Já tinha um tempo que eu queria rever Marjorie Prime, um filme que vi no Festival do Rio de 2017 e que ficou na memória como uma experiência que valia a pena retornar. Algo, aliás, que tá no cerne da própria obra. Foi aí que percebi que o primeiro longa do diretor Michael Almereyda, Twister (1989), também constava no catálogo da Amazon Prime.
Almereyda é um desses cineastas pouco vistos, com uma carreira subvalorizada, de filmes muito distintos, inesperados e até difíceis de identificar um estilo, mas admirada em certos círculos. Twister não é nem um filme que eu indicaria com muito entusiasmo, embora mereça ser visto em especial por aqueles que têm boa relação com um cinema americano feito nos anos 80 que se propunha a retratar a sociedade da época com personagens excêntricos e esquisitos ou um humor francamente bizarro. Penso no Jonathan Demme de Totalmente Selvagem, no Zemeckis de Carros Usados ou ainda no Hal Hartley, já no início dos anos 90, mas que também fez seu primeiro longa em 1989. É o ano em que Sexo, Mentiras & Videotape ganhou o Festival de Cannes e começou a sedimentar um certo cinema independente que, com o passar do tempo, fez do excêntrico e do esquisito uma espécie de grife.
Twister foca numa família rica “disfuncional” com o sempre incrível Harry Dean Stanton de patriarca, e seus dois filhos adultos fracassados: uma que passa os dias bebendo, dando pouca atenção a filha pequena, e o outro esquisito e sentimental, artista que passa os dias fazendo sons experimentais (vivido pelo Crispin Glover, ótimo pra variar nesta que é sua especialidade); ambos querem ir atrás da mãe que pouco sabem a respeito. E há o pai da criança que volta para resgatar a filha e a ex mulher “desta casa de loucos”. Todo o humor vem de como o absurdo das situações e modos de se comportar e reagir dos personagens são inesperados, mas uns dois níveis abaixo do que se esperaria desse tipo de filme. O ponto negativo é que nunca chega num ápice, uma sequência de maior de destaque. O positivo é que acaba revelando aqui e ali momentos de alguma ternura e os traumas deixados pelas relações paternas. Neste sentido, é quase um proto-Tenembaums. Um último comentário: a sinopse do filme é um tanto enganadora, já que ao contrário de seu homônimo mais famoso dos anos 90, Twister não tem em um tornado uma grande ameaça na trama.
Muito melhor e a principal recomendação é mesmo Marjorie Prime (2017), um belo filme focado basicamente em conversas entre quatro excelentes atores, na maior parte do tempo apenas numa combinação entre dois deles. Uma trama futurista em que programas de computador são usados para assumir a forma de alguém que já morreu e, aprendendo sobre esta pessoa, servir de companhia/conforto para os que sofrem com a perda. Neste caso, uma idosa de 85 anos (Lois Smith) tendo a possibilidade de conversar com o seu marido morto, mas materializado mais jovem (Jon Hamm), para reviver o início do relacionamento. Geena Davis faz a filha do casal e Tim Robbins seu marido.
Todo o filme é ancorado, e aparentemente só poderia funcionar assim, na capacidade desses atores de darem vida a um texto teatral que consiste basicamente de rememorar e descrever situações, humores e conflitos passados entre personagens. Mas Almereyda decupa cada sequência com um cuidado que acaba por amplificar os principais momentos. É algo mais fácil de se perceber quando num filme em que os diálogos significam tanto, até os silêncios causam algum impacto.
Uma obra sobre nosso apego com o passado, sobre as memórias (fabricadas ou não) que nos constituem, sobre a dificuldade de lidar com a perda. Nessa revisão me chama a atenção como o relato que fazemos do outro às vezes parece mais importante que o outro em si. E viver o presente é sempre uma tentativa de atualizar o passado.
Twister e Marjorie Prime estão disponíveis na Amazon Prime.
Outros filmes de Michael Almereyda disponíveis no Brasil são Cymbeline (2014) na GloboPlay e O Experimento de Milgram (2015) para aluguel e compra na Apple TV.
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