Lou Reed nos deixou no último domingo, dia 27 de outubro de 2013, aos 71 anos. Letrista, compositor e cantor, líder da banda The Velvet Underground entre 1964 e 1970 e dono de uma carreira solo que atravessou décadas, ele influenciou e influencia gerações de músicos e apreciadores da boa música. Várias homenagens tem sido feitas a Reed nos últimos dias, e nós não poderíamos deixar de prestar um tributo a esse fantástico artista.
No IMDb, Reed é creditado 152 vezes (até o momento) pelo uso de suas músicas em filmes e séries de TV, sem contar seus créditos como ator, fazendo participações como ele mesmo, notavelmente em Tão Longe, Tão Perto, de Wim Wenders, e Geração Prozac, de Erik Skjoldbjærg, cujas trilhas também contam com algumas de suas músicas. Para este Clube dos Cinco, nós selecionamos cinco canções do vasto repertório de Reed que tornaram especiais as cenas em que elas tocam – uma pequena amostra do poder que suas composições exerceram também sobre diversos cineastas.
“Sweet Jane” – por Renato Silveira
Escrita por Lou Reed e gravada originalmente pelo Velvet Underground para o álbum Loaded, de 1970, “Sweet Jane” passou a fazer parte do repertório solo do músico, tornando-se uma de suas mais conhecidas canções. Ganhou versões cover ao longo das décadas e apareceu em vários filmes. O mais recente a utilizá-la é também o que faz melhor uso dela.
Em O Voo (2012), de Robert Zemeckis, podemos ouvir “Sweet Jane” na cena em que Nicole (papel de Kelly Reily) faz uso de heroína em seu apartamento. É o tipo de trilha sonora que serve para ilustrar a situação e representar a personagem, como se fosse sua música-tema. Afinal, a "versão narcótica" usada no filme é interpretada pela banda Cowboy Junkies (numa versão muito elogiada pelo próprio Reed, vale dizer) e a letra fala sobre uma mulher que nunca consegue realizar seus sonhos.
Aliás, a trilha de O Voo possui outros clássicos do rock que servem como temas para os personagens. O traficante vivido por John Goodman é acompanhado de “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, e o protagonista, o piloto alcoólatra e viciado em cocaína que deu a Denzel Washington mais uma indicação ao Oscar, fica com “Feelin' Alright”, de Joe Cocker.
Ouça aqui a versão original e confira, abaixo, o clipe original dos Cowboy Junkies para "Sweet Jane":
“Sweet Jane” também foi usada em Um Parto de Viagem (2010), Coisas que Perdemos Pelo Caminho (2007), Geração Prozac (2001), Perigosa Atração (1998), Assassinos por Natureza (1994) e Por Trás Daquele Beijo (1992), além de episódios das séries CSI, True Blood, Crossing Jordan e Lei e Ordem.
“Perfect Day” – por Antônio Tinôco
Em 1972, “Perfect Day” foi lançada no álbum Transformer, o segundo disco gravado em estúdio por Lou Reed. Na música, o cantor fala de um dia perfeito em que bebe sangria no parque, alimenta animais no zoológico e se esquece de todos os problemas na companhia de algo que não é explicitado pela letra. Por isso, existem muitas maneiras de interpretar a canção. Uma delas diz que “Perfect Day” se refere a algum par romântico de Reed, mas é possível enxergar a composição de uma forma um pouco mais provocativa.
Certas pessoas acreditam que o vocalista estava falando de sua relação com a heroína, entorpecente que possibilitaria a perfeição do dia. Esse significado da música fez com que o diretor Danny Boyle a escolhesse para integrar a trilha sonora de Trainspotting - Sem Limites (1996), filme sobre a vida de jovens viciados na droga.
A canção de Lou Reed, não muito conhecida até ser usada no longa, surge em um dos momentos mais marcantes da narrativa. Ouvimos a composição justamente quando o personagem de Ewan McGregor passa por uma overdose, chegando a afundar literalmente no piso do apartamento em que está. Inconsciente, ele é arrastado por escadas e ruas até ser completamente abandonado na porta de um hospital. Com isso, os acontecimentos da cena ganham uma dimensão irônica ao serem contrastados com a letra sobre um dia tão excelente.
Ouça aqui, na íntegra.
E não é apenas em Trainspotting - Sem Limites que “Perfect Day” pode ser ouvida. A música faz parte da trilha sonora de Geração Prozac (2001), dirigido por Erik Skjoldbjærg, e parece combinar muito bem com o trailer de Você é o Próximo (2011), do diretor Adam Wingard.
