Em setembro, a coluna Curta em Cena apresentou o trabalho do diretor tcheco Jiří Trnka, de A Mão (1965), mas há outro cineasta de mesma nacionalidade e igualmente fantástico que merece aparecer aqui. Jan Švankmajer, conhecido por aplicar seu surrealismo em sombrias, perturbadoras e ocasionalmente cômicas animações stop motion, começou sua carreira na década de 1960 e ainda está em atividade - seu filme mais recente é Surviving Life (Theory and Practice), de 2010 – tendo influenciado nomes como Terry Gilliam, Tim Burton e os irmãos Stephen e Timothy Quay.
Escuridão, Luz, Escuridão, curta-metragem de 1989, pode ser uma boa introdução à filmografia de Švankmajer e, como toda boa obra surrealista, está aberta a diferentes interpretações. Uma delas remete à origem bíblica do homem a partir da argila. A luz surge quando o processo de construção começa: a primeira parte animada do corpo é a mão, justamente a que cria, esculpe e transforma (no sentido metalinguístico, a mão do próprio diretor), indicando que o tato vem primeiro que todos os outros sentidos (visão, audição, olfato, paladar estão subordinados a ele).
A criatividade do filme vem à tona em momentos inspirados como o das orelhas com jeito de borboleta e a forma encontrada para conter a excitação do órgão sexual. É a partir desse momento que o resto do corpo pode ser montado na minúscula sala: infelizmente, a mão que cria, que dá consciência, nada pode fazer para alterar a claustrofóbica situação. Compor um ser humano é relativamente simples, mas ele é incapaz de viver plenamente em um mundo que o aprisiona, cerceia suas liberdades e o condena à escuridão finalmente.
Confira (há algumas cenas de “nudez” no curta):
“Para mim, animação é como mágica. Não se trata de fazer coisas se moverem, mas de fazer coisas ganharem vida. Isso é domínio da magia. E é o que eu sempre tentei atingir com meus filmes – não apenas mover objetos, mas dar vida a eles e explorar o interior de cada um” – Švankmajer
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