O lançamento de filmes direto em DVD/Blu-ray no Brasil tornou-se comum, infelizmente. Por mais que algumas produções aguardadas pelos cinéfilos cheguem a figurar no calendário de estreias futuras nos cinemas, diversos distribuidores (grandes e pequenos) acabam por cancelar o plano inicial e colocam esses títulos em cartaz apenas nas locadoras. Os motivos podem ser vários: má bilheteria nos EUA, pouco apelo com o público brasileiro, falta de espaço nas salas... Mas nosso objetivo aqui não é investigar essa questão, e, sim, indicar, periodicamente, filmes que não tiveram chance nos cinemas brasileiros, mas que mereciam ter sido exibidos na telona. A seguir, você confere cinco bons títulos que desembarcaram nas locadoras nacionais nos últimos meses e que você talvez não tenha se dado conta.
ATAQUE AO PRÉDIO (Attack the Block, 2011, Sony Pictures), por Heitor Valadão
Para um cara como eu, que vive uma relação promíscua com a música e o cinema, fica realmente complicado não se sentir emocionado quando um longa-metragem com uma história interessante como a de 50%, inspirada em acontecimentos da vida do roteirista Will Reiser, utiliza duas de suas canções preferidas de todos os tempos de duas de suas bandas favoritas de todo o sempre. Pelo menos, desta vez, é fácil admitir que o filme continuaria bom mesmo sem essas músicas.
Em 2011, Jodie Foster usou "Exit Music" em uma das cenas mais emocionantes de Um Novo Despertar. A mesma canção já havia sido utilizada na trilha sonora de Romeu + Julieta, de Baz Luhrmann. As músicas do Radiohead costumam ser tristes e raramente deixam de emocionar, especialmente quando aliadas a alguma sequência decisiva em algum longa-metragem, como é o caso da cena em que Adam (Joseph Gordon-Levitt) descobre que está com câncer e "High and Dry" embala a tristeza do personagem. Melhor guardar segredo quanto a qual é a outra música e o momento em que ela toca.
O humor negro é o que conduz 50%. Reiser escreveu um roteiro sem a menor preocupação de soar politicamente correto e envolveu piadas de todos os tipos, nenhuma que fosse de péssimo gosto, mas nada que não causasse um choque inicial. Em determinada cena, você ouve um personagem dizendo: "Aquela vaca mora na sua casa. Felação é o mínimo que ela pode fazer por você", e isso é a coisa mais inofensiva do arsenal de Reiser. O roteirista tenta afirmar que, por mais estranhos que sejam o seu amor e as suas amizades, nada tem maior poder para recuperar uma pessoa. O diretor Jonathan Levine (que em breve lançará a adaptação de Sangue Quente) compreendeu bem a mensagem e o resultado é uma das melhores atuações da carreira de Gordon-Levitt, Anna Kendrick e Seth Rogen.
O filme conta a história de Adam, um jovem cuidadoso e que zela pela sua qualidade de vida. Ele não bebe, não fuma, pratica esportes e não tirou carteira de motorista por saber que o trânsito é a quinta maior causa de mortes, logo atrás, ironicamente, do câncer. Ao descobrir que está doente e que tem 50% de chance de morrer, Adam passa a refletir sobre a sua vida e as coisas que valem realmente a pena. Sem grandes rodeios para ir direto ao ponto, 50% é uma comédia dramática feita sob medida para os fãs do gênero. Boas atuações, risadas garantidas e músicas lindas na trilha sonora.
TODA FORMA DE AMOR (Begginers, 2010, Universal Pictures), por Renato Silveira
Em seu segundo longa-metragem de ficção, o diretor californiano Mike Mills retoma alguns dos temas de seu filme de estreia, o cult Impulsividade, de 2005. E Mills novamente usa a velha conhecida estética do cinema indie americano, brincando com recortes de imagens em cenas estáticas para fazer comentários e trocadilhos a partir da narração em off do protagonista.
Falando assim, pode parecer que Toda Forma de Amor não apresenta nada que já não foi feito na última década. E realmente, em termos de forma, o filme não é tão chamativo quanto seus pares. Mas, por um lado, essa suposta ausência de inovação acaba sendo revertida em favor do filme, já que possibilita a Mills desenvolver a narrativa sem se preocupar em ser cool. As “gracinhas” que o diretor faz não são de tudo gratuitas e funcionam em sua proposta narrativa.
Quase todo estruturado em memórias e flashbacks do protagonista (Ewan McGregor), que relembra sua infância ao lado da mãe (Mary Page Keller) e seus últimos anos convivendo com o pai (Christopher Plummer), o longa trata de explorar o passo seguinte a ser dado por um homem que foi o adolescente que conhecemos de muitos filmes indies sobre famílias disfuncionais.
Formando par romântico com a talentosa Mélanie Laurent (ainda pouco aproveitada no cinema americano desde que protagonizou Bastardos Inglórios para Quentin Tarantino, em 2009), McGregor está seguro no papel do publicitário Oliver, que ainda se recupera da revelação dupla de que seu pai tem um câncer e é homossexual (algo que ele decide assumir aos 74 anos de idade). Mas é Plummer quem realmente brilha no elenco, mesmo surgindo apenas das memórias do protagonista.
