Há muito tempo, em um país muito, muito distante, a terra era povoada por samurais, mercadores, artesãos e fazendeiros e governada por um Imperador intermediado por governos militares locais. Séculos depois, nesse país chamado Japão, alguns diretores como Akira Kurosawa, criaram filmes memoráveis com esses personagens como protagonistas, influenciados pelo cinema clássico norte-americano. O gênero desses longas é o jidaigeki, literalmente “drama de época”. Em plena década de 1970, nos Estados Unidos, um jovem assistiu a essas produções e pensou em criar o seu universo do passado, com um imperador, o poderio militar e lutas de espadas envolvendo habilidosos espadachins, que não por acaso foram chamados de Jedi. Assim, o diretor George Lucas concebeu a primeira trilogia de Star Wars. O filme inicial, originalmente chamado de Guerra nas Estrelas e que posteriormente recebeu o subtítulo Uma Nova Esperança, foi lançado em 1977 e rapidamente se tornou um marco entre as obras de fantasia. O segundo longa, O Império Contra-Ataca, foi lançado em 1980 e o terceiro, O Retorno de Jedi (um bom exemplo de título mal traduzido), em 1983.
Uma Nova Esperança tinha recursos escassos em relação à escala da produção. O figurino foi concebido por John Mollo, inspirado pelas artes conceituais de Ralph McQuarrie. Mollo até então havia trabalhado como consultor, especialmente de uniformes militares, em filmes como Nicholas e Alexandra (1971) e Barry Lyndon (1975), cujo figurino foi analisado aqui. Esse foi seu primeiro trabalho como figurinista e lhe abriu as portas para outros projetos como Alien, o Oitavo Passageiro (1979), Gandhi (1982), Chaplin (1992) e O Enigma do Horizonte (1997). Mollo voltou a trabalhar com Lucas em O Império Contra-Ataca, mas foi substituído por Aggie Guerard Rodgers e Nilo Rodis-Jamero em O Retorno de Jedi, cujo figurino se desconecta, em partes, dos dois anteriores.
A paleta de cores desenvolvida por Mollo estabeleceu a dicotomia que permeia os três longas: não se trata apenas de uma luta do bem contra o mal, da Aliança Rebelde contra o Império, mas também uma luta entre a natureza e a tecnologia. Por esse motivo, os mocinhos e os povos que os apoiam utilizam marrons, laranjas, verdes e beges, todos tons terrosos. Por outro lado, os vilões dividem-se entre o uso de cinzas e preto. O branco, que também é ligado à tecnologia, é utilizado pelos dois lados, uma vez que ela não necessariamente é boa ou ruim, como afirmou o próprio George Lucas.
Luke Skywalker (Mark Hamill) começa o filme com uma espécie de robe bege, usado com calças, inspirado em quimonos masculinos. Já quando oficialmente se torna um piloto, utiliza o uniforme laranja da Aliança Rebelde.
Ele foge desse padrão no terceiro filme, onde já um jedi formado, veste uma camisa preta de corte ajustado com uma gola mandarim, bastante semelhante à dos militares do exército imperial. Tanto a cor quanto a modelagem servem ao fato de Luke estar sendo tentado a juntar-se ao lado sombrio da Força.
A mesma lógica se aplica à roupa de Obi-Wan “Ben” Kenobi (Alec Guiness), também com um robe bege inspirado em quimono, mas coberto por uma capa marrom, semelhante à túnica de um monge. Os tecidos possuem uma textura áspera, que mostram que o personagem só tem acesso a materiais bastante rústicos para se vestir nesses seus anos como eremita.
Os povos de diversos planetas aliados aos rebeldes também vestem roupas confeccionadas em tecidos rústicos e terrosos.
Han Solo (Harrison Ford), além de pirata, é um caubói espacial. O colete sobre a camisa um pouco aberta, as botas de cano longo e o coldre à cintura remetem à figura do imaginário estadunidense. As cores seguem a lógica já mencionada. No segundo filme, como capitão nas forças da Aliança Rebelde, ele incorpora uma jaqueta, mas volta ao colete no terceiro, em que já é general.
R2-D2 (Kenny Baker) é um robozinho arguto e leal, mas é C-3PO (Anthony Daniels) quem é mais próximo da humanidade (bom, ele é mesmo um androide) e por isso optou-se por utilizar nele um tom de dourado desgastado que o aproxima dos tons terrosos dos demais. O mesmo se aplica à pelagem de Chewbacca, vestida pelo ator Peter Mayhew, apesar do personagem andar nu.
