Vamos a dicas nos streamings de mais uma categoria de prêmios da Academia, com alguns comentários. Lembrando que o ano do Oscar sempre me refiro ao de produção dos filmes e não da cerimônia (que é sempre no início do ano seguinte).
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– Melhor Documentário e Animação
Os indicados ao Oscar 2021 de Melhor Filme Internacional são:
Drive My Car, Japão (idem): a partir de 01/04 na MUBI Brasil
Fuga, Dinamarca (Flee): ainda não disponível
A Mão de Deus, Itália (The Hand of God): Netflix (inclusive em 4k)
A Felicidade das Pequenas Coisas, Butão (Lunana: A Yak in the Classroom): ainda não disponível
A Pior Pessoa do Mundo, Noruega (The Worst Person in the World): ainda não disponível
A categoria de Melhor Filme Internacional, que já foi chamada de Filme Estrangeiro, de Língua Não-Inglesa, Língua Estrangeira, etc, só surgiu em 1956, quando a Academia finalmente decidiu que o resto do planeta existe e faz filmes. Por que não reconhecer a excelência de alguns deles, não é verdade? Nos nove anos anteriores, até houve um “Oscar Honorário/Especial” dado a um filme estrangeiro, exceto em 1953 quando aparentemente não houve filme falado em outra língua que fosse digno de nota.
Mas a 29ª edição do Oscar anunciou a nova categoria e desde então sempre com cinco indicados, um por país. A regra básica: cada país escolhe um filme que o representará na categoria; este filme precisa ter sido lançado oficialmente nos cinemas do seu próprio país na data estabelecida, mas não precisa passar nos cinemas nos EUA; caso tenha estreia comercial lá, também estará elegível para as demais categorias do Oscar. Melhor caso pra explicar: Cidade de Deus estreou no Brasil em 2002, foi escolhido como o representante do país, mas não conseguiu ser indicado a Melhor Filme Estrangeiro na cerimônia realizada no ano seguinte. Porém, por ter sido lançado comercialmente nos EUA apenas em 2003, o filme se tornou elegível para os prêmios do ano seguinte (mas não em Filme Estrangeiro, claro), e conseguiu indicações em Direção, Roteiro Adaptado, Montagem e Fotografia.
No fim das contas, se já é bastante discutível a excelência dos melhores do cinema americano de acordo com a Academia, não vale nem a pena começar uma problematização com a categoria destinada aos filmes de língua não inglesa: existe quase como um gesto simbólico, de abertura para um reconhecimento mínimo daquilo que não faz parte de sua indústria, com todos os problemas decorrentes das regras estabelecidas, e que não são poucos e quase sempre ocorrem.
Ao longo da história, filmes foram penalizados e excluídos pelos mais diversos motivos: a co-produção que faz a equipe de uma obra ter mais profissionais de um país do que daquele que representa (Um Lugar no Mundo* em 1992 se tornou o primeiro e único filme a ser indicado e cancelada a indicação logo depois, pois representava o Uruguai quando quase todos eram argentinos); a exigência de que o inglês seja minimamente usado no filme, o que levou a desclassificação recente do nigeriano Lionheart (2018), sendo que o inglês é um dos idiomas oficiais do país; ou a polêmica e recusa da Academia em 2002 de aceitar a indicação de Intervenção Divina, de Elia Suleiman, por não reconhecer a Palestina como um país (o que não impedia a Academia de aceitar filmes de Hong Kong ou Taiwan, por exemplo), algo que foi forçada a reconhecer no ano seguinte, mesmo sob protestos de grupos israelitas (desde então dois filmes palestinos já foram indicados, ambos do cineasta Hany Abu-Assad, Omar em 2014 e O Paraíso é Agora em 2005, este disponível na Amazon Prime e Belas Artes à La Carte); e, claro, a limitação de um filme por país, para desgosto dos países que têm não só uma produção mais robusta, mas também de maior visibilidade e penetração no mercado e que considera injusto ter que escolher apenas um concorrente para representá-lo.
* apenas legendas em espanhol na Amazon Prime
O Oscar de 2007 é um bom exemplo de um pouco de tudo que é problema com esta categoria: a França tinha três grandes obras “oscarizáveis” e decidiu pela animação Persépolis como representante, vindo de um Prêmio do Júri no Festival de Cannes, e que acabou não sendo indicada (porém, foi lembrada em Melhor Animação); essa escolha do país foi às custas de Piaf: Um Hino ao Amor, que acabou por levar os prêmios de Atriz e Maquiagem, e de O Escafandro e a Borboleta, que apareceu indicado em quatro categorias importantes (Direção, Roteiro, Montagem e Fotografia - as mesmas de Cidade de Deus, aliás). Na mesma ocasião, outros sucessos internacionais foram recusados pela Academia, como o israelense A Banda, penalizado pelo próprio mote da trama (por se tratar de protagonistas israelenses em contato com egípcios a comunicação tinha que ser feita pelo inglês, e Israel escolheu outro filme, Beaufort, que acabou sendo indicado); o Leão de Ouro de Veneza, Desejo e Perigo (disponível na MUBI Brasil, Belas Artes à La Carte e Amazon Prime), do super premiado Ang Lee, não pôde representar Taiwan pois considerado pouco envolvimento de taiwaneses; e a Palma de Ouro em Cannes, o romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, e que venceu vários prêmios da crítica americana como Melhor Filme Estrangeiro, também ficou de fora, mas neste caso apenas porque o comitê responsável se chocou com o filme - por muito tempo, a categoria ficou à mercê de membros da Academia de mais idade, aposentados e conservadores (na ocasião de Cidade de Deus, muitos teriam abandonado a sessão por conta da violência e não duvido que o mesmo tenha acontecido com o filme de Cristian Mungiu), pois era preciso estar presente na maior parte das sessões de cinema que a Academia fazia para os mais de 60 representantes de países (atualmente já passam de 90) e posteriormente comprovar ter visto os cinco indicados e, por isso, são décadas de indicações e vencedores que pouca gente lembra.
