Um "gênero" de filme que é dos meus favoritos é o de "pessoas que se encontram ou se conhecem ao acaso e a trama é o que resulta desses encontros”: em um dos contos de Roda do Destino (2021), duas mulheres se cruzam na entrada de uma estação de metrô e quando uma acha que conhece a outra de muito tempo atrás, a confusão acaba por criar um laço de amizade e reflexão sobre os rumos que a vida de ambas tomaram; em A Virgem de Agosto (2019), uma mulher explora a cidade de Madrid com um olhar curioso pelas pessoas, deixando se levar pelo momento; grande parte da carreira do coreano Hong Sang-Soo é de variações sobre as mesmas situações, em que interesses amorosos, encontros acidentais, inseguranças e muita bebedeira fazem parte do cardápio.
Outro autor recente muito interessado nesse tipo de cinema é o francês Guillaume Brac. É comum em textos críticos associá-lo como “herdeiro” de Éric Rohmer, cineasta que como ninguém filmou os pequenos e cotidianos eventos da vida. É, de fato, inevitável ver muito de Rohmer em Brac, mas também de Jacques Rozier, bem menos conhecido que seu colega de Nouvelle Vague, pois seu incrível Du côté d'Orouët (1973) é uma óbvia referência para um cinema que se dedica a acompanhar personagens que vivem alguns dias (e às vezes, apenas um) de férias ou alguma aventura, deixando seu “habitat natural” mas não suas neuroses e angústias, que serão aplicadas ou testadas neste tempo em suspensão que é o de estar num ambiente de descanso ou paradisíaco, conhecendo novas pessoas e que basicamente qualquer coisa pode acontecer.
A dica de hoje é um desses filmes de Brac, Contes de Juillet (“Contos de Julho”, mas sem tradução oficial no Brasil), que tem apenas 68 minutos e são dois contos sem ligação entre si e que de certa forma são opostos em suas conclusões. Em comum, têm a duração de um dia na vida de jovens mulheres e alguns desses encontros ao acaso que tanto gosto. Não há eventos dramáticos ou extraordinários (exceto ao final do segundo, com uma referência a um acontecimento verídico que traz um surpreendente comentário político), mas uma incrível capacidade de, em apenas meia hora ou um pouco mais, dar vida a essas pessoas, de modo que por mais mundanas que sejam as situações, o espectador se relaciona com aquilo por se interessar em como as pessoas se comportam e que tipo de identificação é negociada com elas. As atuações e os diálogos reforçam o lado cômico da vida, e há uma leveza no todo que é bastante agradável e a sensação de que tudo pode acontecer (inclusive nada) é recompensada por momentos inesperados de beleza, humor ou conflitos. Um filme que, se visto com amigos, pode despertar acaloradas discussões sobre motivações, comportamentos, reações e modos de ser dessas pessoas a que assistimos por tão pouco tempo, mas que nos deixam a impressão de uma rica vida pela frente.
July Tales (Contes de Juillet, 2017) está disponível na MUBI Brasil. Outros filmes do cineasta também podem ser vistos na plataforma (o meu favorito é All Hands on Deck).
Roda do Destino está disponível para locação no Belas Artes à La Carte; A Virgem de Agosto está disponível na FILMICCA; Os filmes do Hong Sang-Soo que estão em streamings brasileiros eu listei aqui, na ocasião do lançamento de A Mulher Que Fugiu nos cinemas, e que hoje já está disponível no Belas Artes à La Carte; por fim, a MUBI Brasil também tem uma quantidade boa de filmes maravilhosos do Rohmer.
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