Conforme já falado no texto sobre O Grande Gatsby, figurinos de filmes que retratam determinados períodos não necessariamente precisam ser fiéis às modas da época retratada, mas devem, sim, atender às necessidades do diretor, criando uma experiência visual de acordo com a estética almejada na película. Lançado em 1995, com roteiro adaptado do livro de Frances Hodgson Burnett, A Princesinha, primeiro filme em língua inglesa do diretor mexicano Alfonso Cuáron, é um belo exemplo de como isso funciona.
Cuarón claramente divide sua história em duas cores: o amarelo da Índia idílica e o verde da Nova York fria e solitária. É interessante notar que o uso exacerbado do verde repete-se em seu filme seguinte, Grandes Esperanças. Embora essa paleta de cores restrita apareça enfaticamente em diversos elementos da história, é no figurino elaborado por Judianna Makovsky que ela ganha destaque.
A história começa no período que antecede a Primeira Guerra Mundial. Ao final do século 19, a arte, a moda e a decoração eurocêntricas tiveram grande influência de países como Índia, China, Japão e Turquia. Tais locais eram vistos como exóticos pelos ocidentais. Sarah (Liesel Matthews) e seu pai, Capitão Crewe (Liam Cunningham), moram na Índia e a forma como ela é retratada é reflexo dessa visão de exotismo: uma Índia dos mitos, das especiarias e das aventuras fantásticas. Sarah passa o filme contando a história do bom príncipe Rama, que luta pelo seu amor, a Princesa Sita. Na história, que traça paralelos com a sua própria, ambos usam roupas inspiradas em trajes tradicionais, em tons alaranjados com adornos em dourado. O calor irradia de suas roupas.
Sarah utiliza vestidos extremamente fiéis ao vestuário infantil da época, com cintura levemente caída, chapéu e casaco rodado com abotoamento duplo, sempre em branco ou em tons de creme. São com essas cores que se muda para Nova York, a fim de estudar em um colégio interno. As responsáveis, Srta. Minchin (Eleanor Bron) e sua irmã, Amelia Minchin (Rusty Schwimmer), aparecem em vestidos eduardianos (caracterizados por corte reto e busto volumoso) em tons de verde escuro. Essa é a cor que marca a permanência de Sarah na escola.
Quando Sarah presenteia Becky (Vanessa Lee Chester), a menina que trabalha silenciosamente como empregada na escola, opta por dar-lhe um sapato em um aberto tom de amarelo. O item extravagante provavelmente seria pouco útil à outra menina, mas essa é a cor que Sarah relaciona às coisas boas.
Entre neve, frio e chuva, as alunas do colégio vestem uniformes em tons de verde escuro e apagado, com corte similar aos vestidos de Sarah, junto com um grande laço para os cabelos e um avental creme. O vestido, com golas largas bordadas e gravata, é acompanhado, no inverno, por um casaco de veludo com capa da mesma cor. Ela se repete nas roupas de todos os envolvidos no ambiente escolar, do professor de francês ao entregador de leite. O design de produção frisa isso tornando todos os ambientes sufocantemente verdes, através de outros elementos do cenário, como cristais, vasos, quadros e paredes. Não há dúvidas em relação a intenção de criar uma atmosfera fria, que transmite a sensação de rigidez.
Essa repetição de cor apenas vem a se alterar em relação a Srta. Minchin, que passa a vestir preto a partir de quando recebe um advogado do pai de Sarah, que porta más notícias. Dessa forma ela assume abertamente seu papel de opositora dentro do contexto escolar.
A pobreza é retratada sem cor. Tons de cinza passam a recobrir os trajes de Sarah, bem como as roupas de Becky. Nas ruas os famintos vestem marrons e pretos esfarrapados.
A esperança, nesse contexto, não é verde, e, sim, amarela. Ela é personalizada na figura do misterioso indiano Ram Dass (Errol Sitahal), que esporadicamente aparece na vida de Sarah, utilizando trajes nessa cor recobertos com bordados dourados. É ele o responsável pela surpresa que Becky e Sarah têm ao acordar e ver seu quartinho decorado e um café da manhã posto, com um lindo robe amarelo com detalhes em dourado e sapatilhas na mesma cor esperando cada uma. O amarelo remete ao antigo lar de Sarah e traz junto consigo a sensação de calor, aconchego e alegria. Quase pode-se sentir o cheiro da Índia que a menina deixou para trás.
Através da criação de um padrão de uso de cores e de sua repetição exaustiva, Juadianna Makovsky serve a todo o design planejado por Cuarón e cria uma ambientação com propósitos claros. Cuarón idealizou uma Índia através das lentes do exotismo com que era vista na época retratada e expressou-a através de cores quentes. Já a solidão, o medo e a frieza nova-iorquina aparecem representados no verde. Apesar de historicamente acurado, o que realmente importa nesse figurino são as sensações suscitadas por suas cores. Com cenas belíssimas e uso de cores inteligente, o filme já é um jovem clássico infanto-juvenil.
É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.