A indicação de Plummer ao Oscar e suas vitórias no Globo de Ouro e no BAFTA, no entanto, surgiram tardias, já que o longa foi injustamente lançado apenas em homevideo no Brasil, onde caberia perfeitamente no circuito dito “alternativo”, se a justificativa do distribuidor for a falta de espaço nos multiplexes. Mas mesmo nos Estados Unidos, o filme teve uma carreira discreta nos cinemas, recebendo muito mais atenção agora, na temporada de premiações, do que na época em que foi lançado. É um desses casos em que o caráter publicitário de prêmios como Oscar é de fato benéfico por trazer à luz bons filmes que poderiam ter passado batido.
GUERREIRO (Warrior, 2011, Imagem Filmes), por Larissa Padron
À primeira vista, Guerreiro parece ser um filme direcionado para o universo masculino: com apenas uma mulher de pouca participação no elenco, o longa atravessa a vida de uma família de lutadores de MMA, com direito a cenas de luta de deixar Rocky Balboa com inveja. Mas não é um filme só para homens.
Esse é o principal motivo que torna incompreensível o fato do filme ter sido lançado diretamente em DVD no Brasil: Guerreiro possui um grande apelo comercial por ser para todos os públicos. Isso porque seu foco não é a luta física, e, sim, o drama interno de dois irmãos que só encontram sua salvação, ironicamente, em um ringue. Some a isso o fato da indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Nick Nolte pelo papel de Paddy Conlon já estar sendo prevista há um bom tempo (uma previsão que se consolidou, por sinal) mais o sucesso que o MMA tem feito com o público brasileiro e a situação fica mais incompreensível ainda.
Um belo filme, que poderia soar piegas por conter quase todos os clichês que um drama familiar pode ter: a família disfuncional, a disputa (literal) entre irmãos (Tom Hardy e Joel Edgerton) que não se falam, o pai ausente e alcoólatra, problemas financeiros, heroísmos de guerra... Mas não soa. A ótima construção de personagens, que jamais parecem unilaterais e, sim, complexos e de uma sensibilidade realista, traz a verossimilhança necessária para justificar os clichês.
E por falar em personagens, como não considerar no mínimo injusto o fato de Tom Hardy nem ao menos ter sido cogitado ao Oscar? Mesmo com falas monossilábicas, o ator tem a extrema competência de nos fazer sentir todo o peso de um passado nunca mostrado, em um homem duro e inexpressivo.
Na direção de Gavin O'Connor (Desafio no Gelo, Força Policial), a iluminação acompanha as relações, variando de uma sala extremamente escura, no tenso diálogo inicial entre um filho magoado e um pai que não o vê há uma década, para um quarto com uma intensa iluminação quando este pai finalmente encontra o momento de redenção no arredio filho. Para completar, a gostosa trilha sonora funciona como um necessário alívio entre tanta tensão.
O CAÇADOR DE TROLL (The Troll Hunter/Trolljegeren, 2010, Paris Filmes), por Tullio Dias
Um dos filmes mais divertidos de 2011, O Caçador de Troll chegou a ser exibido nos cinemas brasileiros durante o Festival do Rio, mas acabou sendo lançado direto em DVD no final do ano. Uma pena, já que, provavelmente, será um daqueles filmes que a pessoa olha na locadora e esnoba: "Isso aqui deve ser uma porcaria!" Ledo engano. Ainda que seja realmente tosco, o filme norueguês foi um dos grandes destaques do gênero terror em 2011.
O leitor mais atento e que conhece O Caçador de Troll pode se perguntar: "Terror? Mas o filme não é de terror, oras!" Mas por ser baseado no conceito de found footage e ainda por cima apresentar as criaturas conhecidas como trolls, não é completamente errado dizer que ele tem uma pegada de filme de terror, sim. O mais curioso é descobrir que O Caçador de Troll foi produzido como uma paródia das produções sci-fi e de horror.
Ao abandonar o uso de trilha sonora, o diretor/roteirista André Øvredal criou uma atmosfera tão realista, que o espectador é inserido na trama de uma forma intensa, chegando quase a acreditar na veracidade dos acontecimentos narrados. A convincente (e divertida) performance dos atores, especialmente do tal caçador de trolls, é outro detalhe marcante do longa. A condução quase irresponsável e descompromissada gerou um exemplo raro de entretenimento. Você sente diversas coisas ao longo do filme: vontade de rir, sustos, tensão... É quase como se você virasse testemunha daquela louca caçada atrás dos ameaçadores trolls que incomodam a Noruega.
O Caçador de Troll conta a história de um grupo de estudantes que passa a duvidar das autoridades norueguesas, que afirmam estar tudo bem e que existe um maluco exterminando todos os ursos do país. Desconfiados de que poderia haver algo além disso na história, os jovens conhecem o exótico Hans. Logo, descobrem que ele não é o caçador de ursos, mas que seu ofício é evitar que trolls fujam de seu território. Hans protagoniza uma das melhores cenas do filme, quando surge correndo e gritando: "Troll!!!" Se havia alguém distante do filme, é exatamente nesse ponto que Øvedral consegue fisgar o público.
Os efeitos especiais não são lá grandes coisas, ainda que seja bem interessante a maneira como as criaturas são apresentadas. Por melhores que sejam os personagens, por mais divertidos que seja a construção dos diálogos, o verdadeiro atrativo do filme é descobrir um pouco mais sobre os trolls enquanto você se diverte com as situações mais bizarras enfrentadas pelos estudantes em busca de encontrar a verdade.
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