Visitando o país pela quinta vez, uma das vozes mais importantes do século 20 é o destaque da coluna Cineclipado desta semana. Bob Dylan iniciou a turnê no Rio de Janeiro, passou por Brasília e na noite de quinta-feira, 19, se apresentou para o público de Belo Horizonte. Da capital mineira, ele partiu para suas três últimas apresentações no país, duas em São Paulo e uma em Porto Alegre. Os cinéfilos podem se deliciar com a cenografia do palco, que remete aos filmes antigos de faroeste, onde bandas se apresentam tocando blues enquanto as pessoas se estranham e brigam entre um copo e outro de álcool. Até o próprio Dylan entra no clima com seus sorrisos misteriosos e liderando um grupo de eficientes músicos.
Como se trata de um artista com mais de 50 anos de carreira e mais de 30 discos de estúdio gravados, ficaria muito extenso dissecar completamente a relação de Dylan com o cinema, mas dá para apontar os principais momentos onde a música do cantor se cruzou com a sétima arte. O cantor, de 70 anos, atuou em Pat Garrett & Billy The Kid, de Sam Peckinpah, lançado em 1973. Além de ter um pequeno papel no filme, Dylan também ficou encarregado da trilha sonora, que inclui o hit “Knocking on the Heavens Door”. E 30 anos depois, Dylan participou do roteiro e estrelou Masked and Anonymous, de Larry Charles. O filme conta a história de um cantor decadente que precisa dar a volta por cima. Curiosamente, Jeff Bridges está no elenco e anos depois ganharia o seu Oscar interpretando um ex-astro da country music, em Coração Selvagem.
No final da década de 70, e envolvido na luta do boxeador Rubin “Hurricane” Carter contra uma injusta acusação de assassinato, Dylan estrelou e dirigiu Renaldo and Clara. Além de incluir cenas de arquivo com Carter, o filme mistura ficção com imagens de shows e documentário. O ponto alto do filme é a inclusão de boa parte das canções criadas por Dylan, incluindo “Hurricane” , que anos depois viraria tema da cinebiografia estrelada por Denzel Washington.
Dylan recebeu uma espécie de cinebiografia em Não Estou Lá, de Todd Haynes. Cate Blanchett, Christian Bale, Heath Ledger e mais três atores se revezam ao interpretar o cantor nos vários momentos diferentes de sua carreira. O mais curioso é a personificação feminina de Dylan, em uma performance arrebatadora de Blanchett.
Cameron Crowe, um cineasta apaixonado por música, costuma tocar músicas de Dylan ou citá-lo de um jeito ou de outro durante seus filmes. Em Jerry Maguire – A Grande Virada, de 1996, ele inclui “Shelter From the Storm”; Dylan é mencionado durante uma discussão séria entre os personagens de Quase Famosos, de 2000; mas é em Vanilla Sky que existe uma curiosa referência à capa do CD Freewheelin’ Bob Dylan, além da trilha sonora com “Fourth Time Around”. O personagem de Tom Cruise idealiza alguns de seus momentos especiais com Penélope Cruz, inspirado na foto de Dylan no disco.
A adaptação do livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby, também presta sua devida homenagem ao cantor com a inclusão das faixas “Tonight I’ll Be Staying Here With You” e "Most of the Time” na trilha. E, claro, Martin Scorsese também se rendeu ao trabalho de Dylan e tratou de comandar o longo documentário No Direction Home: Bob Dylan, de 2005. O material inclui a evolução do cantor durante a década de 60, de um simples cantor de folk para um artista que fazia protestos e acabou influenciando várias gerações de músicos, escritores e cineastas.
“Subterranean Homesick Blues”
A última contribuição de Dylan especialmente para o cinema foi em Garotos Incríveis, de Curtis Hanson. O filme foi lançado em 2000 e tem Michael Douglas, Tobey Maguire, Frances McDormand, Katie Holmes e Robert Downey Jr. no elenco. “Things Have Changed” chamou tanto a atenção que venceu o Oscar de Melhor Canção durante a premiação daquele ano. Inclusive, há quem considere a música como uma continuação de “The Times They Are a-Changin”.
“Things Have Changed”
Dentre as várias outras produções que utilizam canções de Dylan, talvez Watchmen, de Zack Snyder, seja a que mereça mais destaque. Além de “The Times They Are A-Changin” ser usada na abertura da adaptação de uma das HQs mais importantes de todos os tempos, o filme ainda usa covers de “Desolation Row” e “All Along the Watchtower”. Confira abaixo uma pequena seleção com algumas músicas e os respectivos filmes em que elas podem ser ouvidas:
- "Mr. Tambourine Man": Apesar de receber um agradecimento especial do jornalista Hunter S. Thompson, a música não foi incluída na trilha sonora de Medo e Delírio, de Terry Gilliam. A faixa está creditada em Distante Nós Vamos, de Sam Mendes; Código de Conduta, de F. Gary Gray; e Mentes Perigosas, de John N. Smith.
- "All Along the Watchtower": A música ganhou uma versão incrível de Jimi Hendrix, sendo que o próprio Dylan passou a tocar a cover em seus shows. Ela está em Watchmen, de Zack Snyder; O Elo Perdido, de Brad Silberling; Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor, de Steven Brill; Ligeiramente Grávidos, de Judd Apatow; Ali, de Michael Mann; Beleza Americana, de Sam Mendes; entre outros.
- "I Want You": A famosa canção que ganhou uma versão da banda mineira Skank está em Identidade, de James Mangold.
- "Blowin’ In The Wind": Uma das faixas mais conhecidas da carreira de Dylan recebeu uma versão especial de Stevie Wonder, que não deixou nada a desejar em relação à versão original. A faixa pode ser ouvida em Eu, Eu Mesmo e Irene, de Peter e Bobby Farrelly; Alta Tensão, de John Badham; e Forrest Gump, O Contador de Histórias, de Robert Zemeckis (aliás, "Rainy Day Women #12 & 35" também está na trilha).
- "Like a Rolling Stone": Eleita pela revista Rolling Stone como a canção mais importante do rock, a faixa já virou assunto de um livro de mais de 300 páginas e seus versos batizaram o documentário dirigido por Martin Scorsese e também uma biografia que foi lançada recentemente. Ela pode ser ouvida em Bem-vindo ao Jogo, de Curtis Hanson; Assassinos, de Richard Donner (na versão dos Rolling Stones); Em Nome do Pai, de Jim Sheridan; Contos de Nova York, vários; American Gaffiti - E A Festa Acabou, de Bill L. Norton; entre outros.
"Like a Rolling Stone"
Recentemente, foi anunciado que a produtora brasileira RT Features pretende realizar uma adaptação do disco Blood on the Tracks, de 1975, para o cinema. Ainda não se sabe os moldes do longa-metragem, mas fica a curiosidade para descobrir como “Tangled Up in Blue”, “Buckets of Rain” e “Idiot Wind” se transformarão em elementos do roteiro.
“Tangled Up in Blue”