Uma acusação que Quentin Tarantino sempre recebe é que ele faz apologia à violência. Mas só diz isso quem não compreende que a essência do cinema de Tarantino é uma estilização que está anos luz de qualquer realismo. A violência em seus filmes é representada de forma absurda, fantasiosa e, sim, divertida. Neste Clube dos Cinco, nós reunímos algumas cenas emblemáticas que mostram que não é nenhum pecado rir e gostar do sadismo e da imoralidade dos personagens criados pelo cineasta e presentes em suas várias fontes de inspiração. E não é diferente em Django Livre, que acaba de chegar aos cinemas.
Cães de Aluguel (1992) - por Renato Silveira
O primeiro longa-metragem de Tarantino já traz todas as características que tornam sua filmografia tão popular. E a cena em que Mr. Blonde (Michael Madsen) tortura o policial Marvin Nash (Kirk Baltz) é a síntese perfeita do estilo do cineasta.
A sequência inteira acontece com pouquíssimos cortes. O plano aberto traz Nash de costas, amarrado em uma cadeira, enquanto Mr. Blonde o ameaça. Primeiro, ele usa uma pistola para aterrorizar o policial. Muito fácil. O gângster, então, decide colocar um pouco de música e tornar as coisas mais divertidas – para ele e para a plateia.
Ao som de “Stuck in the Middle With You”, Mr. Blonde ensaia alguns passos antes de ir para cima de Nash com uma navalha. O policial não sabe o que seu algoz fará com a lâmina, nem nós. Ouvimos os gritos de Nash, contidos pela fita que o amordaça, enquanto a câmera desvia para a rampa do galpão e deixa toda a ação acontecendo no extra-campo. Só quando Mr. Blonde termina o trabalho é que ele volta ao quadro e nós vemos do que ele e Tarantino são capazes misturando criatividade e humor negro.
Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994) – por Tullio Dias
A conclusão da história do personagem de Bruce Willis em Pulp Fiction é, no mínimo, surreal. Depois de simplesmente atropelar Marsellus (Ving Rhames) e causar um acidente, os dois vão parar dentro da loja de objetos usados mais estranha do mundo. O dono do lugar aponta uma arma para a cabeça de Butch e manda os dois pararem de brigar. OK, até aí tudo bem, mas, no momento seguinte, Butch e Marsellus já estão amarrados e amordaçados. O estranho Zed começa um papo estranho e... Tarantino revela que aquela loja é a base sexual de dois depravados com fetiches sadomasoquistas.
Para piorar ainda mais a vida de Marsellus, que já havia sido atropelado e levado uma surra de Butch, ele é o escolhido para satisfazer as necessidades sexuais de Zed. Digamos que o sujeito experimentou sensações que (aparentemente) eram inéditas em sua vida de machão. A sequência é uma das maiores subversões do longa-metragem de Tarantino, que simplesmente diz: "Ei, até os grandões vão se danar um dia."
Kill Bill – Volume 1 (2003) – por Larissa Padron
Não é fácil ver uma cena sensível em um filme de Tarantino. Mas em Kill Bill – Volume 1, o diretor gasta quase 10 minutos para explicar a origem de O-Ren, personagem de Lucy Liu. O trecho é triste e realizado todo em animação, no estilo anime, o que combina perfeitamente com a estética do filme e da personagem e, é claro, com todo o sangue da cena e do longa.
A história é tão triste que quase nos faz sentir dó de O-Ren, se nós não a víssemos ajudando a matar nove pessoas em uma capela, mandando 88 “loucos” para matar a 10ª vítima e decapitando um homem no mesmo filme.
À Prova de Morte (2007) – por Heitor Valadão
“Esse carro é 100% à prova de morte. Mas para ter esse benefício, benzinho, você tem que estar sentada no meu lugar.”
Com essa frase, Tarantino, através da voz rouca e lábios finos de Kurt Russell, já deixa bem claro que algo de muito ruim vai acontecer. Stuntman Mike, quase uma paródia do Snake Plissken imortalizado por Russell em Fuga de Nova York (1981) e Fuga de Los Angeles (1996), de John Carpenter, joga seu carro a toda velocidade contra outro carro, ocupado por quatro belas senhoritas. O resultado é uma carnificina que só o cinema grindhouse e efeitos práticos feitos pela KNB poderia mostrar. E Tarantino, como sempre indo contra as últimas tendências visuais, mostra o que acontece com cada uma das moças, em câmera lenta, repetindo a cena diversas vezes.
Bastardos Inglórios (2009) – por Tullio Dias
Os Bastardos Inglórios causam terror nos nazistas, mas um em especial causa arrepios nas espinhas dos soldados de Hitler: aquele conhecido como “Urso Judeu” (Eli Roth). Sua especialidade é arrebentar o crânio dos inimigos com um taco de baseball, o que costuma fazer fingindo narrar uma partida do esporte mais complicado já inventado. O personagem de Brad Pitt chega a dizer que assistir a Donny em ação é o mais próximo que eles têm de ir ao cinema, ou seja: todo mundo quer ver essa violência. E Tarantino sabe disso.
Se os nazistas são retratados como humanos violentos cumprindo ordens, os Bastardos não se preocupam em serem ainda mais selvagens e sádicos. Só que não tão sádicos quanto o próprio espectador, que anseia pelo momento em que o “Urso Judeu” sairá de dentro do túnel para arrancar informações do inimigo na base da agressividade, ou pauladas, no caso.
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