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MORTE EM VENEZA Cinemateca

“Sabe… por vezes, penso que os artistas são como caçadores que atiram no escuro. Desconhecem o alvo e não sabem se o atingiram. Mas não podemos esperar que a vida nos mostre o que a arte é. A criação de beleza e pureza é um ato espiritual.”


“Não deves sorrir assim! Não se deve sorrir assim pra ninguém!”

Grande ícone do cinema italiano, Luchino Visconti nos legou obras-primas como O Leopardo (1963), Rocco e Seus Irmãos (1960), Obsessão (1942) e A Terra Treme (1947). O cineasta esteve ligado, ao lado de diretores como Vittorio De Sica e Roberto Rossellini, à criação do movimento neorealista italiano. Ainda que descendente da alta aristocracia milanesa, Visconti sempre se mostrou questionador e “rebelde”, tendo sido um grande apoiador do Partido Comunista Italiano, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial. O cineasta também nunca escondeu sua homossexualidade e manteve uma longa relação com o ator austríaco Helmut Berger, que dirigiu em filmes como Os Deuses Malditos (1969) e Ludwig, a Paixão de um Rei (1973). Visconti trabalhou também com algumas das maiores estrelas do cinema de seu tempo, como Anna Magnani, Silvana Mangano, Claudia Cardinale, Marcello Mastroianni, Alain Delon, Dirk Bogarde e Burt Lancaster.

Visconti é também reconhecido por ter realizado belíssimas adaptações de clássicos da literatura mundial, como O Estrangeiro (1967), de Camus, Noites Brancas (1957), de Dostoiévski, e Morte em Veneza (1971), de Thomas Mann. O último é um dos filmes mais famosos do diretor. Baseado no romance homônimo, obra-prima publicada em 1912, o filme explora o tema da velhice e a incontornável ameaça da morte, associadas à busca incessante de uma forma de beleza ideal e inacessível. O filme se passa na bela Veneza, que aos poucos vai se deteriorando devido a uma série de medidas sanitárias postas em práticas pelo serviço de saúde local, em razão de uma epidemia de cólera.


“Sabedoria? Dignidade humana? Para que servem? O gênio é uma dádiva divina.”

Morte em Veneza é ambientado na Veneza do século 20, onde reina uma burguesia que ama o luxo e a boa vida. No magnífico Grande Hotel da cidade, o velho compositor Aschenbach encontra Tadzio, adolescente andrógino, de origem polonesa, que passa as férias com a famíla. O compositor vê no garoto a mais perfeita representação da Beleza, um tipo de beleza ideal que o artista sempre buscou alcançar em suas obras. Um sentimento desconcertante, uma imensa fascinação toma conta do protagonista. A relação dos dois personagens se resume basicamente a olhares trocados. Ainda que uma epidemia de cólera ameace a cidade, Aschenbach se recusa a partir. 


“A realidade apenas nos distrai e degrada.”

Apesar de ser um dos filmes mais conhecidos e admirados do cineasta italiano, Morte em Veneza está longe de ser uma unanimidade. A maior parte das críticas negativas têm por alvo a liberdade tomada pelo o cineasta ao adaptar o romance de Mann. Importantes modificações foram realizadas a partir da história original. A mais famosa delas diz respeito à transformação do protagonista (que no romance era um escritor) em um compositor. Ao que tudo indica, essa mudança se deve ao fato de Visconti considerar que o Aschenbach de Mann teria sido inspirado no compositor Gustav Mahler. Não é por acaso que a 5ª Sinfonia de Mahler está constantemente presente na trilha sonora do filme. Visconti também introduziu diversos flashbacks na narrativa e buscou inspirações em outras obras literárias, como Em Busca do Tempo Perdido, de Proust e, principalmente, Doutor Fausto, outra obra de Mann.

No entanto, os críticos mais severos atacam, sobretudo, a maneira com a qual o diretor imprimiu no filme sua visão da obra. Para críticos como Roger Ebert, o cineasta peca ao conferir um teor sexual à relação do protagonista e o jovem garoto. Para o crítico americano, Visconti ignora as sutilezas do texto de Mann ao apresentar a relação dos dois personagens como um amor homossexual. Ebert insiste que o garoto representa um ideal de beleza e não um objeto de desejo. 


“Não há impureza tão impura quanto a velhice.”

A releitura que faz Visconti da obra-prima de Thomas Mann pode ter seus detratores, mas também conta com inúmeros fãs. A trágica história de amor (impossível) contada pelo cineasta italiano conserva alguns dos principais elementos do romance, como a discussão filosófica sobre a eterna busca pela beleza ideal e a reflexão sobre o fazer artístico. Visconti também focaliza a confusão de sentimentos, a paixão e a decadência tão presentes no romance. O filme trata de uma maneira tocante e humana o que é envelhecer e o que é buscar a vida, a paixão e a juventude, enquanto se espera pela morte. 


“Sabe o que existe na base daquilo que agrada a todos? A mediocridade.”

Ainda que controverso, Morte em Veneza continua sendo um dos mais belos filmes de Visconti. O longa-metragem é esteticamente primoroso, o que é inegável mesmo entre aqueles que não o consideram uma obra-prima. Poucas vezes, Veneza foi retratada de maneira tão exuberante (graças também à bela fotografia de Pasqualino De Santis). Visconti confere uma atmosfera melancólica, decadentista e, ao mesmo tempo, sublime à bela cidade italiana. O jovem Ladzio surge como o próprio símbolo da beleza e Visconti filma o jovem ator sueco Björn Andrésen como se ele fosse uma verdadeira obra de arte. Para completar, o excelente ator inglês Dirk Bogarde nos oferece uma performance emocionante, minimalista, placidamente trágica, naquele que é provavelmente seu papel mais famoso no cinema.

Efusivamente poético, Morte em Veneza conta a história do último amor de um artista, um amor epifânico, perturbador, que tem por objeto um jovem garoto, a própria encarnação da beleza. O sentimento amoroso é condenado pela impiedosa ação do tempo que nada poupa. Visconti retrata com sensibilidade a paixão de um homem que morre progressivamente. Trata-se, provavelmente, de um dos filmes mais pessoais e  intrigantes do mestre italiano. 


“Não Gustav, não. A beleza pertence ao mundo dos sentidos. Apenas aos sentidos.”

Copyright Cinema em Cena 2012
LEONARDO ALEXANDER é crítico de cinema, criador e mantenedor do blog Clube do Filme, estudioso de Literatura e Cinema na Université Paris Diderot (França) e apaixonado pelo cinema clássico hollywoodiano. Na coluna Cinemateca, ele analisa obras, diretores e gêneros, além de dar curiosidades e informações sobre os grandes clássicos do cinema mundial.
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