É verdade que há ainda um longo caminho para que a diversidade e representatividade entre os realizadores no cinema estejam num nível minimamente aceitável – da pluralidade na concepção e condições de produção à possibilidade de distribuição. Daí que é preciso chamar a atenção quando dois belos filmes nacionais, que são os primeiros longas de um jovem cineasta negro e de uma jovem cineasta mulher, ambos tendo adolescentes como protagonistas, chegam nas plataformas mais populares do país.

As semelhanças entre Cabeça de Nêgo (2020) e Mate-me Por Favor (2015) param por aí. O primeiro, de Déo Cardoso, parte de questões diretamente ligadas à vivência do jovem negro no sistema educacional do país: o protagonista dá início a um protesto ocupando a escola pública em que estuda, ao ter sofrido uma ofensa racista em sala de aula, um posicionamento de revolta influenciado pelo contato que tem com o pensamento dos Panteras Negras e outros pensadores revolucionários, material fornecido por uma de suas professoras (numa bonita alusão ao papel do professor como agente transformador); o uso de smartphone e redes sociais será essencial para a mobilização que deseja dos estudantes, numa escalada que, como filme político, passará por temas pertinentes a esta realidade incorporando-se nos dramas, na ambientação (as condições físicas e simbólicas da escola) e nos diálogos, e como filme de ação, alcança proporções épicas rumo ao final, quando o espectador já está com suas emoções e sentimentos sequestrados pelo envolvimento com a obra, embora catarse e posicionamentos não sejam necessariamente o objetivo último. O que é sempre positivo quando se trata de questões tão delicadas e fortes, com respostas longe de serem fáceis.

A realidade das adolescentes de Mate-me Por Favor é um tanto diferente, não só porque se trata de estudantes brancas de um colégio na Barra da Tijuca, mas a proposta da cineasta Anita Rocha da Silveira é de capturar nosso interesse através de uma atmosfera misteriosa, sem necessariamente dar as respostas que esperamos quando se trata da típica trama de um serial killer a solta ameaçando as vidas daquela região. O que interessa aqui é, através da morbidez de sua história e da atração que sua protagonista tem pelos assassinatos, acompanhar o turbilhão que se passa pelo corpo e mente em transformação de adolescentes mulheres; fascínio pela morte e sexualidade, afinal, talvez não estejam tão distantes assim. O filme se beneficia bastante quando foca na relação das jovens amigas, mas pode não ser tão interessante para os mais impacientes, pois a cineasta tem uma predileção pela (per)duração das cenas, pela estilização do horror e violência. Para os que estão dispostos e abertos a experiências mais desafiadoras, pode ser recompensador o formalismo da obra, a serviço do espaço geográfico e de um clima etéreo catalizadores de medo e desejo.

Cabeça de Nêgo está disponível na GloboPlay e Mate-me Por Favor está disponível na Netflix e Reserva Imovision.

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