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VIVENDO NO LIMITE Cinema em Streaming

A dica de hoje é pra tentar reparar uma injustiça. Afinal, por que Vivendo no Limite é tão pouco comentado dentro da filmografia de Martin Scorsese? É verdade que todo filme do homem é recebido como um grande evento, e mesmo quando um desagrada a vários, outros tantos defendem com fervor. E este filme tem, sim, seus fãs, mas a impressão que me passa é que é tratado como algo “menor”, quando acho estar entre seus melhores.

Por exemplo: Vivendo no Limite é o único longa de ficção do Scorsese dos anos 90 que não teve nenhuma indicação ao Oscar, algo que só viria ocorrer novamente em 2010, com Ilha do Medo, e mesmo este teve alguns reconhecimentos e prêmios importantes de crítica; este é um dos poucos filmes do diretor que nunca foi lançado em blu-ray (entre seus longas de ficção, junto apenas com Depois de Horas, de 1985, e dois do início dos 70, Quem Bate à Minha Porta e Alice Não Mora Mais Aqui); o ano de seu lançamento, 1999, é sempre lembrado como um grande ano para o cinema, em especial o americano, mas os cinéfilos citam 20, 25, até 30 obras antes de lembrar dele - e arrisco dizer que boa parte desses já perdiam em comparação na época e hoje mais ainda.

Então falando da época em que foi lançado: talvez uma decepção com o retorno da parceria entre o cineasta e Paul Schrader como roteirista numa história sobre alguém possivelmente em paranoia e delírio dirigindo à noite por Nova York (neste caso, um Nicolas Cage insone como socorrista numa ambulância lidando com todo tipo de acidente mortal pelas ruas menos glamourosas da cidade), o que criou expectativas de um novo Taxi Driver (1976), quando os traumas e dilemas vividos pelo protagonista não têm a grandiosidade e urgência do Travis Bickle, de Robert De Niro, e seus delírios são recorrentes aparições de fantasmas que o atormentam unicamente por um sentimento de culpa injustificável e que, por isso, mais difícil de ser sentido pelo público. Taxi Driver recompensa o espectador com uma explosão de violência e amargura, trazendo à tona um ressentimento da sua época com traumas da guerra; Vivendo no Limite é “apenas” um homem exausto tentando achar algum sentido na vida através de qualquer esperança na humanidade.

É esta exaustão e esperança que parecem dar um novo sentido ao filme, visto hoje num mundo pós-pandemia. O protagonista está rodeado de morte e dor, uma empatia excessiva que lhe priva da própria vida, um cansaço que não cessa pois não está em seu poder acabar com tanto sofrimento. E ele não dorme. Absurdos quando ditos neste contexto não são nada absurdos, como tentar acalmar uma pessoa em surto garantindo que o matará num quarto de hospital, oferecendo opções de como deseja ser morto, ou chegar no trabalho atrasado propositalmente todo dia e descobrir que não será demitido, pra seu desespero, pois é o que ele mais quer. Mas ao mesmo tempo não consegue deixar de trabalhar. Num dos momentos mais fortes do filme, o peso de não conseguir salvar vidas é aliviado ao dar fim em uma, num gesto que até mesmo substitui quem utiliza um aparelho respiratório. E ele segue em frente, numa generosidade que às vezes não parece fazer sentido, num sofrimento que parece não lhe pertencer.

 

O filme me parece, portanto, uma obra para nossa época. Scorsese e Schrader equilibram o todo com doses de humor que, juntamente com a trilha sonora e a fotografia de Robert Richardson, tornam a experiência bem menos depressiva do que poderia ser. O caos de um Pronto Socorro, as luzes e ruas silenciosas de NY, as alternâncias entre frenesi e cansaço que Nicolas Cage lida tão bem, as suas interações com colegas de trabalho tão distintos entre si, sua relação seja com a personagem da Patricia Arquette ou com o fantasma da jovem que representa sua frustração, tudo é tão fascinante quanto exaustivo nas duas horas de filme, que termina num tom muito mais positivo e bonito do que se esperava. Exaustão é o que se passa com o Frank Pierce, de Cage, e acredito que é o que atualmente se passa com muitos de nós também.

 

Vivendo no Limite (Bringing out the Dead, 1999) está disponível no Star Plus.

Os filmes de Martin Scorsese disponíveis nos streamings do Brasil:


Quem Bate à Minha Porta (Who’s That Knocking at My Door, 1967): aluguel/compra na Apple TV

Sexy e Marginal (Boxcar Bertha, 1972): aluguel/compra na Apple TV

Caminhos Perigosos (Mean Streets, 1973): aluguel/compra na Apple TV e Google Play

Alice Não Mora Mais Aqui (Alice Doesn’t Live Here Anymore, 1974): Globoplay, aluguel/compra na Apple TV

Taxi Driver (idem, 1976): Telecine Play, Oldflix, NOW, aluguel/compra na Apple TV

New York, New York (idem, 1977): Oldflix

Touro Indomável (Raging Bull, 1980): Amazon Prime, aluguel/compra na Apple TV e Google Play

O Rei da Comédia (The King of Comedy, 1982): Belas Artes à La Carte, Globoplay

Depois de Horas (After Hours, 1982): aluguel/compra na Apple TV e Google Play

A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986): Star Plus

A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988): NOW, aluguel/compra no Google Play

Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990): HBO Max, aluguel/compra na Apple TV e Google Play, compra na Microsoft

Cabo do Medo (Cape of Fear, 1991): NOW, aluguel/compra na Apple TV e Google Play

A Época da Inocência (The Age of Innocence, 1993): Netflix, aluguel/compra na Apple TV

Cassino (Casino, 1995): NOW, aluguel/compra na Apple TV

Gangues de Nova York (Gangs of New York, 2002): Star Plus, NOW

O Aviador (The Aviator, 2004): HBO Max, aluguel/compra na Apple TV e Google Play

No Direction Home: Bob Dylan (idem, 2005): NOW

Os Infiltrados (The Departed, 2006): HBO Max, aluguel/compra na Apple TV e Microsoft

Shine a Light (idem, 2008): aluguel/compra no Looke e Google Play

Ilha do Medo (Shutter Island, 2010): Netflix, HBO Max, Telecine Play, NOW, aluguel/compra na Apple TV (inclusive 4k) e Microsoft

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011): aluguel/compra na Apple TV e Microsoft

O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013): Amazon Prime, HBO Max, aluguel/compra na Apple TV e Looke

Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese (idem, 2019): Netflix

O Irlandês (The Irishman, 2019): Netflix

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Sobre o autor:

Gosta de cinema pra valer desde os 14 anos, já teve videolocadora e agora vê uns filmes nos streamings que mataram seu negócio. Twitter: @helioflores
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