposta no streaming em outras obras internacionais também seja uma realidade diária para uma indústria que foi capaz de gerar 300 mil empregos.

14 de Janeiro de 2022

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Sobre o autor:

Formada em Cinema e Audiovisual pela ESPM Rio, atua no mercado audiovisual como produtora, tendo tido passagens por empresas como Caliban Produções e MotherSuperior Films. Em 2019, montou um projeto na internet chamado Simplificando Cinema, impulsionando discussões sobre políticas públicas audiovisuais no Brasil e ao redor do mundo. Twitter: ninabrodri
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