Para nós cinéfilos, nada dá mais prazer do que ouvir alguém falando apaixonadamente sobre filmes. Pode ser um crítico ou professor que admiramos pelo seu vasto conhecimento e também pode ser um diretor que parece ter visto todos os longas-metragens produzidos na história, como Martin Scorsese. Em outros casos, somos capazes de perceber nossa própria cinefilia representada em diferentes personagens das telas de cinema e gostamos de encontrar esses semelhantes que tratam a sétima arte quase como uma religião. Por isso, nesta coluna Clube dos Cinco, elegemos nossos cinéfilos preferidos.
A ROSA PÚRPURA DO CAIRO
The Purple Rose of Cairo, 1985
Diretor: Woody Allen
Durante a Depressão na década de 1930, Cecilia (Mia Farrow) é uma garçonete que mal consegue trabalhar, deslumbrada pelas tramas que assistiu repetidas vezes na enorme tela do cinema. Ao final do expediente, ela religiosamente compra seu ingresso e sua pipoca e mergulha em histórias em preto e branco que a distraem de sua vida difícil. Após perder o emprego e decidir dar um basta no marido abusivo, seu galã favorito literalmente quebra a quarta parede e foge de seu mundo cinematográfico, deixando o restante do elenco e o público inicialmente revoltados, mas depois curiosos pela experiência antropológica. O cinéfilo Woody Allen realizou seu filme dentro do filme, mais parecido com um teatro interativo (e extremamente metalinguístico).
A Rosa Púrpura do Cairo é uma reflexão sobre o imaginário ilusório dos espectadores diante das telas, refletida na duplicidade do personagem Tom Baxter e do ator Gil Shepherd (ambos interpretados por Jeff Daniels), mas ao mesmo tempo é uma homenagem à capacidade dos filmes de, ao menos durante algumas horas, apagar os piores dilemas e converter nossas lágrimas em sinceros sorrisos.
CINEMA PARADISO
Nuovo Cinema Paradiso, 1988
Diretor: Giuseppe Tornatore
Coroinha em uma vila siciliana, Totó (Salvatore Cascio) passou grande parte de sua infância no Cinema Paradiso, onde usufruía uma vivência coletiva intensa, crescendo entre inúmeras exibições de clássicos dos primórdios do cinema até filmes dos anos 50, como Os Tempos Modernos (1936), O Morro dos Maus Espíritos (1941), Abismo de um Sonho (1952) e Sete Noivas para Sete Irmãos (1954).
Trinta anos mais tarde, o agora cineasta Salvatore (Jacques Perrin) retorna de Roma à cidade natal para um último adeus a seu grande amigo Alfredo (Philippe Noiret), o meticuloso projecionista que contribuiu com ensinamentos valiosos para sua vida e carreira, uma figura paterna de suma importância que desejava para Totó um futuro mais ambicioso do que a sala de projeção. Salvatore rememora com muita nostalgia fragmentos de um grande amor e de seu passado repleto de eventos trágicos, sempre de alguma forma afetados por sua cinefilia. Cinema Paradiso levou o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira e sua cena final faz até os mais brutos lacrimejarem.
OS SONHADORES
The Dreamers, 2003
Diretor: Bernardo Bertolucci
Matthew (Michael Pitt) é um jovem norte-americano que vai estudar na França, onde conhece os irmãos gêmeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel). Em meio às revoltas estudantis de Paris em maio de 1968, o trio compartilha experiências sexuais e sua paixão pelo cinema, enclausurados na mansão após os pais saírem de casa. Eles falam sobre política, música e arte, mas principalmente sobre os filmes que tanto adoram.
O jogo preferido de Isabelle é encenar momentos icônicos do cinema clássico e instigar os amantes a identificarem as referências. Em uma dessas cenas a moça tateia a parede e olha no espelho como a personagem de Greta Garbo em Rainha Christina (1933). Vemos ainda Fred Astaire e Ginger Rogers dançando em O Picolino (1935), Marlene Dietrich em O Anjo Azul (1930) e em A Vênus Loura (1932), a morte de Tony Carmonte em Scarface: A Vergonha de uma Nação (1932) e uma homenagem à Nouvelle Vague em Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (1962) e Bando à Parte (1964), quando os três jovens correm pelo Louvre para quebrar o recorde de menor tempo percorrendo o museu. Além disso, é impossível esquecer a discussão apaixonada entre Theo e Matthew sobre quem é melhor: Charles Chaplin ou Buster Keaton!
PÂNICO
Scream, 1996
Diretor: Wes Craven
No metalinguístico Pânico e também nos dois longas seguintes, um personagem conquistou o público devido a sua cinefilia, principalmente por filmes de terror como A Morte Convida para Dançar (1980), Sexta-Feira 13 (1980), A Hora do Pesadelo (1984) e Halloween: A Noite do Terror (1978).
Randy Meeks, interpretado pelo comediante Jamie Kennedy, é um dos jovens da pequena cidade de Woodsboro que testemunha Sydney Prescott (Neve Campbell), por quem ele se sente atraído, receber estranhas ligações de um serial killer em busca de vingança. O psicopata faz perguntas relacionadas a produções de horror e Randy, que trabalha em uma locadora, entende que ele respeitará as regras do gênero, o que significa que existe uma forma de sobreviver aos ataques do assassino. Se não quiserem morrer, os “participantes” não devem, por exemplo, fazer sexo, usar drogas ou investigar barulhos estranhos na casa. E o mais importante: todos são potencialmente suspeitos (inclusive Randy com seu enorme conhecimento)!
OS IRMÃOS LOBO
The Wolfpack, 2015
Diretor: Crystal Moselle
Nesta lista, vimos o cinema ser tratado por alguns personagens como escapismo consolador e fonte máxima de prazer e informação. Já os jovens do documentário Os Irmãos Lobo (que são pessoas reais e não exatamente personagens, mas entram na lista mesmo assim pela fascinante história de cinefilia) encaram a sétima arte de uma maneira absolutamente única.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance deste ano, o filme acompanha seis irmãos, filhos de pais superprotetores, que em 14 anos raramente saíram do apartamento em que moravam em Manhattan. Todo o conhecimento que eles adquiriram sobre a vida e o mundo de fora veio dos longas que assistiram juntos. Para se divertirem, eles passaram a reencenar com precisão momentos clássicos de diferentes produções, decorando diálogos inteiros e treinando determinados gestos feitos pelos personagens. Com a ajuda de figurinos e objetos improvisados, os irmãos recriaram e transformaram cenas de obras como Os Suspeitos (1995), O Balconista (1994), O Mariachi (1992), A Bruxa de Blair (1999) e Cães de Aluguel (1992), que inspirou o cartaz do documentário.
Menções Honrosas
* Woody Allen em Sonhos de um Sedutor (1972), de Herbert Ross
* Dean Cameron em Curso de Férias (1987), de Carl Reiner
* Austin O'Brien em O Último Grande Herói (1993), de John McTiernan
* Johnny Depp em Ed Wood (1994), de Tim Burton
* Mads Mikkelsen em Bleeder (1999), de Nicolas Winding Refn
* Björk em Dançando no Escuro (2000), de Lars von Trier
* Thomas Mann e RJ Cyler em Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer (2015), de Alfonso Gomez-Rejon
* Jack Black e Yasiin Bey em Rebobine, Por Favor (2008), de Michel Gondry
* O grupo de Fanboys (2009), de Kyle Newman
* Karl Glusman em Love (2015), de Gaspar Noé
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