Try the cock, Albert. It's a delicacy, and you know where it's been.
His mother is a Roman Catholic, he's been imprisoned in South Africa, he's as black as the ace of spades and he probably drinks his own pee!
Peter Greenaway é artista plástico, escritor, cineasta e grande estudioso das artes em suas mais diversas formas. O versátil artista britânico é reconhecido por imprimir em suas obras cinematográficas referências à pintura flamenca e às obras renascentistas e barrocas. Seus filmes são marcados por certo preciosismo na composição cênica. Talvez por ser um exímio pintor, Greenaway demonstre, em suas obras para o cinema, grande habilidade no uso de cores, contrastes e iluminação. Considerado um cineasta elitista por alguns, gênio por outros, Greenaway consolidou, ao longo de mais de 50 anos de carreira, uma filmografia bastante interessante e rica, composta por filmes de ficção (curtas e longas-metragens) e documentários.
Os filmes de Peter Greenaway geralmente passam longe do circuito comercial e costumam ser classificados como “filmes de arte”. O diretor sempre flertou com o experimentalismo e muitas de suas obras de ficção não apresentam uma estrutura narrativa convencional. Controverso e assumidamente pretensioso, o cinema de Greenaway explora os limites da linguagem cinematográfica e instaura um diálogo fascinante entre o cinema, outras manifestações artísticas e diversas áreas do conhecimento humano.
O inquieto diretor é tido como um dos mais brilhantes expoentes do cinema britânico, ainda que não compartilhe da popularidade de cineastas contemporâneos, como David Lynch e Martin Scorsese. Dentre suas maiores realizações, encontram-se: O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante (1989), Afogando em Números (1988), O Livro de Cabeceira (1996), O Contrato do Amor (1982). O último longa-metragem de ficção do diretor foi Goltzius and the Pelican Company (2012), ainda inédito no Brasil. Nos últimos anos, Greenaway tem se dedicado bastante à realização de instalações multimídias e exposições de arte.
Looks like catfood for constipated French rabbits!
O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante é uma das grandes obras-primas de Greenaway e o filme de maior sucesso do diretor. Trata-se de uma sátira brilhante e excêntrica, carregada de humor negro, sobre o exagero, o mau-gosto e a maldade humana. Filmado de maneira exuberante, excessivamente gráfica e luxuriosa, O Cozinheiro… se passa quase inteiramente em um sofisticado restaurante francês, chamado Le Hollandais.
Richard (Richard Bohringer), o chefe, é um gênio da cozinha, um verdadeiro artista gastronômico. Já o proprietário do restaurante, Albert Spica (Michael Gambon), é um um grande homem do crime (à la Poderoso Chefão), que frequenta todas as noites o Le Hollandais, na companhia de sua bela mulher Georgina (Helen Mirren) e uma corja de bajuladores. Enquanto faz seus discursos ácidos e impagáveis, Albert se descuida da esposa que acaba por se interessar por um dos clientes do lugar, o intelectual Michael (Alan Howard). Logo, eles iniciam um tórrido caso de amor.
Circumcised mediocrity is screwing my wife!
Em O Cozinheiro…, Greenaway focaliza algumas das pulsões primárias do ser humano: o desejo sexual, a gula e a violência. O exagero e o grotesco fazem parte da suculenta sátira social realizada pelo cineasta e tais características são personalizadas em Albert, um personagem hiperbólico, monstruoso e desprezível. Na pele desse personagem cruel e falastrão, temos o ótimo ator irlandês Michael Gambon (o professor Dumbledore dos últimos filmes da franquia Harry Potter) em uma performance inesquecível. Certamente, Albert é uma das maiores encarnações do mal já vistas no cinema.
Mas não é apenas Gambon que se destaca no filme. Helen Mirren, atriz shakesperiana, famosa por interpretar personagens da nobreza britânica e ganhadora do Oscar em A Rainha (2006), surge belíssima em O Cozinheiro… e esbanja sensualidade ao encarnar a esposa infiel de Albert. A atriz inglesa brilha, sobretudo, por mostrar a transformação de sua personagem, cujo final é apoteótico. Mirren, por sinal, protagoniza tórridas cenas de sexo com o excelente Alan Howard.
I think those Ethiopians enjoy starving. Keeps them thin and graceful.
Desson Howe, crítico do Washignton Post, disse, certa vez, sobre o filme: Greenaway “trata do assunto mais feio imaginável da maneira mais bela possível”. De fato, o filme poderia ser descrito como um verdadeiro “banquete visual”. Nesse banquete, Greenaway contou com a belíssima fotografia de Sacha Vierny, o primoroso trabalho de Ben Van Os e Jan Roelfs na direção de arte e figurinos assinados por ninguém menos que Jean-Paul Gautier. Greenaway abusa das cores fortes e das texturas. Cada cenário tem sua cor característica: o vermelho do salão, o branco do banheiro, o verde da cozinha. A variedade de cores é também visível nos figurinos dos personagens, que mudam magicamente quando eles trocam de cenários. Tudo é extremamente estilizado, barroco, rebuscado.
A maioria dos filmes de Greenaway caracteriza-se por certo distanciamento emocional. O Cozinheiro…, no entanto, é uma obra visceral. Roger Ebert, em sua análise do filme, atribuiu essa transformação ao sentimento de raiva do diretor, fruto de um descontentamento político. Alguns críticos e estudiosos viram no longa-metragem uma forte dimensão alegórica. O filme seria, assim, um protesto semivelado, uma parábola sobre a situação político-social do Reino Unido de Margaret Thatcher. Uma das interpretações propostas para o filme vê cada um dos quatro personagens principais como representações de entidades e segmentos distintos da sociedade britânica: o cozinheiro simbolizaria os funcionários publicos e os cidadãos obedientes; o ladrão, a arrogância, o autoritarismo e o poder de Margaret Thatcher; o amante, a oposição composta por intelectuais e esquerdistas; e a esposa, a própria pátria.
A obra-prima de Greenaway, no entanto, não se reduz a um único contexto político e nos oferece uma reflexão atemporal sobre as relações de poder, sobre a exploração do homem sobre o homem e sobre o lugar que a violência e a cultura ocupam em nossa sociedade. O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante é um filme provocador, inteligente e tragicamente divertido.
Could you cook him?