Em fevereiro, o Clube dos Cinco listou cinco filmes lançados direto em DVD que mereciam uma chance nos cinemas - confira a relação aqui, caso tenha perdido. Agora é hora de mais uma leva de títulos que os distribuidores brasileiros preferiram colocar nas prateleiras das locadoras sem dar aos cinéfilos a oportunidade de vê-los na telona antes (a não ser em festivais).
O Abrigo (Take Shelter, 2011, dir.: Jeff Nichols - Sony Pictures), por Renato Silveira
Você tem um bom emprego, uma boa casa, uma mulher que te ama, uma filha inteligente, mora numa cidade tranquila... Mas algo está errado. Em O Abrigo, Michael Shannon (Possuídos, Foi Apenas um Sonho) interpreta um operário que passa a ser atormentado por visões, como uma terrível tempestade que se aproxima de sua casa, homens misteriosos que o perseguem e pessoas próximas que se voltam contra ele. Com histórico de esquizofrenia paranóide na família, o protagonista cogita estar ficando louco, mas não se afasta de sua obsessão: ampliar o abrigo subterrâneo em seu quintal para manter sua família a salvo do apocalipse que supostamente se aproxima.
Em um início de carreira promissor, o diretor americano Jeff Nichols faz em O Abrigo um estudo de personagem que lembra um pouco o também ótimo Shame. O filme é uma análise de um homem que vive sob uma condição terrível e da qual ele não consegue se livrar por conta própria. Mas, além disso, O Abrigo funciona como comentário social de uma época em que a insegurança é um assombro constante na vida dos americanos e assume as mais variadas formas: a violência, a crise financeira, os ataques terroristas. O chefe de família vivido por Shannon (que mais uma vez entrega uma performance intensa) tem então seu senso de proteção transformado num transtorno obsessivo, o que acaba por fragilizá-lo.
Apesar de todos os prêmios e elogios que recebeu mundo afora, O Abrigo foi ignorado nos cinemas brasileiros e foi parar direto nas locadoras. Mas o público não pode ignorá-lo também. É um grande filme, que ainda conta com Jessica Chastain (A Árvore da Vida, Histórias Cruzadas) no elenco, e já está disponível em DVD e Blu-ray.
Coriolano (Coriolanus, 2011, dir.: Ralph Fiennes - Califórnia Filmes), por Heitor Valadão
Uma das grandes marcas do mestre William Shakespeare é sua capacidade de contar histórias recheadas de elementos atemporais e que tornam um conto passado na Roma dos cesares tão atuais quanto os conflitos que ocorrem hoje no Oriente Médio. É o caso de Coriolano, primeiro longa-metragem dirigido por um dos melhores atores da atualidade, Ralph Fiennes, mais conhecido do público por filmes como A Lista de Schindler, O Paciente Inglês e, claro, o Lorde Voldemort da franquia Harry Potter.
Coriolano leva o conto de mesmo nome da Roma Antiga para conflitos sangrentos filmados na Sérvia, onde o heróico General Caio Márcio oprime o povo, a quem considera ignorante, com mão de ferro. As pessoas se revoltam e, com a ajuda dos políticos de plantão, expulsam Caio. Em seu desejo por vingança, o banido militar une forças a seu maior inimigo, o rebelde Tullus Aufidius, vivido por Gerard Butler (300), para que juntos eles invadam e coloquem Roma a seus pés.
Como toda trágica história de Shakespeare, traições, dúvidas e sede de sangue impulsionam esta segura estreia de Fiennes, além de um elenco de primeira que conta com Brian Cox (Zodíaco), Vanessa Redgrave (Desejo e Reparação) e Jessica Chastain (A Árvore da Vida).
Footloose (2011, dir.: Craig Brewer - Paramount), por Tullio Dias
Footloose é um daqueles remakes que são aceitáveis. Justamente por conta de ter uma temática focada no comportamento dos jovens, muitos costumes mudaram desde o lançamento da produção original nos anos 80, época em que os protagonistas Kevin Bacon e Sarah Jessica Parker começavam as suas carreiras. Ainda que a inocência e o charme de Footloose tenham se perdido, a refilmagem dirigida por Craig Brewer (Ritmo de um Sonho, Entre o Céu e o Inferno) cumpre bem o seu papel de entreter e divertir com uma história que pode ser novidade para a grande maioria.
Os mais saudosistas não precisam se preocupar em correr o risco daquela lendária abertura do filme original ter ficado de fora da nova versão. Brewer, como um fã de Footloose, sabia bem da importância de manter a sequência com a câmera focando os pés dos dançarinos e fez uma homenagem à cena, que infelizmente não consegue repetir o mesmo efeito. Outra cena famosa que ganha uma releitura é a famosa dança solitária no galpão. A maior diferença - além do fato de que a música usada realmente combina com alguém que está querendo buscar uma forma de extravasar a raiva - é que a performance de Kenny Wormald é bem menos afetada e completamente livre de todo o espírito oitentista que domina a dança de Bacon.
Sem ousar muito e sendo extremamente fiel ao material do filme de 1984, Brewer chega bem próximo de repetir a estratégia de Gus Van Sant na refilmagem de Psicose, de Alfred Hitchcock. A sua sorte é que a história bobinha de Footloose e o seu clima sonhador ainda funcionam bem o bastante para agradar o público que aprecia a versão original e também os "dançarinos de primeira viagem".
