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TRÊS MULHERES Cinemateca

“Tenho uma nova colega de quarto. Pinky, a novata do trabalho. Ela é estranha, mas é melhor do que esperar alguma enfermeira gorda responder ao anúncio.”

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“Você é a pessoa mais perfeita que eu conheci.”

“Estranho” talvez seja o primeiro adjetivo que nos venha à mente ao tentarmos definir o filme Três Mulheres. Esse hipnótico longa-metragem de Robert Altman está longe de ser um dos filmes mais conhecidos do diretor e, no entanto, trata-se definitivamente de um dos trabalhos mais interessantes que ele realizou em toda sua prolífica carreira.

Altman fez um pouco de tudo: televisão e cinema, ficção e documentário; dirigiu, roteirizou, produziu; realizou filmes de baixíssimo orçamento e grandes produções. Além disso, o cineasta passeou por diversos gêneros, talvez por todos, tendo feito comédia, drama, filme de guerra, musical, western, suspense e filmes como Três Mulheres e o fascinante Imagens (1972), que dificilmente se enquadrariam em uma só categoria.

A extrema versatilidade de Altman nunca impediu que ele imprimisse em cada um de seus trabalhos o seu estilo e a sua marca de autor. Altman ficou conhecido por jamais se vender à Hollywood e por manter até o fim sua integridade artística. Ele trabalhou até o ano da sua morte, 2006, quando lançou seu derradeiro filme: A Última Noite. No entanto, ele é mais conhecido por títulos como M*A*S*H (1970),  Nashville (1974), O Jogador (1992), Short Cuts - Cenas da Vida (1993) e Assassinato em Gosford Park (2001).

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Gêmeas. Aposto que deve ser estranho. Você acha que elas sabem quem são?

A ideia para a realização de Três Mulheres surgiu de uma série de sonhos que o diretor teve. Não é de se estranhar, portanto, que a narrativa seja dominada, do início ao fim, por uma atmosfera onírica. O filme é ambientado em uma região árida da Califórnia e, como indica o título, ele gira em torno de três personagens femininas: Millie (Shelley Duvall), Pinky (Sissy Spacek) e Willie (Janice Rula).

Millie trabalha em um centro de reabilitação para idosos e é encarregada de treinar a novata Pinky. A primeira exerce um imenso fascínio sobre a segunda. Eventualmente, as duas colegas passam a dividir um pequeno apartamento em um condomínio onde também moram Edgar e sua esposa grávida, Willie, uma artista bastante silenciosa e antissocial. O trabalho de Willie consiste em pintar reiteradamente as mesmas figuras, homens e mulheres que se assemelham a deuses e que parecem travar uma luta corporal. A relação entre as três personagens intensifica-se gradualmente, até que suas identidades acabam se permeando.

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Tive o mais incrível dos sonhos…

Assim como ocorre no excelente Imagens, em Três Mulheres Robert Altman sente-se completamente a vontade para experimentar, o que faz desse filme um belíssimo exercício cinematográfico. Altman contou com o apoio e a confiança do produtor Alan Ladd Jr., que comprou a ideia do filme, sem que existisse sequer um script. Três Mulheres começou a ser filmado sem que o roteiro fosse finalizado. As filmagens deram-se de forma linear (o que é bastante raro) e, à medida em que elas avançavam, Altman escrevia as cenas seguintes. Realizado com um modesto orçamento, o filme foi, como era de se esperar, um imenso fracasso comercial.

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Desde que você se mudou, só me causa desgosto. Ninguém quer a sua companhia.

A intenção do diretor era a de realizar um filme que fosse fiel à dinâmica do sonho. Como sabemos, o sonho obedece a um tipo de lógica particular. E é absolutamente admirável como o cineasta consegue captar a indeterminação que é tão característica desse fenômeno do inconsciente. O espectador, assim como os personagens, sente-se mergulhado numa atmosfera estranha, incerta e angustiante. Somos hipnotizados pelas imagens inquietantes que povoam o filme, pela sucessão de símbolos, pelo ritmo cadenciado da narrativa, pelos personagens dúbios, pela trilha sonora sombria. O filme não tem a intenção de ser racional e muito menos didático. Ele é um enigma até mesmo para o diretor, que chegou a afirmar não ter as respostas para os seus mistérios.

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Prefereria enfrentar um milhão de selvagens do que uma mulher que aprendeu a atirar.

Altman era conhecido por ser um excelente diretor de atores e por lhes conceder uma grande liberdade criativa na hora das filmagens. Em Três Mulheres, a improvisação é levada ao extremo, já que muitos dos diálogos nem mesmo chegaram a ser escritos. Um dos maiores acertos do cineasta é a escalação de seu elenco. Altman escolheu para protagonizar o filme duas das atrizes mais interessantes e estranhas (no bom sentido) do cinema hollywoodiano: Shelley Duvall e Sissy Spacek. Donas de uma beleza nada convencional, ambas despontaram nos anos 70.

A talentosíssima Spacek havia chamado a atenção, no ano anterior, ao encarnar Carrie, a Estranha (1976). Duvall, por sua vez, teve um papel de destaque em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (também de 1977) e, em três anos, faria o seu papel mais famoso, na obra-prima O Iluminado (1980), ao lado de Jack Nicholson. Duvall, ganhadora do prêmio de Melhor Atriz em Cannes por seu trabalho em Três Mulheres, nos oferece provavelmente a melhor performance da sua carreira.

Além de compor uma personagem fascinante, Duvall tem uma figura tão interessante em cena, com seus grandes olhos assustados, que é difícil não se lamentar que ela não faça mais filmes atualmente. Willie, sua personagem, é pateticamente solitária, iludida, impopular, completamente ignorada por todos a sua volta. A única pessoa que se interessa por ela é Pinky, uma jovem moça recém-chegada do Texas. Spacek brilha ao criar essa personagem particularmente bizarra e infantil e ao mostrar sua transformação ao longo da narrativa. Janice Rula, que interpreta a terceira mulher, também cria uma personagem bastante interessante e ambígua, ainda que tenha um espaço menor na trama. À medida em que o filme avança, as identidades das três personagens se cruzam, se fundem e se confundem.

Ao contrário do que se possa pensar, Três Mulheres não é um filme menor de Robert Altman e, sim, uma prova cabal da genialidade, do preciosismo e do talento do diretor. Talvez não seja um filme para todos os gostos e dificilmente seja uma unanimidade, mas muitas obras-primas não o são. 

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Sonhos não podem te machucar.
 

Copyright Cinema em Cena 2012
LEONARDO ALEXANDER é crítico de cinema, criador e mantenedor do blog Clube do Filme, estudioso de Literatura e Cinema na Université Paris Diderot (França) e apaixonado pelo cinema clássico hollywoodiano. Na coluna Cinemateca, ele analisa obras, diretores e gêneros, além de dar curiosidades e informações sobre os grandes clássicos do cinema mundial.
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