Aproveitando a estreia de Precisamos Falar Sobre o Kevin, nesta edição da coluna, nós relembramos cinco filmes protagonizados por garotos problema. Vamos à lista?
Eric e Alex – Elefante (2003), por Heitor Valadão
Tudo parece normal no dia a dia de diversos alunos das mais variadas personalidades nos primeiros minutos do filme. A câmera segue, na maior parte do tempo, a chegada do estudante vivido por John Robinson ao colégio. Ele encontra amigos e convive normalmente com os colegas. Não parece ser um dos garotos mais populares, mas também não é um excluído. É simplesmente mais um. Depois que ele cumpre algumas tarefas e nós conhecemos alguns dos outros alunos, voltamos a John, que se dirige à saída da escola. De passagem, ele brinca com o cachorro de um colega... A velocidade da cena é brevemente diminuída... como se marcasse o momento que, depois daquilo, nada mais seria o mesmo. E entram em campo duas figuras, os atores Eric Duelen e Alex Frost, carregando diversas mochilas e sacolas, vestindo trajes negros e camuflagem.
John: Ei, o que vocês estão fazendo?
Alex: Você deveria sair rápido daqui e não voltar. Algo muito ruim está para acontecer.
E este, caro leitor, é um dos mais assustadores diálogos de todos os tempos. Eric e Alex são as versões cinematográficas de Eric Harris e Dylan Klebold, os dois estudantes da Columbine High School que mataram 12 alunos e um professor, deixaram pelo menos 21 feridos e depois cometeram suicídio. Mas o mais assustador ao mostrar o dia a dia de garotos como Eric e Alex é que não há traumas violentos ou comportamento fora do comum. Eric e Alex jogam videogame, tocam piano, têm convivência tranquila com certos colegas, sofrem nas mãos de um ou outro valentão, mas nada parece justificar o que os leva a uma matança que entrou para a história. Em Elefante temos dois garotos que simplesmente carecem de atenção. De carinho. Em uma última tentativa, encontram tal carinho um no outro. Mas não é o suficiente. Como bem colocou Marilyn Manson ao ser questionado pelo diretor Michael Moore em Tiros em Columbine, quando este perguntou o que o cantor diria aos garotos: "Eu não diria uma única palavra a eles, eu ouviria o que eles tinham a dizer, coisa que ninguém fez".
O diretor Gus Van Sant optou por dar aos personagens os nomes dos próprios "atores". Vários deles estavam em seu primeiro papel no cinema sendo que alguns resolveram seguir carreira. Outros eram apenas adolescentes normais. Se você perguntar a diversas pessoas qual o filme mais assustador do século 21, certamente terá várias respostas diferentes. Mas um deles deveria ser Elefante, de Gus Van Sant.
Rhoda Penmark – A Tara Maldita (1956), por Pablo Villaça
Baseada em uma premiada produção da Broadway de 1954, A Tara Maldita (The Bad Seed, 1956) trazia basicamente o mesmo elenco do espetáculo em um filme que, de certa maneira, se estabeleceu como o avô do subgênero "meninos problema" - ou, neste caso, menina. Vivida pela jovem Patty McCormack, a pequena Rhoda Penmark vista no longa é uma autêntica psicopata que não vê qualquer problema em matar para conseguir uma medalha ou um globo de neve - e é com absoluto terror que sua mãe, vivida pela excelente Nancy Kelly (premiada com o Tony e indicada ao Oscar), percebe aos poucos a verdadeira natureza de sua aparentemente adorável filha.
Ainda que não tenha envelhecido muito bem, A Tara Maldita se mantém um filme incômodo graças à performance calculista de McCormack (também indicada pela Academia) e às cenas protagonizadas por Eileen Heckart (outra indicada), que retrata com absoluta entrega a dor da humilde mãe cujo filho é vitimado por Rhoda. Assim, é uma pena que, depois de um clímax tenso, angustiante e pavoroso, o longa se recuse a chegar ao fim, emendando um epílogo que trai tudo o que viera antes até chegar a uma cena final que beira o patético – embora seja preciso reconhecer que isto tenha sido fruto do ridículo “código Hays”, que impedia as produções de Hollywood de encerrarem suas narrativas de determinadas maneiras que parecessem premiar os vilões. Além disso, certo de que a figura angelical de McCormack, contraposta às suas ações vis, chocaria o espectador, o diretor Mervyn LeRoy dá um verdadeiro tiro no pé ao tentar minimizar esta sensação ao incluir uma apresentação teatral do elenco ao fim da projeção, incluindo a imagem das atrizes que vivem mãe e filha rindo enquanto Nancy Kelly desfere algumas palmadas divertidas nas nádegas da pequena intérprete, como se punindo-a por ser tão "travessa" – uma brincadeira que acaba de destruir a atmosfera tensa que a precedera.
