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FILM NOIR Cinema em Streaming

O Film Noir é uma obsessão cinéfila. Há quem considere como um gênero, há os mais rigorosos que consideram-no um movimento bem definido no tempo (como o expressionismo alemão ou o neorrealismo italiano), muitos dizem se tratar de um estilo, com tom e ambientação característicos que são atualizados de acordo com a época em que os filmes são feitos (haveria um neo-noir, por exemplo). O fato é que, independente do conceito que se queira dar, todo apaixonado por cinema que se aventurar nos clássicos hollywoodianos inevitavelmente se verá diante de alguns noir que ficarão marcados em sua memória e despertará paixões.

O termo, claro, foi utilizado pela primeira vez na crítica francesa, no fim dos anos 40, referindo-se a uma série de filmes americanos realizados desde o início da década que só então chegavam ao país, com o fim da segunda guerra. Filmes que tinham em comum histórias de crime e corrupção (mas não só), com investigações cuja ação ficava em segundo plano e com protagonistas cínicos e solitários (detetives particulares, mas não só) que muitas vezes caíam numa trama complexa e de manipulação com participação ativa e ambígua de alguma bela mulher (as femme fatales, mas não só).

O Film Noir, portanto, foi um conceito dado a posteriori; ao contrário de qualquer gênero de filme, quando os realizadores sabem que estão fazendo uma comédia ou um filme de terror, ninguém nos anos 40 estava fazendo film noir. O que torna mais interessante explorar os filmes da época classificados assim, e notar que há uma vasta filmografia que pode ser identificada estilisticamente, para muito além das tramas de detetive. Daí que tendo a ser simpático aos que dizem tratar-se de um movimento artístico em um determinado período e lugar (Hollywood, embora obviamente haja cinema noir em outros países, afinal todo estilo marcante pode ser influente), pois de certa forma ajuda a entender como uma arte evolui e retrata uma época, uma sociedade.

Este período seria, então, do início da década de 40, quando os EUA entram na Segunda Guerra e a literatura “hard-boiled” dos anos 30 (de autores de histórias de crime e violência em ambientação mais realista e sombria) começa a ganhar adaptações para o cinema, e vai até meados da década de 50, quando há uma espécie de esgotamento estilístico. Paul Schrader chama A Marca da Maldade (1958), de Orson Welles, o “epitáfio do film noir”.

O cineasta já fez considerações muito interessantes sobre o movimento e parece estar de comum acordo com outros estudiosos sobre as principais características do noir que envolvem, na sua essência: uma certa desilusão com a América, em especial nos filmes do pós-guerra, a desesperança no futuro (as narrações em off e os flashbacks costumam ser carregados de fatalismo), amoralidade e o crime permeando toda a cidade. E tudo isso sob um estilo formal inconfundível: a fotografia em preto & branco em que os jogos de luzes e sombras são essenciais para a carga dramática do que está sendo narrado, quase sempre à noite. As composições com suas linhas verticais e oblíquas acentuam a opressão e o mistério, herança direta do expressionismo alemão. Hollywood foi refúgio para uma grande quantidade de cineastas e técnicos europeus, e principalmente alemães, que encontraram nos temas e no clima dos anos 40 a possibilidade de explorar suas sensibilidades. É no pós-guerra, quando os filmes noir vão deixando os estúdios e tomando as ruas, que os expressionistas são mais desafiados a soluções criativas, um dos motivos para que este período seja tão fascinante. Pra pegar uma ideia do Schrader, assista a 100 musicais ou 100 faroestes da Hollywood clássica e você não encontrará, na média, uma regularidade de excelência como ao assistir a 100 filmes noir.