“Oh! Sweet Nuthin'” – por Heitor Valadão
Stephen Frears pode não ser uma unanimidade entre os críticos. É justo inclusive dizer que sua carreira teve altos e baixos, mas convenhamos: não é fácil fazer um filme interessante e divertido sobre um homem egoísta que se dirige ao espectador em seus monólogos intermináveis sobre seus relacionamentos falidos. Mas o diretor, muito bem acompanhado pelo ator John Cusack, tirou isso de letra em Alta Fidelidade (2000).
O já saudoso Lou Reed acompanhou as desventuras do DJ Rob Gordon quando este recebe a péssima notícia que sua recente ex-namorada está dormindo com outro homem. Nada mais resta ao pobre Cusack que sentir o vazio embalado por “Oh! Sweet Nuthin'” enquanto sente o amargo gosto da rejeição.
Ouça aqui a versão original.
“Oh! Sweet Nuthin'” está no lado B original do disco Loaded, de 1970, e também pode ser escutada em Zumbilândia (2009), Distante Nós Vamos (2009), Suck (2009) e O Pentelho (1996).
“Stephanie Says” – por Luísa Gomes
Não é só da paleta de cores marcantes, planos plongée e um elenco recorrente que se faz a filmografia de Wes Anderson. O diretor também tem uma obsessão com a escolha da trilha sonora perfeita. Especificamente na trilha de Os Excêntricos Tenenbaums, nós temos uma junção de grandes nomes da música como Ramones, Nico, Beatles, Elliott Smith e Bob Dylan.
Mas dificilmente outra banda se encaixa melhor no conceito do filme do que The Velvet Underground. Quando o grupo liderado por Lou Reed surgiu, era considerado estranho e peculiar por ser experimental. Todas essas características podem ser percebidas na família liderada pelo desajustado Royal Tenenbaum (Gene Hackman).
Na cena em que Royal finalmente consegue o perdão de Richie Tenenbaum (Luke Wilson) por ter sido um pai ausente, somos embalados ironicamente pelos versos “Stepanhie says that she wants to know/ Why she’s giving half her life to people she hates”, da música “Stephanie Says”.
Ouça aqui, na íntegra.
Originalmente gravada em 1968, mas lançada oficialmente apenas em 1985, "Stephanie Says" também está na trilha do romance L'amour, l'argent, l'amour (2000), dirigido por Philip Gröning.
“I Found a Reason” – por Renato Silveira
Também integrante do álbum Loaded, de 1970, do Velvet Underground, “I Found a Reason” foi escrita por Lou Reed e é uma balada romântica que fala (como já indica o título) sobre encontrar uma razão para viver. E essa razão é a pessoa amada.
A versão usada em V de Vingança (2005) difere bastante da original. É um cover famoso gravado por Cat Power, que transformou a canção numa balada melancólica (sem deixar de ser romântica) ao piano. No filme, a música ser como tema para a despedida de Evey, personagem de Natalie Portman, após sua “transformação”. Enquanto ela anuncia seu adeus, V (Hugo Weaving) escolhe a canção em sua jukebox e diz que já escutou todas as músicas do aparelho, mas nunca dançou ao som de nenhuma delas. Mais tarde, Evey retribuirá essas palavras, como um alento e uma elegia. “Uma revolução sem dança é uma revolução que não vale a pena.”
Ouça aqui a versão original e, abaixo, a versão de Cat Power:
“I Found a Reason” também foi usada nas trilhas sonoras de Livrando a Cara (2004), Dandelion (2004) e A Vida Secreta dos Dentistas (2002).
MENÇÃO HONROSA
"Walk on the Wild Side"
Tida como a música mais famosa da carreira de Lou Reed, "Walk on the Wild Side" é a que possui o maior registro de uso em filmes. Gravada em 1972 para o segundo álbum solo de Reed, Transformer, e inspirada no livro homônimo de Nelson Algren (adaptado para o cinema em 1962 e intitulado, no Brasil, como Pelos Bairros do Vício*), a canção possui diversos personagens inspirados em pessoas com quem o músico conviveu.
No cinema, ela já foi usada em: A Família da Noiva (2005), A Sombra de um Homem (2002), Hedwig - Rock, Amor e Traição (2001), Prova de Fogo (1998), Brincando de Seduzir (1996), Georgia (1995), As Idades de Lulu (1990), Quase Sem Destino (1990), Tempo Quente na Cidade (1987), Underground U.S.A. (1980) e Times Square (1980). E é deste último que deixamos a cena em que a música toca:
Ouça aqui, na íntegra.
*Curiosamente, Pelos Bairros do Vício foi indicado ao Oscar de Melhor Canção Original por "Walk on the Wild Side" - mas, claro, trata-se da versão de Elmer Bernstein e Mack David, que nada tem a ver com o hit de Lou Reed. A música é usada na excelente abertura do filme, criada por Saul Bass. Veja aqui.
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