Seja como for, é impossível assistir a A Tara Maldita é não pensar que, comparado a Rhoda, Norman Bates talvez não fosse um sujeito tão ruim assim.
Tracy Freeland - Aos Treze (2003), por Larissa Padron
A jovem Nikki Reed tinha 14 anos quando resolveu escrever sobre sua problemática adolescência. Em apenas seis dias, ela tinha pronto o roteiro de Aos Treze, filme que sua então madrasta, Catherine Hardwicke, resolveu dirigir, colocando a própria Reed como uma das protagonistas.
O longa conta a história da inocente adolescente Tracy, interpretada por Evan Rachel Wood (Tudo Pelo Poder), que na época tinha 15 anos. A protagonista começa a ser “guiada para o mau caminho” por Evie (personagem de Reed), a garota mais popular da escola. A partir de então, as duas entram em um ritmo frenético de sexo, drogas e rock n’ roll, que a mãe meio liberal de Tracy, Melanie (vivida por Holly Hunter, Questão de Vida), tenta interromper.
O filme recebeu a classificação indicativa “R” nos Estados Unidos (o que significa que menores de 17 anos só podem assistir acompanhados pelos pais), por conter “uso de drogas, violência autodestrutiva, linguagem depreciativa e sexualidade” – tudo envolvendo jovens adolescentes.
Para um longa de baixo orçamento, Aos Treze obteve certo sucesso de público e crítica, rendendo uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Hunter.
Jim Carroll - Diário de um Adolescente (1995), por Heitor Valadão
Você é popular na escola. Tem bons amigos, joga no time de basquete, faz sucesso com as garotas e gosta de poesia. Você mora sozinho com sua mãe em um bairro pobre, mas ela é trabalhadora, honesta e presente. A curiosidade e a influência de certas companhias o levam a experimentar drogas pela primeira vez. Tudo parece sob controle... até que um dia não está mais. É essa a tão comum história de Jim Carroll, um jovem poeta que afundou no mundo do vício em Diário de um Adolescente, vivido por Leonardo DiCaprio em um de seus papéis que mais chamou a atenção do grande público.
O ator, que nunca foi de escolher papéis fáceis, encontrou na pele do poeta Jim Carroll, que morreu de um ataque cardíaco em 2009, aos 60 anos, mais uma oportunidade para mostrar que era muito mais que apenas um belo rosto. Afinal, ele já tinha sido indicado ao Oscar de ator coadjuvante ao interpretar o irmão deficiente de Johnny Depp em Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador e foi escolhido pessoalmente por Robert De Niro para interpretar o revoltado Toby Wolff em O Despertar de um Homem. Pode-se dizer que deu certo, mesmo nenhum dos filmes sendo um grande sucesso de bilheteria.
A vida bandida de Jim Carroll como drogado, ladrão e prostituto trouxe consequências. Os trechos que se ouve como narração de DiCaprio durante o filme foram gravados pelo próprio poeta. Sua voz é frágil, trêmula e seu raciocínio parece lento. Mas só parece. Algumas das canções da trilha sonora são da The Jim Carroll Band, inclusive a música que abre o filme, “Catholic Boy”. Carroll também publicou seis livros que vão de poemas a autobiografias.
Kevin McCallister – Esqueceram de Mim (1990), por Tullio Dias
Macaulay Culkin merecia uma edição do Clube dos Cinco só para ele. O ator sempre foi um autêntico garoto problema, dos personagens que interpretou até a sua turbulenta vida pessoal pós-sucesso, com direito a um casamento precoce e vários problemas com a polícia. O Culkin da vida real cresceu e se afastou completamente daquela imagem de menino bonitinho e inocente.
Mas não estamos preocupados em falar sobre os rumos pessoais de Culkin. No começo da década de 90, Chris Columbus lançou um autêntico filme-família sobre o Natal e o sucesso da história transformou a vida e a carreira do jovem Macaulay. Em Esqueceram de Mim, o ator mirim interpreta Kevin McCallister, uma criança mimada e tratada (com justiça) como um pirralho que não merece atenção. O moleque é tão chato, que acaba sendo “esquecido” pela família e fica sozinho em casa. Azar o dos ladrões interpretados por Joe Pesci e Daniel Stern. Da pior maneira possível, a dupla acaba descobrindo o quanto o rostinho inocente de Kevin é uma farsa e que por trás daquele “anjo” existe um verdadeiro capeta capaz das maiores atrocidades.
Felizmente, Kevin consegue se reencontrar com a família, deixando a impressão de que deixaria de ser um garoto problemático... até que Esqueceram de Mim 2 foi lançado dois anos depois e mostrou que Kevin McCallister é um eterno garoto problema, ainda que ele possa parafrasear Harry Potter e dizer que "os problemas é que vêm atrás de mim". Mundo injusto, não?
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