No dia em que a Suprema Corte dos EUA decidiu acabar com os direitos das mulheres pelo aborto, e dias após a revelação no Brasil da violência que uma juíza causou a uma menina de 10 anos vítima de estupro, volta ao streaming brasileiro um forte filme sobre o tema e dos mais elogiados de 2020: Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, de Eliza Hittman, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim.
No filme, uma adolescente se descobre grávida e sai de sua cidade no interior da Pensilvânia (onde precisa da autorização dos pais), junto com sua melhor amiga, para realizar um aborto em Nova York. O fato de não termos informações mais concretas, apenas insinuações das possibilidades de como engravidou, reforça o que interessa a Hittman, que é retratar a jornada de uma jovem mulher decidida a exercer um direito sobre seu corpo.
Em tons realistas e de crítica social, o percurso da protagonista parece sempre a um passo do excessivo, o que não é incomum no cinema independente americano saído do Festival de Sundance, que gosta de tratar temas importantes sem muita sutileza. A cineasta e sua fotógrafa Hélène Louvart, no entanto, conseguem nos colocar juntos a personagem, há delicadeza e sensibilidade na forma como intensifica as duras pancadas do roteiro - as decisões que toma em desespero, as informações equivocadas, a questão financeira, o grande momento em que se revela a origem do título do filme, enfim, as várias dificuldades em ser mulher (e adolescente).
O outro grande mérito está nas suas atrizes, em especial a estreante Sidney Flanigan, cuja atuação e presença são essenciais para a qualidade do filme. A relação com a amiga, interpretada por Talia Ryder, também se faz importante, porque no fim das contas é a amizade e cumplicidade entre elas que dá forças à protagonista, e Hittman potencializa isso em momentos muito bonitos entre elas.
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Never, Rarely, Sometimes, Always, 2020) está disponível no Star Plus. Este é o terceiro filme de Eliza Hittman e sua estreia, It Felt Like Love (2013), retrato delicado do despertar sexual de uma adolescente, está disponível na MUBI Brasil. Seu segundo filme, Ratos de Praia (Beach Rats, 2018), já esteve na Netflix Brasil, mas no momento não se encontra nos streamings brasileiros.
Para um filme de temática parecida, mas num registro mais leve e até cômico, Unpregnant (2020), de Rachel Lee Goldenberg está disponível na HBO Max.
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