Jane Eyre (2011, dir.: Cary Fukunaga - Universal), por Larissa Padron
Uma história de amor no século 19 que passa por obstáculos como diferenças de classes e preconceitos da sociedade não é nenhuma novidade. Mas uma história dessas que faz você sentir de verdade cada momento de angústia e felicidade dos personagens já merece mais crédito.
E se o diretor consegue fazer essa conexão entre você e personagens que possuem obstáculos que parecem tão antiquados e costumes que estão infinitamente distantes, é porque Cary Fukunaga foi extremamente cuidadoso em contextualizar sua narrativa para o público, desde a construção dos complexos personagens (OK, créditos para Charlotte Brontte, escritora do livro) à belíssima e sutil direção de arte e fotografia.
Naturalmente, em um filme com personagens tão fortes, os créditos também merecem ir para o elenco: Judi Dench e Michael Fassbender, incríveis como sempre, e Mia Wasikowska, cuja eterna expressão de sofredora com um leve sorrisinho cai bem ao papel. E não podemos deixar de falar do principal elemento que faz a história ser tão tocante, ainda hoje: o amor, aquele que já conhecíamos dois séculos atrás e continuaremos conhecendo por muitos outros.
E são todos esses créditos que tornam incompreensível que Jane Eyre tenha ido direto para as prateleiras da locadoras - um filme que de tão sensível, consegue te entregar gentilmente uma bela crítica social, sem você nem notar.
Código de Honra (Puncture, 2011, dir.: Adam Kassen, Mark Kassen - Focus Filmes), por Tullio Dias
Que tipo de exemplo o Capitão América daria para as crianças se aparecesse usando drogas e transando com várias profissionais do sexo em um filme qualquer? Nada bom, certo? Talvez seja este o motivo que levou o polêmico Código de Honra direto para o mercado de homevideo e (quase) totalmente fora do radar dos cinéfilos. Uma completa injustiça, já que o thriller inspirado em uma história verídica é eletrizante e prende o espectador facilmente.
A produção foi finalizada antes do lançamento de Capitão América: O Primeiro Vingador, mas acabou seriamente ofuscada. Chris Evans apresenta seu potencial de ator sério e mostra que pode ser mais do que o galã ou algum maluco super-poderoso (lembre-se que o ator também deu vida ao Tocha-Humana, do Quarteto Fantástico). Aliás, não que o elenco secundário seja ruim, mas é Evans quem carrega o filme todo nas costas. O ator (e também diretor do filme) Mark Kassen até que faz um belo trabalho interpretando o parceiro de Evans. O mesmo pode ser dito do personagem de Brett Cullen (do seriado Lost), que é de um cinismo fora de série.
Código de Honra começa apresentando uma jovem enfermeira cuidando de sua família e logo depois sendo vítima de um acidente no trabalho e contraindo o vírus HIV. Ela acaba contratando os serviços da dupla de advogados vividos por Evans e Kassen, que descobrem o quanto a indústria farmacêutica estava mais interessada em lucrar do que preservar a vida dos enfermeiros e médicos. Como se não bastasse ser uma luta impossível de ser vencida, Mike Weiss (Evans) ainda é dependente químico e gasta seu tempo livre comprando drogas e consumindo junto de "colegas" e prostitutas.
Durante o filme inteiro, fica a impressão de que algo mais sério acontecerá e que alguém ficará seriamente ferido ou até mesmo será assassinado. A produção não deixa a bola cair e graças ao charme e carisma de seu protagonista mantém o espectador atento para o desenrolar da de uma verdadeira disputa entre Davi e Golias.
Menção Honrosa
Em Busca de um Assassino (Texas Killing Fields, 2011, dir.: Ami Canaan Mann - Califórnia Filmes), por Renato Silveira
São vários os exemplos de filhos de cineastas famosos que seguem o caminho dos pais e também se tornam diretores. Sofia Coppola, filha de Francis Ford Coppola, diretor de O Poderoso Chefão, talvez seja o exemplo mais facilmente lembrado pelos cinéfilos – situação inversa a de Ami Canaan Mann, filha do renomado Michael Mann, diretor de filmes como Fogo Contra Fogo, O Informante e O Último dos Moicanos. Ela lançou no ano passado seu segundo longa-metragem, Texas Killing Fields, que chegou ao Brasil direto em DVD com o título Em Busca de um Assassino.
Como o nome indica, trata-se de uma história policial, e o filme segue bem o gosto dos trabalhos do pai da cineasta dentro do gênero. A diretora tem nas mãos uma trama clássica de serial killer, que deixa o público na expectativa de reviravoltas e descobertas que levem os policiais a capturar o criminoso. No entanto, o filme faz bem ao se esquivar desse esquema narrativo e Ami Canaan conduz a história com propriedade, sem vícios de linguagem, numa clara influência do pai.
O filme corre em um tom anti-climático, é verdade, o que pode frustrar o espectador. Mas além da boa direção, Em Busca de um Assassino conta com ótimas atuações de Jeffrey Dean Morgan (Watchmen), Sam Worthington (Avatar) e Jessica Chastain (A Árvore da Vida). Sem falar que possui uma trilha sonora de muito bom gosto e pouco comum em filmes policiais. Vale a pena dar uma chance.
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