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MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS Cinemateca

“É muito mais fácil aprender mecânica do que psicologia masculina.”


"Coleciona armas?"

Poucos cineastas são capazes de retrarar o universo feminino com a sensibilidade e irreverência de Pedro Almodóvar. A maioria dos filmes do diretor espanhol giram em torno de personagens femininas. Da mente do cineasta saíram personagens fortes, tragicômicas, desafiadoras, coloridas. Como esquecer Pepa (Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos), Kika (Kika), Raimunda (Volver), Manuela, Huma e Irmã Rosa (Tudo Sobre Minha Mãe), Rebeca e Becky (De Salto Alto) e tantas outras mulheres impressionantes que habitam as narrativas de Almodóvar?

Há algum tempo, a indústria cinematográfica vem sendo marcada por uma relativa carência de papéis interessantes para mulheres, algo que escape dos perfis de ninfeta, esposa e mãe. Sobre esse fenômeno, Almodóvar afirmou certa vez: Nesta última década você pode contar o número de filmes de Hollywood que giram em torno de mulheres. Os estúdios esqueceram que as mulheres são fascinantes. Deve-se lembrar que a imensa maioria dos profissionais do cinema (diretores, roteiristas etc.) ainda são homens. Almodóvar, no entanto, sempre soube escrever papéis interessantes para mulheres. Não se trata de um cinema feminista, mas de um cinema que exalta o feminino. Não é por acaso que ele nutriu parcerias formidáveis com grandes atrizes como Carmen Maura, Penélope Cruz, Marisa Paredes, Victoria Abril e outras.

Não se deve ceder à tentação de vincular o talento de Almodóvar em representar a psiquê e o universo femininos à orientação sexual do diretor (assumidamente homossexual), como fazem alguns estudiosos. Trata-se de uma explicação simplista. O diretor fala de seu fascínio pelas mulheres da seguinte forma: “mulheres são mais espetaculares como objetos dramáticos, elas têm uma grande variedade de registros”.


“Nenhuma mulher é perigosa se você sabe como tratá-la.”

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) é um dos filmes de maior sucesso de Almodóvar e o primeiro a lhe garantir reconhecimento internacional, assim como sua primeira indicação ao Oscar (Melhor Filme em Língua Estrangeira). O filme acompanha dois dias na vida de Pepa (Carmen Maura), uma atriz/dubladora que se vê às voltas para encontrar o amante que a abandonou. Neste filme, é possível identificar muitos dos elementos que fazem parte do estilo único de Almodóvar. O cineasta combina o melodrama à comédia farsesca, flertando constantemente com o absurdo e o nonsense. Os diálogos rápidos e as tiradas cômicas nos fazem lembrar as comédias hollywoodianas do anos 50. O resultado é uma obra-prima deliciosamente divertida.

Como um grande admirador do cinema clássico, Almodóvar faz em seus filmes diversas referências e homenagens à era de ouro de Hollywood, seja estilisticamente ou por alusões diretas. Uma das primeiras cenas de Mulheres..., mostra a dublagem de Johnny Guitar (famoso faroeste americano protagonizado por Joan Crawford, que interpreta uma das personagens femininas mais fortes do cinema clássico americano). Na cena em que Pepa observa os moradores de um prédio, temos, ao que tudo indica, uma outra homenagem, desta vez, a Janela Indiscreta, de Hitchcock, com direito à presença da bailarina sensual. Existe uma dimensão metalinguística no filme, uma vez que o mundo cinematográfico está também presente na narrativa e que Pepa e Iván se utilizam de seus talentos como atores para enganar e convencer os outros personagens. 


“Você se importa de ficar? Tem mulher demais para uma cobertura tão grande.”

Geralmente, os filmes de Almodóvar são facilmente identificáveis. Dos diretores contemporâneos, ele é um dos que imprime mais fortemente um estilo e uma identidade visual as suas obras. Em Mulheres..., Almodóvar não teme o exagero e abusa de uma paleta variada de cores fortes, com destaque para o vermelho quase sempre associado à protagonista. O filme é um carnaval de estampas, cores, além de cenários e figurinos “cafonas” ou extravagantes. Almodóvar não teme o exagero, algo que se vê não só na estética do filme, mas também nas atitudes das personagens, nas repetições (trocas constantes de figurino, encontros e gestos repetidos), na trilha sonora excessivamente melodramática e na abundância de closes em detalhes (unhas, sapatos, peças do vestuário feminino etc). Todos esses elementos são fundamentais para o processo de estilização do filme, nada é gratuito. Mulheres... destaca-se também por ser um filme leve e mais acessível do diretor, que já abordou temas muito mais pesados em outras obras.


“Os xiitas vão sequestrar o avião das 10 que vai para Estocolmo e desviá-lo para Beirute para libertar uns amigos presos”.

Um dos maiores charmes de Mulheres é certamente o que ele tem de inusitado. Essa característica é observada no cenário (o que uma bola colorida está fazendo no terraço de Pepa? E o que dizer do maravilhoso taxi-mambo?), nas peripécias da trama e também nos diálogos. Esses são, por sinal, inspiradíssimos. É difícil não rir, por exemplo, quando a amiga de Pepa, que teve um envolvimento trágico com um terrorista xiita, se lamenta com certa inocência: “Veja como o mundo árabe me tratou”. E quando Pepa dispara, após outra personagem ter lhe dito que havia perdido a virgindade num sonho: “Você perdeu aquela cara dura, típica das virgens. As virgens são tão antipáticas”. O filme, no entanto, não seria tão divertido se não tivesse um elenco (predominantemente feminino) afiado, encabeçado pela sensacional Carmen Maura. A atriz brigou com o diretor durante as filmagens e só retomou a parceria anos depois em Volver. Além de Maura, brilham Julieta Serrano, María Barranco, Rossy de Palma e o então jovem Antonio Banderas.

Outros cineastas já foram reconhecidos pela habilidade em retratar o universo feminino. Podemos citar George Cukor e Rainer Werner Fassbinder, por exemplo. Almodóvar, em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, faz um retrato irreverente desse universo. O filme ocupa, ao lado de Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Fale Com Ela (2002), um lugar especial na filmografia de Almodóvar, sem dúvida, um dos maiores ícones do cinema contemporâneo. 


“Se importam se eu me sentar? Se tenho de abrir meu coração, prefiro estar confortável. Hoje tive um dia muito movimentado.”

Saiba mais sobre a obra de Pedro Almodóvar em nosso podcast dedicado ao cineasta. Clique aqui para ouvir.
 
Copyright Cinema em Cena 2012
LEONARDO ALEXANDER é crítico de cinema, criador e mantenedor do blog Clube do Filme, estudioso de Literatura e Cinema na Université Paris Diderot (França) e apaixonado pelo cinema clássico hollywoodiano. Na coluna Cinemateca, ele analisa obras, diretores e gêneros, além de dar curiosidades e informações sobre os grandes clássicos do cinema mundial.
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