Para ficar em alguns marcos, embora sempre seja possível encontrar elementos noir em filmes anteriores, é possível dizer que O Falcão Maltês (1941) seria o filme inaugural deste ciclo, Pacto de Sangue (1944) o film noir por excelência com todos os elementos definidores e ponto de virada para a chegada de obras mais trágicas e amargas (realismo das ruas, heróis menos românticos), culminando em A Morte Num Beijo (1955) quando já há alguns anos muitos filmes traziam uma carga de insanidade, em especial nas produções mais baratas, como se a dissolução do Eu fosse a consequência natural após uma década de protagonistas se afundando no álcool, no desespero e no fatalismo. O film noir, então, pode trazer filmes com investigações e situações menos “densas”, como os de sucesso protagonizados pela dupla Alan Ladd & Veronica Lake, ou Até a Vista, Querida (1944); com tramas complicadas mas milimetricamente escritas como O Destino Bate à Sua Porta (1946) ou Fuga do Passado (1947); ou simplesmente complicadas e não tente entender, como À Beira do Abismo (1946); filmes curtos que compensam os poucos recursos com motivos visuais incríveis, como Curva do Destino (1945) ou Entre Dois Fogos (1948); pode até ser um filme de prisão como Brutalidade (1947) ou de roubo como O Segredo das Joias (1950).

Muitos dos cineastas mais elogiados da história se aventuraram no film noir realizando obras-primas (Fritz Lang, Otto Preminger, Howard Hawks, Nicholas Ray, Jacques Tourneur), outros talvez sejam reconhecidos apenas porque justamente mostraram o seu melhor aí (Jules Dassin, Robert Siodmak). O período é extremamente fértil e vasto, o que obviamente faria ser resgatado das mais diversas formas, algo que muitos gostam de chamar de neo-noir, em especial no cinema da “Nova Hollywood” dos anos 70 (outro momento de crítica e desilusão com os valores americanos) com Chinatown (1974) sendo, se não o ápice, o mais celebrado, mas também encontrando releituras, homenagens e apropriações que vão do cinema afro-americano a obras de outros gêneros (a ficção científica Blade Runner, a comédia Cliente Morto Não Paga) ou de cineastas que têm no seu DNA o “trato” com as formas e os gêneros cinematográficos que os precederam (Brian De Palma, Irmãos Coen, Soderbergh) e, ocasionalmente, algum filme que é tomado como herdeiro legítimo de uma tradição – como Chinatown, talvez Los Angeles: Cidade Proibida (1997) seja o que esteja em mais alta conta com fãs.

E como ver film noir no Brasil? Esta é uma coluna de dicas de streaming e infelizmente não há tantos filmes da “época de ouro” de Hollywood como gostaríamos, embora liste aí abaixo alguns dos que encontrei. Mas a maior dica mesmo pra o tema é o tradicionalíssimo DVD. A Versátil vem lançando boxes com noir, numa coleção que logo chegará no volume 19! Pelas minhas contas, já são 130 filmes e, caso você ainda tenha seu dvd player por aí (e alguma grana), é só se jogar.

 

O Film Noir nas plataformas de streaming do Brasil:

 

O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941) - HBO Max, aluguel/compra na Apple TV

Sangue de Pantera (Cat People, 1942) - HBO Max, Belas Artes à La Carte, Reserva Imovision

Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944) - Belas Artes à La Carte

Um Retrato de Mulher (The Woman in the Window, 1944) - Telecine Play

Curva do Destino (Detour, 1945) - Belas Artes à La Carte, Looke, NetMovies, Claro/NOW

O Destino Bate à Sua Porta (The Postman Always Rings Twice, 1946) - Belas Artes à La Carte

Os Assassinos (The Killers, 1946) - Belas Artes à La Carte

Gilda (idem, 1946) - aluguel/compra na Apple TV e Microsoft

A Dama de Shanghai (Lady From Shanghai, 1947) - Pluto TV

Fuga do Passado (Out of the Past, 1947) - HBO Max, Oldflix

Confissão (Dead Reckoning, 1947) - aluguel/compra na Apple TV

Fúria Sanguinária (White Heat, 1949) - aluguel/compra na Apple TV

Lágrimas Tardias (Too Late For Tears, 1949) – MUBI (sem legendas em português)

Guilty Bystander (idem, 1950) - MUBI

No Silêncio da Noite (In a Lonely Place, 1950) - HBO Max, aluguel/compra na Apple TV e Google Play

Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) - Telecine Play, aluguel/compra na Apple TV, Google Play e Microsoft

Os Corruptos (The Big Heat, 1953) - Belas Artes à La Carte

A Morte Num Beijo (Kiss Me Deadly, 1955) - Belas Artes à La Carte

 

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Sobre o autor:

Gosta de cinema pra valer desde os 14 anos, já teve videolocadora e agora vê uns filmes nos streamings que mataram seu negócio. Twitter: @helioflores
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