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TESS Cinemateca

On one point she was resolved: there should be no more d'Urberville air-castles in the dreams and deeds of her new life. She would be the dairymaid Tess, and nothing more.

 

Roman Polanski, cineasta polonês, nascido na França, estreou no cinema como ator, função que nunca abandonou por completo. Ele dirigiu seu primeiro longa-metragem aos 29 anos, em 1962. Seu primeiro filme, A Faca na Água, já revelava o quão promissor ele era e lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, por Melhor Filme em Língua Estrangeira. Em 1979, quando lançou Tess, ele já usufruía de um grande prestígio e tinha alguns clássicos no currículo, filmes que se tornaram, quase instantaneamente, cults, tais como Repulsa ao Sexo (1965), A Dança dos Vampiros (1967), O Bebê de Rosemary (1968) e Chinatown (1974).

Em 1969, a esposa de Polanski, a belíssima atriz Sharon Tate, foi assassinada por seguidores do líder fanático Charles Manson. Ela estava grávida de oito meses. Pouco tempo antes de morrer, Tate havia dado para o marido uma cópia de Tess of the d'Urbervilles, romance de Thomas Hardy. A atriz acreditava que a obra poderia render um grande filme e ela interpretaria o papel principal. Dez anos depois, o diretor finalmente realizou o projeto.

O filme se inicia com a simples e singela dedicatória “Para Sharon”. Como substituta de Tate, Polanski escalou a atriz Nastassja Kinski, com quem matinha uma relação amorosa desde 1976. Ela tinha apenas 16 anos quando eles se conheceram. Em 1978, o cineasta foi acusado de violentar uma menina de 13 anos. Em Tess, a protagonista, também adolescente, é violentada por um homem mais velho. (Material para uma análise psicanalítica é o que não falta na vida e obra de Polanski.)

O romance de Thomas Hardy, publicado em 1891, teve uma recepção mista na época de sua aparição, sendo visto, por muitos, como ultrajante, uma vez que desafiava os valores morais de seu tempo. A obra é hoje considerada um dos grandes textos da literatura inglesa e um dos melhores trabalhos de seu autor. Parte do êxito do romance é sua fascinante protagonista, Tess. Nastassja Kinski, atriz alemã, filha do grande ator Klaus Kinski, tinha 18 anos quando encarnou a personagem nas telonas. Ela foi considerada uma das grandes revelações do cinema em 1979, chamando obviamente bastante atenção pela sua beleza.

 

Tess é a história de uma adolescente, de aproximadamente 16 anos, que vê sua vida tomar um rumo completamente inesperado a partir de uma revelação feita pelo pároco do lugarejo onde mora. Tal indivíduo, que havia estudado a árvore genealógica das famílias locais, revela ao pai beberrão de Tess que sua família, os Durbeyfield, são, na verdade, uma ramificação de um nobre e antigo clã, os D’Urberville. Essa descoberta vem como um choque para os Dubeyfield que, vivendo numa quase miséria, tentam tirar alguma vantagem desse nobre parentesco. A mãe de Tess a envia, então, à casa de uns prováveis parentes, que portavam o nome de D’Urberville, para pedir ajuda financeira. Tratava-se de uma família rica, que morava há alguns quilômetros do vilarejo.

Chegando à mansão dos D’Urberville, Tess se depara com Alec, filho da matriarca. Ele se encanta com a garota e propõe que ela trabalhe na propriedade. Após várias tentativas frustradas de seduzi-la, ele a violenta, aproveitando-se de um momento de fraqueza da jovem. Após algumas semanas vivendo como amante de Alec, Tess decide ir embora da mansão para tentar recomeçar sua vida. Ela estava grávida. A má reputação, originada pelo fato de ter perdido a virgindade antes do casamento, a perseguirá, mesmo depois de encontrar o grande amor, Angel. 

Tess, o filme, apresenta evidentes características do gênero épico. Para começar, o enredo é centrado numa personagem elevada, pelas suas qualidades morais, à condição de heroína. O filme acompanha a trajetória dessa heroína, que é também uma jornada de autoconhecimento, aprendizado e iniciação. Essa trajetória é marcada por sofrimentos, encontros, desafios e dificuldades que devem ser superadas. 

