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Jovens Clássicos: Se7en - Parte 3 Assinantes

Amigos do Cinema em Cena,

aí vai a terceira - e penúltima - parte do Jovens Clássicos sobre Se7en. Quando eu concluir a quarta parte, publicarei o texto completo na área aberta do site. Vocês puderam ler a análise enquanto eu a escrevia porque... ora, porque sem vocês eu não poderia escrevê-la. (Mas não compartilhem os textos com ninguém, ok?)

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E se ainda há alguém duvidando da importância do design de produção para a eficiência narrativa de Se7en, basta estudar outros detalhes como os pinheiros aromáticos pendurados no apartamento da Preguiça para disfarçar o cheiro, os neons vermelhos que banham o “inferninho” e a cama em que a Luxúria é encontrada (lembrando que a cor simboliza não só perigo, mas sentimentos como paixão e tesão) e, finalmente, as diminutas salas de interrogação que, filmadas lado a lado, ilustram a postura solitária, derrotada e oprimida dos dois detetives.

Como se não bastasse, o designer Arthur Max se diverte ao incluir pequenas rimas visuais na cenografia que remetem ao título do longa e aos pecados que inspiram os crimes: assim como John Doe marca a entrega da caixa para as 7 horas, Max já inclui o número várias vezes nos prédios vistos atrás de Somerset e Mills quando se conhecem e também na sala que dividem. Da mesma forma, é significativo que o apartamento no qual este último reside com a esposa seja o “5a", já que, na tradicional lista de pecados capitais, a quinta posição é ocupada justamente pela Inveja – aquele ao qual Doe alegará ter sucumbido ao matar Tracy.

Não menos importante, contudo, é o papel dos figurinos na concepção visual dos personagens: enquanto Somerset usa sempre roupas sóbrias e de corte mais antiquado (incluindo um chapéu), Mills surge mais moderno, vestindo jaquetas de couro que ressaltam não só sua juventude, mas sua natureza pouco conformista – mas com uma exceção importante, já que, na sequência do jantar, ele e Tracy são vistos com roupas claras, ilustrando não apenas a conexão do casal, mas o fato de que, ao lado da esposa, Mills é um homem visivelmente mais calmo. E já que mencionei como o design de produção incluía pequenas piadas temáticas, devo apontar também que o figurinista Michael Kaplan inclui uma gag particular no uniforme de prisioneiro usado por John Doe e que traz os dizeres “Bardach County Jail” numa homenagem a Elinor Bardach, que atuou no projeto como supervisora da execução dos figurinos.

Nenhum destes elementos seriam possíveis, porém, sem o brilhante roteiro de Andrew Kevin Walker, cuja estrutura é absolutamente irretocável. Adotando a estratégia de construir a trama em torno de uma contagem regressiva dupla (os sete crimes e os sete dias restantes antes que Somerset se aposente), Walker pontua o avançar do tempo ao marcar cada novo dia na tela, aumentando a tensão simplesmente ao lembrar o espectador de que a semana está passando. Além disso, ele emprega os diálogos de forma inteligente e econômica para marcar a hostilidade do universo que criou (como ao trazer Somerset explicando que vítimas de estupro devem gritar “Fogo!” em vez de “Socorro!”) e ao desenvolver seus personagens, já que Mills constantemente faz piadas e comentários que indicam sua imaturidade e sua natureza explosiva, contrapondo-o à maneira cautelosa e sóbria com que o companheiro se expressa. E mais: quando John Doe surge em cena pela primeira vez disfarçado de fotógrafo, o roteirista disfarça sua importância ao levar Somerset a explicar que jornalistas pagam bem por informações como locais de crimes – o que, por sua vez, é relevante também ao retornar em uma fala posterior do assassino quando este expõe como descobriu o endereço de Mills (“É perturbadora, a facilidade com que um membro da imprensa consegue comprar informações no seu distrito.”).

E o que dizer do instante aparentemente casual em que Walker não apenas traz uma conversa entre os dois detetives na qual estes discutem suas visões de mundo como ainda avisa o espectador acerca do desfecho da história (“Isto não vai ter um final feliz”, diz Somerset)? Já do ponto de vista puramente estrutural, é difícil não admirar a progressão da trama e da compreensão que temos acerca da magnitude dos planos do vilão, já que a primeira vítima é torturada por 12 horas, a segunda, durante todo um fim de semana e a terceira... por um ano. (O que, aliás, indica que Doe planejou para que fossem descobertas na ordem contrária à de suas mortes.)

Evitando cometer um dos erros mais comuns em filmes que giram em torno de serial killers (dar importância excessiva aos crimes e ignorar os personagens), o roteiro oferece aos atores material mais do que suficiente para que possam criar indivíduos complexos – e o elenco reunido por Fincher não desperdiça a oportunidade: recém-elevado ao topo da lista de atores mais requisitados de Hollywood depois de atuar ao lado de Tom Cruise em Entrevista com o Vampiro no ano anterior (quando também estrelou seu primeiro veículo como galã, Lendas da Paixão), Brad Pitt aqui ainda tateava em busca de um rumo definitivo para sua carreira. Demonstrando uma ambição maior do que a de ser apenas o galã no qual os estúdios queriam transformá-lo, ele converteu 1995 em um ano significativo ao iniciar sua parceria com Fincher neste Se7en e ao aceitar o posto de coadjuvante em Os 12 Macacos para trabalhar com Terry Gilliam, onde ofereceu uma boa performance repleta de tiques e maneirismos.

