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SONATA DE OUTONO Cinemateca

“Eu te amava, mamãe, era uma questão de vida ou morte, mas eu não confiava nas tuas palavras. Elas não expressavam o que os teus olhos diziam. Você tem uma voz linda, mamãe. Quando eu era criança, eu a sentia no meu corpo todo. Mas eu sentia que você não falava de coração. Eu não conseguia entender suas palavras.” 

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“Eu a amava, mas você me achava repulsiva, burra e fracassada.”

Em 1978, o cineasta sueco Ingmar Bergman lançou um dos seus últimos filmes para o cinema, o premiado Sonata de Outono. Esta foi a única colaboração do diretor com a atriz Ingrid Bergman, também sueca, com quem não tinha nenhum parentesco apesar da homonimia. Ingmar é um dos maiores nomes do cinema mundial, com uma filmografia que não cessa de impressionar gerações sucessivas; Ingrid será para sempre lembrada como uma das maiores divas do cinema hollywoodiano, uma atriz sublime que tem também importantes trabalhos na Europa. O encontro desses dois ícones do cinema é abrilhantado pelo belíssimo texto de Ingmar Bergman e pela presença arrebatadora de Liv Ullmann.

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“Eu era uma boneca com que você brincava quando tinha tempo.”

Sonata de Outono focaliza o reencontro entre Charlotte Andergast (Ingrid Bergman), uma célebre pianista, e suas duas filhas, Eva (Liv Ullmann) e Helena (Lena Nyman). Após anos de separação, Charlotte decide fazer uma visita a sua filha mais velha, Eva, e ao genro Viktor (Halvar Björk). Para a surpresa da pianista, ela encontra a filha mais nova sob os cuidados de Eva. Helena, deficiente física e mental, havia sido internada pela mãe em uma instituição de onde foi resgatada por Eva. O encontro entre Eva e Charlotte trará à tona diversas mágoas do passado. Eva, ferida pela negligência e pela indiferença maternal, confrontará sua mãe, alvo do seu mais puro amor e também do seu rancor, em um longo e doloroso desabafo.

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“Você se trancava e trabalhava e ninguém podia atrapalhar. Eu ficava do lado de fora ouvindo. Quando parava para tomar café, ia ver se você existia mesmo.”

Sonata de Outono se passa em um espaço reduzido. A ação se concentra na casa de Eva e, em grande parte, em um cômodo desta casa. Ingmar Bergman enfatiza assim o caráter extremamente íntimo dessa história. O cineasta, com o auxílio de belos e recorrentes closes, parece penetrar as almas dessas duas mulheres, que se vêem repentinamente reféns do passado e reféns de sentimentos reprimidos por muito tempo. Gradualmente, invadimos a intimidade de Eva e Charlotte e descobrimos os fantasmas dessas personagens extremamente humanas.

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“Seu cheiro era gostoso, mas estranho. Você era uma estranha já de partida. Você nem me via.”

À medida que o filme avança, Ingmar Bergman parece retirar as camadas que encobriam a essência da relação entre mãe e filha, até então, baseada em não-ditos. Gradualmente, o filme se torna urgente, como se as frustrações, as mágoas, os sentimentos das personagens estivessem por muito tempo guardados, esperando a ocasião certa para eclodirem. E essa explosão emocional se dá em uma conversa noturna entre mãe e filha, duas mulheres que nunca estiveram tão vulneráveis e tão expostas uma à outra. O embate é uma (con)fusão de sentimentos, misturados com recriminações, justificativas, verdades indesejadas. A conversa/desabafo das duas mulheres é alimentada por lembranças do passado e, através dos flashbacks, Ingmar Bergman reconstitui a história de uma relação disfuncional. Filmados geralmente em planos gerais, tais flashbacks ilustram a distância que era a base da relação entre Eva e Charlotte. 

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“Você trazia livros pra mim, livros que eu não entendia. Eu lia, lia e lia, para depois discutirmos. Você falava e me dava um branco. Eu tinha medo que você fosse escancarar minha burrice.”

Em um momento de catarse, Eva manifesta todo o seu desajuste perante à figura materna. A personagem é tomada pelos ressentimentos da infância e da adolescência e se insurge contra a mãe, em um ato de coragem que dificilmente se repetirá. Ela se rebela assim contra o seu grande ídolo, manifestando os sentimentos contraditórios que a atormentam: o desejo de ser amada e o rancor profundo que continua a lhe torturar. Vivida magistralmente por Liv Ullmann (parceira habitual de Ingmar Bergman), Eva é uma personagem ferida pela indiferença materna. Seu desabafo é um pedido de explicação, um pedido de socorro a uma mãe auto-centrada e ausente. Ullmann expõe com sensibilidade toda a fragilidade de sua personagem, que também se culpabiliza por não poder despertar o amor e a admiração da mãe.

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“Eu não percebia que a odiava, pois achava que nós nos amávamos. Eu não podia odiá-la e meu ódio se tornou um medo insano.”

Charlotte é uma mulher exuberante, bem-sucedida profissionalmente, mas que não apresenta uma verdadeira vocação maternal. A personagem é confrontada de uma maneira definitiva por sua filha e deve assim encarar seus fracassos como mãe e os efeitos que sua escolhas tiveram sobre a vida da filha. A fantástica Ingrid Bergman humaniza de uma maneira exemplar essa personagem complexa, racional e fria. Charlotte é uma mulher que se recusou a se reduzir ao papel de mãe e que colocou seus interesses pessoais, seu trabalho, na frente da maternidade. Ela se vê de repente obrigada a encarar o seu papel de mãe, um papel que ela procurou evitar por toda a vida. Charlotte é uma mulher do mundo que se preocupa sobretudo com as aparências das coisas. No entanto, ela também demonstra suas razões e suas motivações de uma maneira tal que julgá-la se torna difícil. Ao fim do filme, é possível imaginar que muito pouco irá mudar na relação entre ela e suas filhas.

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“Quando eu não disser mais nada por vergonha… você poderá se explicar e eu ouvirei e entenderei como eu sempre fiz.”

A elegância e o preciosismo da direção de Bergman são sentidos na maneira com a qual o diretor compõe cada quadro, na maneira com que ele opõe as figuras das duas protagonistas, na forma com que a câmera se fixa nos rostos das duas mulheres, no uso da música de Chopin, na utilização do contraste e das cores outonais e nas escolhas da iluminação que permitem a criação de um ambiente sombrio, íntimo e melancólico. Sonata de Outono comunica a cada instante, através dos silêncios, dos olhares, da música, das composições, das performances inspiradas de suas protagonistas, o drama da relação mais intensa e complexa que possa existir: a relação mãe e filho.

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“Você conseguiu me ferir para o resto da vida, assim como você está ferida.”

Sonata de Outono é uma brilhante obra-prima, um rico estudo de personagens que se torna mais interessante e instigante à cada visualização. É um filme universal e atemporal, que continua relevante e desafiador, assim como os maravilhosos Gritos e Sussuros (1972), Persona (1966), O Sétimo Selo (1957), Morangos Silvestres (1957), outros clássicos de Ingmar Bergman. 

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“Eu não me atrevia a ser eu mesma, nem quando estava sozinha, porque eu detestava tudo que era meu.”

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“Você me escravizou porque queria o meu amor e você quer o amor de todo mundo.”

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