 

Tess é uma personagem trágica e complexa. Ela oscila entre a força e a fraqueza, entre a determinação e a vulnerabilidade. Por mais que tente lutar continuamente contra os obstáculos (a origem, a pobreza, o preconceito etc.), ela acaba por ceder, diversas vezes, aqueles que mais a feriram. Tess é também uma personagem melancólica, tipicamente romântica. Sensível, introspectiva e amante da natureza, ela encontra em Angel (Peter Firth) seu par ideal. O rapaz, que também sofre de certa melancolia romântica, é rebelde, despreza a burguesia e se interessa por música e literatura. O amor que nasce entre os dois é tão bonito quanto idealizado. Quando a dura realidade vem afrontá-los, a ilusão se desmancha.

É importante salientar que Tess carrega em si uma dimensão mística. É muito interessante a relação dela com a natureza, com Deus, com rituais religiosos e até mesmo com o paganismo (podemos pensar na cena em que ela deita no altar de um antigo templo pagão, como prestes a ser sacrificada). É possível associar a protagonista ora à figura da santa, ora à da mártir, ora à da deusa. Na pele dessa personagem imensa, temos Nastassja Kinski, em uma performace sensível, grandiosa e comovente. Além disso, a câmera parece amá-la e sua beleza “explode” na tela.

 

O filme não deixa de ser também um interessante retrato histórico-social da época vitoriana. A hipocrisia social, a situação da mulher, a diferença entre classes e a transformação da sociedade são retratados no filme. O nome, marca de status social, é mostrado pela trama como uma simples mercadoria. Até os “mal-nascidos”, membros da ascendente burguesia ligada à indústria, podem adquirir um nome de prestígio. O que chama a atenção na história é a transformação que um detalhe, a princípio tão insignificante, traz para a vida de Tess. A associação de Tess ao nome D’Urberville é marco inicial da desgraça na vida da protagonista. Como em Romeu e Julieta, o nome sela o destino funesto dos personagens. A importância do novo nome é explicitada no título da obra original que é Tess de D’Urberville e não Tess Durbeyfield ou, simplesmente, Tess.

 

A beleza da direção de Roman Polanski deixa-se transparecer nos grandes e pequenos detalhes. Notem, por exemplo, como Tess é constantemente mostrada como uma personagem a parte dos demais; como Alec surge em cena de forma inesperada, como se fosse um predador; como o diretor retarda ao máximo a descoberta do rosto de Angel. O filme encanta tanto nos planos gerais, que mostra as belas paisagens inglesas, as pradarias, os campos de centeio, quanto nos lindos (e abundantes) closes sobre o rosto de Nastassja Kinski.

A fotografia do filme é, por sinal, um espetáculo a parte. Os planos são tão bem construídos que muitas vezes nos remetem a pinturas clássicas. Não só a utilização das cores nos remete à pintura, mas também a escolha dos temas recorrentes, como a vida do camponês, o trabalho dos agricultores, o campo de centeio e cenas mitológicas. A magistral fotografia do longa-metragem foi premiada, por sinal, com o Oscar, assim como a direção de arte e o figurino. O diretor de fotografia inicial do filme, Geoffrey Unsworth, morreu no início das filmagens, deixando, no entanto, muitas cenas prontas. Ele foi substituído por Ghislain Cloquet. Outro destaque da produção é a bela trilha sonora de Philippe Sarde.

Tess é provavelmente um dos filmes mais ambiciosos de Polanski. Certamente, ele destoa um pouco da sua filmografia, devido a sua grandiosidade épica, ao seu sentimentalismo e apelo romântico. Mas talvez seja essa uma das maiores qualidades de Polanski: ele sempre soube nos surpreender e impressionar.   

 

 

Copyright Cinema em Cena 2012
LEONARDO ALEXANDER é crítico de cinema, criador e mantenedor do blog Clube do Filme, estudioso de Literatura e Cinema na Université Paris Diderot (França) e apaixonado pelo cinema clássico hollywoodiano. Na coluna Cinemateca, ele analisa obras, diretores e gêneros, além de dar curiosidades e informações sobre os grandes clássicos do cinema mundial.
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