E é por isso que considero seu desempenho em Se7en mais complexo e interessante, já que ele concebe David Mills sem o uso de qualquer muleta de interpretação: se inicialmente podemos julgar o detetive arrogante e mesmo antipático, aos poucos Pitt permite que notemos sua insegurança e seu desejo consequente de impressionar o parceiro através de momentos como aquele no qual se mostra embaraçado ao atender um telefonema da esposa. Aliás, sua dinâmica com Gwyneth Paltrow é perfeita ao nos levar a perceber a cumplicidade juvenil do casal, que se trata com adjetivos como “idiota” e “perdedora” numa interação adolescente como provavelmente eram quando se conheceram. Quando Tracy diz que Mills era “engraçado”, por exemplo, Somerset naturalmente se espanta, mas o simples fato de naquele instante o rapaz estar rolando no chão com seus cães indica um lado infantil, doce, que ainda não havíamos visto.

Enquanto isso, Morgan Freeman traz o peso de sua voz grave e de seu rosto já mais experiente para estabelecer Somerset como um homem cansado do mundo à sua volta depois de passar a vida testemunhando atrocidades. Não à toa, ao visitar uma cena de assassinato nos primeiros minutos da projeção, ele irrita um colega ao perguntar se o filho da vítima havia testemunhado o crime – e é justamente esta sua característica, a de realmente se importar com as histórias pessoais das brutalidades que investiga, que o esgotaram a ponto de requisitar a aposentadoria. Freeman, aliás, retrata tão bem o cansaço do personagem com relação à violência que, quando diz que ainda não se “acostumou com armas”, acreditamos na afirmação mesmo sabendo que se trata de um policial veterano.

A dinâmica entre estes dois homens, como não poderia deixar de ser, se converte num dos principais arcos dramáticos do roteiro: inicialmente incomodados com o estilo um do outro, eles se mostram contrariados com a parceria até que – numa das cenas-chave do filme – Tracy convida Somerset para jantar, levando a um instante inesperado de leveza quando riem do incômodo provocado pelo metrô que sacode o apartamento. A partir daí, Mills e Somerset constroem uma cumplicidade crescente e dividem lembranças difíceis e opiniões acerca do mundo, mantendo, ainda assim, as posturas iniciais de veterano cínico e jovem otimista. O personagem de Freeman, em especial, logo se firma como a referência do espectador na trama – e quando diz nunca ter visto nada como aqueles crimes, compreendemos a seriedade da situação. Já o detetive vivido por Pitt, mesmo confrontado com as ações de John Doe, insiste em acreditar que há um propósito por trás de tudo e que ele será capaz de fazer alguma diferença – crenças que o filme logo se encarregará de destruir ao provar que o pessimismo de seu colega era justificado (ainda assim, é chocante constatar como até Somerset afunda nas ações de John Doe a ponto de nem mesmo seu metrônomo ajudá-lo mais a adormecer).

Para finalizar, há Paltrow como Tracy, uma personagem trágica do início ao fim. Esforçando-se para apoiar o marido, a jovem é cercada de solidão e desesperança, sendo frequentemente vista enquanto dorme, algo que sugere uma profunda depressão (e quando acorda, ela logo se descobre sozinha no apartamento). Embora apareça em poucas cenas, Tracy é, claro, uma figura fundamental para o impacto dramático que Se7en provoca no público e, assim, a performance da atriz se mostra instrumental: quando conversa com Somerset em um restaurante, ela demonstra uma vulnerabilidade tocante, mas também uma maturidade inesperada – e reparem, por exemplo, como ela reage quando o outro diz saber que ela era professora e perceberão a beleza e a sutileza de seu olhar, que indica sua percepção triste de que o marido não havia contado isto para o parceiro.

Complementando as atuações, há, obviamente, a direção de David Fincher, que ilustra a dinâmica entre todas aquelas pessoas através de seus enquadramentos e da própria mise-en-scène: logo no primeiro ato, por exemplo, ele estabelece a posição de autoridade de Somerset ao trazê-lo apresentando suas conclusões ao chefe, vivido por R. Lee Ermey – e, não por acaso, ele é o único a se manter em pé durante a maior parte da cena, estabelecendo sua dominância. No entanto, a estratégia mais interessante do diretor é aquela adotada para ilustrar a mudança na dinâmica entre os dois detetives: inicialmente combativos, eles se tornam mais cúmplices após o já mencionado jantar e passam a colaborar – algo que Fincher retrata ao frequentemente mostrá-los lado a lado e olhando na mesma direção quando confrontados por algo ou alguém (duas exceções notáveis encontram-se na cena em que escutam John Doe ao telefone e naquela em que encontram as digitais da Preguiça, quando Mills se vira para Somerset para perguntar se este já vira algo como aquilo, num momento que o cineasta usa para retratar o jovem quase como criança, olhando para cima com insegurança, enquanto conversa com o parceiro “adulto” - que também se posiciona acima dele durante a primeira exceção mencionada). Aliás, eles chegam até mesmo a adormecer apoiados um no outro enquanto esperam o resultado da análise das digitais (o técnico visto na cena, diga-se de passagem, é Alfonso Freeman, filho de Morgan).

Contudo – e todo padrão é criado para que possa ser quebrado em algum ponto, chamando a atenção para certa ideia -, finalmente Mills faz algo que choca Somerset, separando-os definitivamente, ao executar John Doe. E é então que Fincher rompe a lógica e traz dois planos significativos em sequência: primeiro, vemos um de costas para o outro enquanto Mills dispara em direção à câmera (mais sobre isso adiante) e, a seguir, eles surgem olhando em direções opostas, já completamente separados. E em ambos os planos, é Somerset quem surge menor, diminuído diante da ação que não conseguiu evitar.

 

 

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Um grande abraço e bons filmes!

Sobre o autor:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
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