Amigos do Cinema em Cena;
não há como negar que tenho sido bastante relapso com relação à nossa Conversa de Cinéfilo. Inicialmente, eu havia prometido escrever uma nova coluna a cada semana, mas, com o passar do tempo, a distância entre nossos “bate-papos” foram aumentando, aumentando... e agora constato, envergonhado, que a última edição da coluna foi publicada ainda em fevereiro.
Bom, tenho algumas “desculpas” engatilhadas, como sempre: a estréia do programa Cinema em Cena, que apresento e roteirizo, passou a ocupar uma grande parcela de tempo e... bom... não interessa, eu estou errado. Sei disso. Façamos um acordo: assistirei a As Aventuras de Alceu e Dentinho mais umas três vezes, como punição. Creio que vocês concordarão que estou sendo até rigoroso demais comigo mesmo... J
E fica a promessa de voltar a escrever com maior regularidade – se possível, até mesmo semanalmente. (Sou mesmo um cara-de-pau...).
Mas vamos falar de um assunto que atraiu minha atenção recentemente... (eu estava com saudades de dizer isso).
ADEUS A PAULINE KAEL
Quando fechei o roteiro do programa Cinema em Cena desta semana, ainda havia uma coisa pendente: a crítica de A.I., que eu deveria assistir nesta quarta-feira. E eis que nesta terça-feira, 4 de setembro, eu leio a notícia de que Pauline Kael falecera aos 82 anos. É difícil expressar como fiquei abalado por isso. Na verdade, tão abalado que decidi não falar sobre um filme específico no programa que irá ao ar nesta sexta-feira e, ao invés disso, manifestar publicamente meu amor por esta incrível mulher.
Parte de minha decisão, devo confessar, reside no fato de que sei que a grande maioria das pessoas (no Brasil, ao menos) nunca ouviu falar de Pauline Kael. E esta é uma injustiça colossal que merece ser reparada.
Em poucas palavras: Pauline Kael foi, simplesmente, a crítica de cinema mais influente que já existiu. Mais do que Roger Ebert, Gene Siskel, Leonard Maltin, Andrew Sarris ou qualquer outro que se possa imaginar. Digo mais: ela foi a verdadeira criadora de uma crítica absolutamente inovadora, através da qual o crítico manifesta não apenas uma opinião fria sobre o filme em questão, mas também sua interpretação (subjetiva e detalhada) do mesmo. São célebres, os artigos de Kael. Sua crítica sobre Nashville, por exemplo, foi concebida de forma tão genial e inspirada que a Paramount a reproduziu, na íntegra, em diversos outdoors espalhados pelos Estados Unidos. Já a resenha sobre Caminhos Perigosos pode ser tranqüilamente responsabilizada por alavancar definitivamente a carreira de Martin Scorsese.
Tamanha era a visão de Pauline Kael.
OS ANOS 70
Para sorte do cinema, Pauline Kael iniciou sua carreira na década de 60 – e, assim, quando a década de 70 chegou, esta crítica genial estava a todo vapor. Por que digo isso? É simples: foi Kael quem primeiro chamou a atenção para a efervescência criativa do cinema produzido nesta década, descobrindo (e impulsionando) a carreira de nomes como Brian De Palma, Francis Ford Coppola, Scorsese e Robert Altman, entre diversos outros. Além disso, depois de trabalhar nos bastidores de Hollywood como produtora, a convite de Warren Beatty (que também deve, em parte, sua carreira a ela), Pauline escreveu um artigo que pode ser considerado profético sobre o caráter cada vez mais comercial da “meca” do Cinema: Why Are Movies So Bad? Or The Numbers, cuja leitura é obrigatória para qualquer um que pretenda trabalhar neste meio.
Seus artigos eram verdadeiros tratados sobre os filmes abordados, e sua inspirada (e sensata) visão jamais deixavam escapar o aparecimento de novos talentos (ela também foi uma das primeiras a salientar o talento de Robert De Niro). Sem medo de redigir na primeira pessoa – algo que é considerado pecado mortal no meio jornalístico -, Pauline Kael transmitia inequivocamente sua paixão pelo Cinema. E mais: ela dizia, apropriadamente, que a função do bom crítico era a de discutir e ressaltar o que certos filmes traziam de novo e significativo para a 7ª Arte, além de explicar para o espectador como certos filmes manipulavam as emoções do público de forma desleal, técnica, sem realmente provocar sentimentos verdadeiros.
PERDA PESSOAL
Para mim, particularmente, a morte de Pauline Kael é uma tragédia tão grande quanto as recentes despedidas de Jack Lemmon e Anthony Quinn, já que foi lendo 1001 Noites no Cinema, uma coletânea de suas resenhas, que percebi pela primeira vez como o Cinema poderia ser mais do que um simples entretenimento. Foi com Pauline que aprendi a nunca ter medo de falar na primeira pessoa ao redigir meus artigos – algo que até hoje é condenado pela maior parte dos críticos brasileiros.
No entanto, eu não tenho a pretensão de dizer que sou o único “órfão” de Pauline Kael. A verdade é que esta mulher genial influenciou toda uma geração de cinéfilos – e é por isso que sua partida deixa um sentimento de perda tão grande entre aqueles que conheceram seu trabalho.
Ela não era uma grande estrela de Hollywood, não deixou sua marca na calçada da fama, não tinha uma legião de tietes e nem foi premiada com o Oscar (embora pudesse ter sido uma grande cineasta se assim desejasse). Mas a sua importância para o Cinema é inegável – e seu legado, impossível de descrever com palavras.
Pauline foi simplesmente essencial.
Um grande abraço e bons filmes.
05 de Setembro de 2001