Princesa Leia Organa (Carrie Fisher) é uma senadora e diplomata e sua posição social a coloca nos meios controlados pela tecnologia. Por isso não é contraditório que se vista de branco, com um tecido com aparência lisa e macia. O vestido de corte reto, de mangas longas e com um capuz, acompanhado dos coques da personagem são bastante marcantes. George Lucas, querendo aplicar uma lógica seletiva e machista ao seu universo fantasioso, insistiu que no espaço não existiam sutiãs e em virtude disso, Carrie Fisher teve seus mamilos presos por fitas para não aparecerem no tecido maleável. A sua baixa estatura, contrastando com a dos soldados ao seu redor, bem como o fato de ser uma princesa, poderiam levar o espectador a crer que se trata de uma convencional donzela em perigo. Mas Leia não deixa por menos e resiste à tortura e pega em armas pela causa que defende.
O branco vai continuar sendo utilizado por Leia em outros momentos, como no vestido com que condecora Luke e Han, nas roupas de frio que vestem em Hoth, o planeta gelado, e no macacão que usa ao fugir da cidade das nuvens, entre outros exemplos.
Seus cabelos são geralmente presos em penteados que envolvem tranças. A exceção é em Endor, planeta dos Ewoks, onde os deixa soltos, além de usar um vestido rústico, que a alinha com os demais.
É no terceiro filme que Leia é escravizada pelo mafioso Jabba e, submetida a ele, precisa vestir um biquíni de metal. Pessoas que estiveram nos bastidores da produção relatam que a peça era rígida e por isso não se adaptava aos movimentos da atriz e a deixava constantemente exposta. O tratamento diferenciado para a personagem que até então havia lutado lado a lado com os demais chama atenção. Han Solo, quando capturado e congelado em carbonita, permaneceu completamente vestido, por exemplo. George Lucas insistiu que a atriz não deveria ter dobras na pele quando estivesse estirada em frente a Jabba, e por isso ela precisou perder peso. A decisão desagradou Carrie Fisher que afirma que esse biquíni deve ser o que “as supermodelos usam no sétimo círculo do inferno”. Talvez por repensar o tratamento conferido à personagem, a Disney planeja excluir representações dela vestindo a peça em sua linha de produtos.
A ambiguidade do personagem Lando Calrissian (Billy Dee Williams), que aparece pela primeira vez em O Império Contra-Ataca, é expressa na sua roupa azul, que não se encaixa nos padrões de nenhum dos dois lados do conflito. Lando é um pirata e como tal faz o possível para sobreviver, sem se envolver em questões políticas maiores. Em O Retorno de Jedi, quando já é um General das tropas rebeldes, ele usa o uniforme cáqui, mas ainda veste uma capa azul.
O vilão Darth Vader (David Prowse, com voz de James Earl Jones) encarna o que é de mais avançado na ciência de então, uma vez que só permanece vivo em virtude de sua roupa, complementada pela máscara que utiliza para respirar. Em entrevista, Mollo declara que a imagem de Darth Vader é uma amálgama de diversos elementos: um macacão de motociclista, uma máscara de gás, botas de couro, uma capa de inspiração medieval alugada de uma casa de figurinos e, por fim, o icônico elmo. Segundo Mollo, ele foi inspirado nos capacetes utilizados pelos soldados alemães durante a Segunda Guerra Mundial, mas novamente é difícil negar a semelhança com os elmos utilizados por samurais.
Capacete do exército alemão na Segunda Guerra Mundial e exemplo de dois modelos de elmos de samurai
O uniforme dos militares do Império, conforme mencionado, tem túnicas em tons de cinza com golas mandarim. Junto com os uniformes brilhantes e brancos dos Stormtroopers, em suas diversas versões, que passam a impressão de impecabilidade e avanço tecnológico, eles compõem uma imagem de poderio militar e dominância, com uma rigidez que lembra a das tropas nazistas.
Com uma narrativa simples de jornada do herói, permeada por tropos como o do escolhido, da donzela em perigo, do caubói desapegado e do vilão que condensa todo o mal, além de elementos como o misticismo panteísta que compõe a Força, Star Wars conseguiu criar um universo que diverte gerações. Em uma história em que a guerrilha de floresta dos Ewoks derrota um exército equipado do Império, a relação de oposição entre natureza e tecnologia nesse vasto universo não poderia ser externada ao público de maneira mais simples do que através do figurino. Por isso, o trabalho de John Mollo é tão importante e suas criações se tornaram icônicas. O primeiro filme, Uma Nova Esperança, foi premiado com o Oscar de Melhor Figurino, além de Direção de Arte, Som, Montagem, Efeitos Especiais e Trilha Sonora para John William. O figurino de Mollo, aliado a todos esses elementos, ajudou a alçar Star Wars ao panteão das grandes fantasias da história do cinema.
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É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.