Um dos filmes mais curiosos e interessantes a sair no final de 2020 e que não recebeu a atenção devida por conta da pandemia é este Espontânea, de Brian Duffield. Comédia, mas também horror, romance adolescente e drama, essa surpreendentemente sóbria mistura desce bastante bem se você aceitar logo de cara sua premissa fantástica: jovens estudantes de 17 anos, no último ano de escola numa cidadezinha, começam a explodir. Literalmente, como um balão cheio de sangue - e algumas vísceras.
É neste contexto que acompanhamos a protagonista Mara, sua melhor amiga Tess e Dylan, o jovem nerd e cinéfilo recém chegado na escola que, ao perceber que a explosão espontânea de uma colega pode ocorrer a qualquer momento e com qualquer um, decide não perder tempo e manifestar seu interesse por Mara. O filme se sustenta em parte pelo desenvolvimento desse romance, graças ao carisma e química entre Katherine Langford e Charlie Plummer e uma escrita afiada do próprio Duffield (adaptando livro de mesmo nome do escritor Aaron Starmer), sempre divertida, ocasionalmente espertinha demais. É mais fácil acreditar nas explosões espontâneas do que em dois adolescentes de 2019 se conhecendo e com afinidade via piadinhas envolvendo David Cronenberg, Richard Nixon ou Dr. Fantástico de Stanley Kubrick. O diretor/roteirista tem óbvias qualidades ao lidar com o universo adolescente, mas parece usar de suas próprias referências quando viveu esta fase, como dá pra perceber também em outros dois filmes em que foi roteirista, A Babá e Amor e Monstros.
A outra grande qualidade do filme é justamente o aspecto fantástico, algo que é levado a sério, ao mesmo tempo que há espaço para o cômico e o suspense. Como todo bom exemplar do cinema teen, o drama em crescer e amadurecer é palpável e a implicação aqui é a presença constante da morte. Há um evidente aceno aos tiroteios nas escolas americanas, mas a arbitrariedade não busca causas e suas consequências são quase de um niilismo (reativo?) brando.
No fim das contas, fica a sensação de ter acompanhado personagens interessantes numa narrativa que flui bem entre elementos, a princípio, tão diferentes. É possível rir, chorar, ficar tenso e torcer pelo melhor. Pelo menos por aqueles que sobreviverem.
Espontânea (Spontaneous, 2020) está disponível na Netflix. Também na plataforma é possível ver os outros dois filmes roteirizados por Duffield com jovens tendo que amadurecer num ambiente de horror, os igualmente simpáticos A Babá (The Babysitter, 2017) e Amor e Monstros (Love and Monsters, 2020).
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