Fico na dúvida de como recomendar Os Meninos, do espanhol Narciso Ibañez Serrador, este belo filme de horror conhecido apenas nos guetos especializados do gênero, porque eu tenho preferência em saber o mínimo possível sobre do que se tratam certos filmes, mas isto funciona em via dupla: às vezes saber do que se trata é justamente o que estimula alguns a assistir.

Neste caso, trata-se de uma narrativa que toma seu tempo para, com muita paciência, revelar qual o mistério que envolve a ilha espanhola que o casal de protagonistas, os turistas ingleses Tom e sua esposa grávida Evelyn, vai visitar e encontra silenciosa e, à exceção de umas crianças que recepcionam seu barco, aparentemente deserta, nenhum adulto à vista, bar e pousada local parecem abandonados muito recentemente. Até a revelação, que está em qualquer sinopse do filme então os curiosos fiquem à vontade para pesquisar, há um clima de morbidez e desconforto se instaurando, em especial por sabermos (ao contrário dos protagonistas) que dois corpos acabaram de ser encontrados na praia da pequena cidade turística que chegam e de onde partem para a ilha.

A atmosfera de terror é muito estimulante, em especial, porque boa parte do filme é em espaços abertos e sob a luz do sol. Quando os (poucos) momentos de horror explícito surgem, o impacto é maior pois são filmados com a mesma calma e "naturalidade" de todo o restante. A trilha sonora contribui muito para isso, pois integrada a esse clima, sem o uso para pregar peças ou ressaltar uma ou outra cena, inclusive muito bem alternada com momentos de silêncio. É um filme que acredita no poder das imagens que cria e sabe explorar a percepção e a relação praticamente universal que o espectador tem com crianças e o que representam, embora aconteça de explicitar isso vez ou outra sem muita sutileza.

Aqui cabe informar ao menos os primeiros dez minutos do filme para que ninguém veja desprevenido: um mini documentário com imagens fortes e chocantes que cobrem algumas das grandes tragédias do século passado e toda a morte e sofrimento causados em crianças de todas as idades. É discutível o uso de horror real para dar início a uma ficção? A resposta fica a critério de quem assiste, pois por um lado não parece a exploração de miséria e genocídio, com narrativa em off bastante direta e frontal, sem sentimentalismo e sem forçar uma insinuação com o que veremos a partir dali. Por outro, a assustadora trilha do filme acompanha essas cenas documentais, de modo que a associação com a ficção é inevitável. Seja como for, é interessante que à pergunta do título original, Quem pode matar uma criança?, temos um início que responde quem mata milhares de crianças. E é o contraste entre singular e plural uma força propulsora da obra.

Os Meninos (que na plataforma aparece com tradução literal de ¿Quién puede matar a un niño?, 1976) está disponível na Darkflix.

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