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Festival de Berlim 2025 - Dia #01 Festivais e Mostras

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Dia 1

1) O Cinema de Tom Tykwer é repleto de humanidade – ou, ao menos, de um esforço para retratar a humanidade de seus personagens, incluindo seus aspectos menos nobres. Dos flashforwards de Corra, Lola, Corra à obsessão do protagonista de Perfume, incluindo as histórias múltiplas e entrelaçadas de A Viagem e Sense8 (estes dois últimos co-dirigidos pelas irmãs Wachowski), o cineasta alemão constantemente costura com eficácia narrativas complexas e ginásticas visuais instigantes – e muito disso pode ser visto em Das Licht, seu novo trabalho que abriu a 75ª. Berlinale:  oscilando entre o drama familiar e o comentário social - com pitadas de realismo mágico (ou de metafísica, dependendo do modo como o espectador enxerga o mundo) – o filme é ambicioso em sua proposta, embora por vezes tropece em sua execução.

Aliás, há muito de Sense8 na meia hora inicial de projeção, quando o longa nos apresenta a vários personagens aparentemente desconectados entre os quais a montagem salta com fluidez, usando movimentos de câmera ou a própria mise-en-scène (este coloca um chapéu; aquele coloca um capacete) para criar transições que sugerem uma ligação ainda não esclarecida – e que, inicialmente enigmática, logo se revela (e não se tratam de spoilers; está na sinopse do projeto): todos – ou quase todos - são membros de uma mesma família.

Jon (Julius Gause) é um gamer profissional cuja especialidade é um jogo que envolve a passagem por portais; sua irmã gêmea Frieda (Elke Biesendorfer) passa as noites com amigos, buscando uma identidade própria em um grupo que parece agir como um organismo simbionte; Milena (Nicolette Krebitz), a mãe, dedica-se a um projeto de conscientização política através do teatro na África; e o pai, Tim (Lars Eidinger), é um publicitário que trabalha em uma agência tentando vender uma imagem mais humanizada de grandes corporações através de campanhas de amplo alcance. Com uma dinâmica claramente disfuncional prejudicada pela falta de comunicação, a família passa a experimentar transformações com a chegada de Farrah (Tala Al-Deen), uma imigrante síria que passa a trabalhar na casa dos Engels e que, com um passado enigmático cujos tons trágicos são apenas sugeridos, toca cada uma daquelas pessoas de um modo particular – o que, de modo indireto, toca também na hipocrisia confortável de indivíduos que, mesmo pregando por uma sociedade mais justa que combata as desigualdades, acabam por se mostrar apáticos em seu próprio cotidiano.

E é justamente essa hipocrisia que Tykwer explora com mais profundidade ao ilustrar a desconexão (mais uma) entre ideais e ações: Milena, tão preocupada com as crianças do continente africano, parece alheia às dores de seus próprios filhos, enquanto Tim, um intelectual de esquerda cujas paredes são cobertas por frases de confronto ao status quo, ganha a vida facilitando o trabalho das corporações em sua exploração contínua de recursos naturais e do Estado. Frieda, por sua vez, parece confundir contestação e autodestruição, ao passo que Jon, bem-sucedido no mundo virtual, não tem coragem de se encontrar pessoalmente com uma garota pela qual demonstra interesse.

E a todos se contrapõe Farrah, com sua realidade dura, sua história triste e sua solidão.

Para explorar estas questões, Tykwer toma algumas decisões criativas curiosas, investindo em passagens carregadas de realismo mágico, de liberdades poéticas e até de elementos sobrenaturais – o que inclui sequências em que o longa quase se transforma em um musical (e se eu digo “quase” é porque Emilia Pérez deixou claro como há um segmento do público só aceita como “musical” algo que tenha coreografias elaboradas, uma direção de arte estilizada e músicas com rimas certinhas – e Das Licht (ou A Luz) nem se aproxima de alcançar estes quesitos). Dito isso, as diferentes abordagens estéticas – que chegam a incluir alguns minutos de animação – nem sempre criam um todo coeso, gerando resultados irregulares e cuja artificialidade por vezes nos tiram do universo do filme em vez de reforçar suas teses.

Passando das 2 horas e 40 minutos de projeção, o longa também soa autoindulgente em vários momentos, especialmente na hora final, quando as peças começam a se encaixar como se o espectador já não tivesse sido capaz de montá-las mentalmente há um bom tempo – e o clímax, que deveria ser impactante, acaba soando previsível e, em alguns momentos, até ingênuo e sentimentalista (no pior sentido da palavra). Aliás, sou capaz de apostar que, caso tivesse sido exibido em Cannes, o filme teria sido recebido com fortes vaias (algo que sempre julgo de uma babaquice tremenda, por sinal).

Apesar destes tropeços, Das Licht conta com sua parcela de momentos marcantes – e há uma imagem em particular (que não revelarei para evitar spoilers) — que é absurdamente angustiante e que carregarei na memória por um bom tempo. São em momentos como este que Tykwer comprova sua habilidade como contador de histórias e seu talento para provocar um impacto emocional muitas vezes inesperado no público.

É bastante provável que este filme não chegue ao fim do festival como um de meus favoritos, mas a experiência de vê-lo foi instigante o bastante para torná-lo memorável.

13 de Fevereiro de 2025

Sobre o autor:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
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