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GERTRUD Cinema em Streaming

A dica de hoje vem da lembrança de uma época dos primórdios da internet: interessar por cinema nos anos 90 vivendo em cidade de interior era basicamente ter à disposição apenas aquilo que as videolocadoras ofereciam em VHS, o que certamente não era pouca coisa, mas as lacunas nunca seriam preenchidas, pois somente filmes novos eram lançados (e mesmo assim muitos não eram comprados pelas locadoras locais), salvo um relançamento ou outro. A TV por assinatura não era uma opção tão viável (por aqui, ao menos em termos de oferta e custo; eu nunca tive) e somente anos depois seria possível finalmente estar diante de certas obras, tanto com a chegada do DVD quanto com os arquivos para download.

Os filmes do dinamarquês Carl Theodor Dreyer por muito tempo fizeram parte dessas lacunas pra mim. Nem mesmo o clássico absoluto por excelência, O Martírio de Joana D’Arc, sobre o qual tanto lia a respeito em publicações de cinema, tinha por aqui. Isso me veio à mente quando vi que Gertrud, o último filme do cineasta, 20 e tantos anos depois que pela primeira vez desejei assisti-lo e não podia, estava a um clique de distância. Em alta qualidade, bastando uma boa internet, mas sem download, de forma legal e GRATUITO. A facilidade de acesso é proporcional a quantidade de ofertas e estímulos que temos hoje, o que traz obviamente dificuldades novas e de outra ordem pra que cinéfilos e interessados por cinema não aproveitem o que meu Eu adolescente teria considerado inadmissível que não aproveitassem. Mas é um dos motivos da existência do Cinema em Streaming, né verdade?

 

Não é preciso ter visto os filmes anteriores do Dreyer (embora, claro, VEJAM) pra apreciar a beleza inacreditável de Gertrud, mas talvez num primeiro contato possa causar um estranhamento, pela aparente simplicidade da obra: Gertrud pensa em deixar o marido por um homem mais jovem; um antigo amor ressurge; deixar um casamento talvez não seja tão fácil e, pior dos pesares, o amor que cada personagem nutre talvez não seja de igual correspondência no outro. Os atores recitam seus textos quase que num tom monocórdio, olhando sabe-se lá pra onde, pois não se encaram, não há contraplanos, as longas sequências os mostram quase sempre de frente ou de perfil. Ou seja, muito próximo do teatral. Ainda assim, parece inevitável se interessar pela história narrada, muito pela qualidade do texto, toda a trajetória da personagem título e as decisões que toma pelo caminho. Assiste-se com um certo prazer, ainda que não se esteja acostumado com esses aspectos “não naturais”.

Um olhar mais atento (ou numa revisão), no entanto, e o espectador irá perceber como o cineasta eleva o todo com elementos essencialmente cinematográficos. Tanto a movimentação da câmera quanto a montagem parecem revelar camadas de significados para o que é dito e para o que é enquadrado em cena – e aqui, chamo a atenção para as diversas pinturas/quadros que decoram os ambientes, e reforçam a importância que o diretor dá a Palavra (não por acaso o título de outra obra miraculosa sua), lugar privilegiado em detrimento da ação. Como que os principais eventos e acontecimentos, que supostamente deveriam mover a trama, estão basicamente fora de cena, e ainda assim o filme transborda de emoções e sentimentos, é o segredo que deixo pra vocês descobrirem.

 

Gertrud (1964) está disponível na FILMICCA e, por enquanto, pode ser visto por não assinantes, como parte do Menu Degustação da plataforma. Outros filmes de Carl Theodor Dreyer no serviço (para assinantes): O Vampiro (1932), Dias de Ira (1943) e A Palavra (1955).

O Martírio de Joana D’Arc (1928) pode ser visto no Belas Artes à La Carte e no Telecine Play.

 

 

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Sobre o autor:

Gosta de cinema pra valer desde os 14 anos, já teve videolocadora e agora vê uns filmes nos streamings que mataram seu negócio. Twitter: @helioflores
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