Com a expansão da Academia convidando cada vez mais profissionais de todos os cantos do mundo, a tendência será de prestigiar mais filmes em outros idiomas: nos últimos quatro anos, seis cineastas foram indicados em Direção por filmes falados em outras línguas, com dois sendo vencedores, Alfonso Cuarón e Bong Joon-Ho. E, claro, o coreano Parasita (2019) se tornou o primeiro em outro idioma a levar o Oscar de Melhor Filme, algo que só ocorreu no 92º ano de premiação. Claro que nada disso importa para o público, e produtores e países lutam por essa indicação ao Oscar de Filme Internacional, um “selo” que ainda significa algo para a bilheteria e o alcance de várias obras.
Aqui estão todos os vencedores do Oscar de Filme Internacional disponíveis atualmente nos streamings brasileiros:
Ladrões de Bicicleta, Itália (Ladri Di Biciclette, 1948): Telecine Play, Oldflix, Amazon Prime (apenas em SD)
Rashomon, Japão (idem, 1950): Belas Artes à La Carte
A Estrada da Vida, Itália (La Strada, 1954): Sesc Digital (gratuito)
Noites de Cabíria, Itália (Le Notti Di Cabiria, 1957): Telecine Play, Looke (apenas em SD) e NetMovies (apenas em SD)
Meu Tio, França (Mon Oncle, 1958): MUBI Brasil, Telecine Play
Orfeu Negro, França (idem, 1959): Amazon Prime, Looke, Oldflix, aluguel/compra na Apple TV
A Fonte da Donzela, Suécia (The Virgin Spring, 1960): Looke, NetMovies
8½ de Fellini, Itália (8½, 1963): Telecine Play
Ontem, Hoje e Amanhã, Itália (Ieri, oggi, domani, 1963): Looke, NetMovies
Trens Estreitamente Vigiados, Tchecoslováquia (Closely Watched Trains, 1966): Belas Artes à La Carte
O Discreto Charme da Burguesia, França (Le Charme Discret de La Bourgeoisie, 1972): Oldflix
Amarcord, Itália (idem, 1973): Looke, NetMovies
Dersu Uzala, União Soviética (idem, 1975): Belas Artes à La Carte
Madame Rosa - A Vida à Sua Frente, França (La vie devant soi, 1977): Looke (apenas em SD) e NetMovies (apenas em SD)
O Tambor, Alemanha (The Tin Drum, 1979): Looke, NetMovies
Moscou Não Acredita em Lágrimas, União Soviética (Moscow Does Not Believe in Tears, 1980): Belas Artes à La Carte
Mephisto, Hungria (idem, 1981): FILMICCA
A História Oficial, Argentina (La Historia Oficial, 1985): Netflix
Pelle, O Conquistador (Pelle the Conqueror, 1987): Belas Artes à La Carte
Cinema Paradiso, Itália (Nuovo Cinema Paradiso, 1989): Oldflix, aluguel/compra na Apple TV
Indochina, França (Indochine, 1992): Amazon Prime
A Vida é Bela, Itália (La vita è bella, 1997): Oldflix, aluguel/compra no Google Play e Microsoft
Tudo Sobre Minha Mãe, Espanha (Todo sobre mi madre, 1999): MUBI Brasil, NOW, aluguel/compra na Apple TV e Microsoft
O Tigre e o Dragão, Taiwan (Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2000): Star Plus, NOW, aluguel/compra na Apple TV
Infância Roubada, África do Sul (Tsotsi, 2005): Star Plus, Starzplay, aluguel/compra na Apple TV
A Vida dos Outros, Alemanha (The Life of Others, 2006): Amazon Prime, Sesc Digital (gratuito, disponível até 31/03/2022)
Os Falsários, Áustria (The Counterfeiters, 2007): Amazon Prime
O Segredo dos Seus Olhos, Argentina (El secreto de sus ojos, 2009): Amazon Prime, Looke, NOW, aluguel/compra na Apple TV e Google Play
A Separação, Irã (A Separation, 2011): Reserva Imovision, aluguel/compra na Apple TV
Amor, Áustria (Amour, 2012): Reserva Imovision, NOW, aluguel/compra na Apple TV
A Grande Beleza, Itália (La grande bellezza, 2013): Looke, aluguel no Google Play, aluguel/compra na Apple TV
Filho de Saul, Hungria (Son of Saul, 2015): aluguel/compra na Apple TV e Google Play
O Apartamento, Irã (The Salesman, 2016): Belas Artes à La Carte
Roma, México (idem, 2018): Netflix (inclusive em 4k)
Parasita, Coréia do Sul (Parasite, 2019): Telecine Play, NOW, aluguel/compra na Apple TV (inclusive em 4k) e Google Play
Druk: Mais uma Rodada, Dinamarca (Druk, 2020): Telecine Play, NOW, aluguel na Amazon Prime, aluguel/compra no Google Play
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