“Why don't you pass the time by playing a little solitaire?”
Angela Lansbury e Laurence Harvey são mãe e filho em Sob o Domínio do Mal (1962).
Há quase 50 anos, no dia 24 de outubro de 1962, estreava em território americano um dos thrillers políticos mais impactantes da história do cinema hollywoodiano. The Manchurian Candidate ("O Candidato da Manchúria"), que ganhou no Brasil o eloquente título Sob o Domínio do Mal, é o quinto longa-metragem realizado por John Frankenheimer. Em 2004, o diretor Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes) realizou um remake estrelado por Meryl Streep e Denzel Washington.
The Manchurian Candidate é a adaptação do romance de mesmo nome do escritor americano Richard Condon, publicado em 1959. O roteiro do longa-metragem foi escrito por um dos produtores do filme, o famoso dramaturgo George Axelroy, autor de várias peças de sucesso na Broadway e responsável pela adaptação do clássico Bonequinha de Luxo (1961). Sob o Domínio do Mal se passa em plena Guerra Fria e retrata brilhantemente a atmosfera de tensão, paranoia e medo que caracterizou esse período.
Lansbury tinha 36 anos quando fez o filme, três a mais que Laurence Harvey que interpretou seu filho.
O longa-metragem fala de conspiração internacional, assassinato, comunismo, macarthismo e intriga política em uma época em que tais questões eram consideradas bastante delicadas. Deve-se enfatizar também que, em 1962, a Guerra Fria estava longe de ter um fim. Sob o Domínio do Mal foi proibido em diversos países que faziam parte da chamada Cortina de Ferro, como Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária e até mesmo de alguns países considerados neutros, como Finlândia e Suécia. Na maioria desses países, o filme só foi lançado em 1993, após o colapso da União Soviética.
Frank Sinatra dizia que sua melhor performance vinha sempre no primeiro take.
Sob o Domínio do Mal contém influências de vários gêneros como o terror, o melodrama, o filme de guerra e a ficção científica. O thriller é centrado na figura do Sargento Raymond Shaw (Laurence Harvey), um herói americano da Guerra da Coreia, capturado com alguns de seus comandados por um grupo de comunistas (soviéticos e chineses) e programado para ser uma máquina de matar, um assassino sem culpa e sem lembranças de seus crimes. Os eventos que ocorreram no centro de condicionamento comunista foram apagados da memória dos soldados e, ao retornarem aos Estados Unidos, cada um segue o seu caminho. O Sargento Shaw, agora um “agente” comunista infiltrado, é premiado com uma medalha de honra e recepcionado por sua controladora e possessiva mãe, Mrs. Eleanor Iselin (Angela Lansbury). O Major Ben Marco (Frank Sinatra), um dos capturados ao lado do sargento, começa a desconfiar que algo está errado quando passa a ter um recorrente e perturbador pesadelo. A partir de então, ele passa a investigar Shaw.
O ator Laurence Harvey nasceu na Lituânia.
Contrariamente ao que se acredita, o filme não foi tirado completamente de circulação após 1963, tendo sido exibido na televisão americana em quatro ocasiões até 1975, o que não deixa de ser um número estranhamente pequeno para um filme lançado naquela época. Ao que tudo indica, houve certo descaso na distribuição do filme, cujos direitos pertenciam a Frank Sinatra.
John Frankenheimer é famoso por seus enquadramentos peculiares.
As séries ao vivo eram comuns na TV americana dos anos 50 e se assemelhavam a peças filmadas. Frankenheimer revolucionou a maneira de se fazer televisão ao desvinculá-la da linguagem teatral, introduzindo uma multiplicidade de câmeras e uma maior movimentação das mesmas, utilizando close-ups e realizando um trabalho refinado e rápido de edição. É notória a importância da televisão na obra cinematográfica de Frankenheimer. Em muitos de seus filmes, a televisão cumpre um papel importante como difusora de notícias de interesse público e modeladora de opiniões.
John Frankenheimer (1930-2002) teve uma sólida carreira tanto no cinema, quanto na televisão.
Sob o Domínio do Mal contém alguns dos momentos mais célebres da filmografia de Frankenheimer, como a impactante sequência inicial do sonho e a cena final de inspiração hitchcockiana, em que Shaw deve assassinar um líder político. O filme conta ainda com um elenco estelar, liderado pelo astro britânico Laurence Harvey (brilhante como o alienado e complexado Raymond Shaw) e Frank Sinatra. A estrela de Psicose (1960), Janet Leigh, faz uma pequena e eficiente participação como o interesse amoroso de Sinatra. Os atores protagonizam uma das cenas mais bizarras do filme. Nela, vemos uma estranha conversa “codificada” entre o Major Marco (Sinatra) e Eugenie Rose (Leigh), a bordo de um trem, que nos permite acreditar que a moça possa ser também uma agente, apesar da narrativa não se enveredar por esse caminho.
Não há como não mencionar a performance assustadora e inesquecível de Angela Lansbury, como a monstruosa e manipuladora Mrs. Iselin, considerada uma das maiores vilãs do cinema. Lansbury foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel. Se no romance de Condon a relação de Mrs. Iselin com seu filho é claramente incestuosa, no filme de Frankenheimer, o incesto é mostrado de maneira mais sutil e representado pelo beijo que a mãe dá no filho já no final da trama.
Mrs. Iselin está na lista dos maiores vilões do cinema feita pelo American Film Institute.
Além de ser importante sob o ponto de vista histórico, por refletir muitas das ideologias, crenças e medos da Guerra Fria, Sob o Domínio do Mal representa o melhor do estilo de John Frankenheimer, um diretor que teve uma influência ímpar principalmente no cinema de ação/suspense e espionagem. Esse grande clássico merece ser bastante celebrado no ano em que completa seu cinquentenário.
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