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Transversais: resistência em sentido amplo Brasil em Cena

O documentário “Transversais”, dirigido e roteirizado por Émerson Maranhão, conta as histórias de cinco transexuais que vivem no Ceará e lidam com todo tipo de desafio que esta condição impõe. Mas não foram apenas as personagens do filme que foram atravessadas por dificuldades. O próprio documentário foi censurado pelo governo federal, quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou, em uma de suas lives, em agosto de 2019, que o projeto “Transversais” não participaria de um edital que garantiria recursos para sua realização.

“Ele fez do tema da transexualidade uma questão moral e, em suas próprias palavras ‘abortou’ a missão”, afirma o diretor Maranhão, que falou com o Cinema em Cena na semana que antecedeu a estreia de “Transversais” em salas de cinema de seis capitais brasileiras.

Émerson Maranhão, diretor e roteirista de "Transversais"

Cinema em Cena – Qual foi o ponto de partida para a realização de “Transversais”?

Émerson Maranhão – O curta metragem “Aqueles dois”, que filmei em 2018, contando as histórias de dois homens trans, Caio Batista e Kaio Lemos. Na pesquisa realizada para fazer esse curta, reuni muito material e percebi que poderia ir além no tema. Percebi que seria importante ampliar o olhar dentro da questão da transexualidade, incluindo histórias de mulheres trans, já que o curta contava apenas as histórias de dois homens.

Cinema em Cena – Como foi a trajetória entre o curta e o documentário “Transversais”?

Émerson Maranhão – Nessa ampliação do olhar, foi fundamental o encontro com Samilla Aires, mulher trans que se tornou personagem do documentário e me apresentou para as outras pessoas retratadas. À medida que fui conhecendo as histórias dessas pessoas, pensei em produzir uma websérie, na qual cada episódio fosse centrado em um personagem e caminhamos para viabilizar essa ideia, buscando recursos para produzir esse formato, até que o projeto foi censurado pelo governo federal.

Cinema em Cena – Em que circunstância isso aconteceu? Qual foi a justificativa?

Émerson Maranhão – Aconteceu em agosto de 2019. O projeto da série já tinha cumprido todas as etapas para se qualificar a receber recursos da Ancine quando o próprio presidente anunciou que a série estava cancelada. Comunicou que tinha ordenado uma pesquisa entre projetos aprovados e disse, textualmente: "Olha o tema: 'sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará’. O filme é isso daqui, conseguimos abortar essa missão”. A justificativa foi, portanto, as tais pautas morais que movem esse governo. Virou uma questão de honra para mim e para meus produtores viabilizar o projeto. Quando a Lei Aldir Blanc foi aprovada, avaliamos que seria mais fácil encaminhar o projeto como um longa documentário. Em novembro de 2020, “Transversais” foi aprovado em primeiro lugar em um edital e começamos a rodar em fevereiro de 2021.

Cinema em Cena – Entrando em questões mais específicas do filme, é possível detectar um estilo quase minimalista na fotografia, na trilha e na direção de arte de “Transversais”. Por que essa opção?

Emerson Maranhão – Porque nosso foco era esse universo da específico da sexualidade e a ideia era tratar dele com delicadeza e da forma menos invasiva possível. Sem drone, sem grua, sem nenhum tipo de parafernália. O foco eram as pessoas, suas histórias e seus momentos. Quisemos nos aproximar, sem espetacularizar nenhum aspecto. Nas entrevistas, muitas vezes as personagens choraram, mas até nisso fomos criteriosos, deixando quase todas essas cenas fora do produto final. Mantivemos apenas uma dessas cenas, de um pai que se emociona ao relatar episódios da vida da filha trans. Contamos com a consultoria de uma ativista trans, Julia Katharine, que nos convenceu de que o choro daquele pai era significativo, e raríssimo na filmografia relacionada ao tema, e seria uma pena excluí-lo.

Cinema em Cena – Sem fazer juízos de valor, o filme traz a influência da religião em dois momentos muito marcantes do filme. Qual a sua visão sobre isso?

Émerson Maranhão – A religião surge nas histórias do Kaio Lemos e do Caio Batista. Enquanto, para Kaio Lemos, a religião foi o local de acolhimento, para Caio Batista, e mais especificamente para sua mãe, foi uma ruptura. Apartado da família, Kaio Lemos tem no candomblé o seu porto seguro, a ponto de se referir ao pai de santo do terreiro como seu pai. Já a mãe de Caio Batista, devota e frequentadora de grupos católicos, se vê forçada ao afastamento da igreja pela maneira preconceituosa com que foi tratada, em função do filho. Esse momento é particularmente tocante, já que Caio foi adotado quando bebê e, diante do acolhimento dos pais em relação à sua transexualidade, ele considera que foi aceito duas vezes.

Cinema em Cena – Como diretor e roteirista, qual o seu desejo em relação à jornada de “Transversais” na sociedade?

Émerson Maranhão – Antes de estrear nos cinemas, “Transversais” já fez uma bonita carreira em festivais, passando pela 45ª Mostra de Cinema de São Paulo, pelo Mix Brasil e pelo Cine Ceará, mostrando que nosso esforço em realizar esse projeto valeu a pena. Estamos contando histórias de transexuais, mas acima de tudo, esse documentário fala de amor, e eu acho que nós precisamos exaltar o amor nesse período de tanto ódio. Meu desejo é que “Transversais” possa tocar os corações e as mentes das pessoas, que elas vejam essas histórias de amor sem preconceito, sobretudo entendendo que identidade de gênero não é uma questão moral.

Ficha técnica

Direção ÉMERSON MARANHÃO
Roteiro ÉMERSON MARANHÃO
Consultora de Roteiro JULIA KATHARINE
Produção ALLAN DEBERTON
Assistente de Direção BRENO BAPTISTA
Fotografia LINGA ACÁCIO
Fotografia JUNO BRAGA
Produção Executiva CÉSAR TEIXEIRA
Assistente de Câmera EVYE ALVES
Direção de Produção BEIJAMIM ARAGÃO
Assistente de Câmera EVYE ALVES
Som Direto GUMA FARIAS
Trilha Sonora Original CLAU ANIZ
Edição de Som e Mixagem ÉRICO PAIVA (SAPÃO)
Montagem NATARA NEY
Logger LUIS RAMON
Fotografia adicional IRENE BANDEIRA
Fotografia adicional JÚLIO CAESAR
Colorista JULIA BISILLIAT
Créditos e Identidade Visual MILIGRAMA
Produção DEBERTON FILMES
Co-produção A SUGESTIVA FILMES

Sobre o autor:

Alessandra Alves é jornalista com múltiplos interesses. Além do amor pelo cinema, pela música e pela literatura, também atua no jornalismo esportivo e na comunicação corporativa. Paulistana, corintiana, feminista e inimiga de fascistas, assina a coluna "Brasil em Cena", de entrevistas e reportagens sobre o cinema brasileiro contemporâneo.
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