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E o Oscar deveria ter ido para... Frame Sonoro

Alguns anos atrás, durante a cerimônia de entrega do Oscar transmitida pela Rede Globo, José Wilker, o comentarista convidado, soltou uma pérola durante a premiação da categoria de Melhor Mixagem: "Esta é uma área puramente técnica, eles premiam só os filmes mais barulhentos..." Na época, essa frase me causou indignação, não só por mostrar a ignorância do comentarista em relação a todo o complexo trabalho que envolve a sonorização de filmes, mas também por achar que é somente um trabalho "técnico", como se os responsáveis por este departamento fossem meros apertadores de botões.

Fui até a uma loja de vodu mais próxima, mas infelizmente não encontrei um bonequinho com cara de José Wilker, o que livrou o ator/comentarista (e parece que agora também diretor) de umas agulhadas. Naquele ano, foi premiado, e mui merecidamente, O Ultimato Bourne, de Paul Greengrass (que até merece um artigo futuro só para detalharmos suas qualidades nesse departamento).

Pois bem. Dando um salto no tempo, vou chamar a atenção para a cerimônia do Oscar ocorrida no início de 2011, quando aconteceu o que eu considero umas das grandes injustiças da Academia nesta área específica de som: a vitória de A Origem, de Cristopher Nolan, nas duas categorias (Sound Mixing e Sound Editing).

É claro que não dá para desmerecer um cara como Richard King, responsável pelo desenho de som de A Origem, com seus mais de 30 anos de carreira, quase 80 filmes no currículo e três Oscar na estante da sala, mas o desenho sonoro do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio perde em termos de criatividade, complexidade e, vamos chamar assim, méritos artísticos para A Rede Social, de David Fincher.

Ren Klyce, o responsável pelo som de A Rede Social, nunca ganhou Oscar, tem muito menos filmes nas costas e tempo de estrada (comparado a King), mas dá show de criatividade e talento desde Se7en - Os Sete Crimes Capitais, do mesmo David Fincher. Mas vamos por partes.

Os diálogos são a espinha dorsal do som de qualquer filme. Se estes estiverem mal gravados ou mal editados, podem comprometer a obra como um todo, deixar o filme simplesmente incompreensível. E comunicação comprometida já é mais que meio passo para o fracasso. E A Rede Social é um filme totalmente baseado em diálogos. A quantidade de material bruto sonoro gerado durante as filmagens é impressionante. Exigiu um trabalho meticuloso de seleção, limpeza e sincronização. E a responsável por tudo isso é a equipe de edição de diálogos, uma subequipe, digamos, do departamento de Pós-Produção de Som. E editar todos esses diálogos também foi um trabalho extenuante: é só prestar atenção na velocidade das falas de Jesse Eisenberg (que faz o papel de Mark Zuckerberg). O cara é uma metralhadora sonora.

Os outros personagens também estão o tempo todo conversando, trocando informações e ideias. E o que ouvimos no filme são diálogos sempre limpos, equilibrados e concisos. Uma cena marcante acontece no clube Ruby Sky, onde Mark Zuckerberg e Sean Parker estão conversando enquanto uma música altíssima jorra dos alto-falantes. Em muitos filmes, o que aconteceria numa cena como esta é que assim que os personagens começassem a conversar a música diminuiria o volume, permitindo que o público ouvisse a conversa. Em A Rede Social, a música simplesmente continua na mesma intensidade... e conseguimos ouvir perfeitamente os dois! Ren Klyce e sua equipe conseguiram algo muito complexo e difícil. Só por essa cena o filme já merecia o Oscar de Melhor Mixagem (Sound Mixing).

Saindo da esfera dos diálogos, podemos citar as inúmeras cenas em que os personagens estão em ambientes lotados (festas, salas de aula, restaurantes, escritórios...). É tarefa da equipe de som "povoar" com vozes esses ambientes. É um trabalho de pós-produção. E Klyce consegue criar ambientes sonoros ao mesmo tempo orgânicos, sofisticados e, o mais importante, que ajudam a ambientar a narrativa.

Um outro aspecto que também influencia (e bastante) o desenho de som de qualquer filme é a montagem. E em A Rede Social ela é frenética, com cortes rápidos e bruscos, com idas e vindas no tempo e espaço. O som deve ajudar a situar o público quando essas mudanças ocorrem. E, mais uma vez, é brilhante o trabalho desenvolvido por Klyce pela precisão e pelas escolhas.

A Origem, em termos sonoros, se iguala a diversos blockbusters produzidos todos os anos em Hollywood: explosões, tiros, perseguições e muita música tonitruante. Richard King e sua equipe entregaram o básico necessário (o que já não é pouco), mas sem o brilho de um desenho sonoro mais criativo ou elaborado.

Quero deixar claro que não tenho nada contra King. Ele é um dos grandes nomes do sound design da indústria norte-americana. O seu trabalho de som em Mestre dos Mares - O Lado Mais Distante do Mundo, de Peter Weir, é simplesmente primoroso. Até hoje é utilizado como referência em muitas universidades e escolas de pós-produção na Europa e Estados Unidos. 

Só para finalizar: se fizéssemos uma comparação grosseira dos dois filmes, o som de A Origem seria uma fábrica hi-tech, automatizada e eficiente, porém fria e asséptica. Já A Rede Social seria uma lojinha de artesanato, um feirinha ao ar livre. Um negócio mais... humano! 

Mas a grande maioria do público não sente essas diferenças sonoras. E, pelo jeito, os votantes da Academia também não. Neste ponto, tenho que concordar com o comentarista da Globo: o mais barulhento ganhou.

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