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Bem-vindo a Chinatown! Cinemateca

"Forget it, Jake, it's Chinatown."

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Jack Nicholson dá vida a J.J. Gittes em Chinatown (1974).

Em 1968, o diretor franco-polonês Roman Polanski realizou seu primeiro filme hollywoodiano, a obra-prima do suspense e terror O Bebê de Rosemary. Em agosto de 1969, sua esposa, a atriz Sharon Tate, foi assassinada brutalmente, em Los Angeles, por membros da Família Manson. Quatro anos após a tragédia, Polanski retornou a Los Angeles para dirigir seu segundo e último filme em solo norte-americano, Chinatown, considerado uma de suas obras mais importantes. O cineasta se viu impedido de voltar a trabalhar nos Estados Unidos devido a uma acusação de assédio sexual contra uma adolescente de 13 anos, que teria ocorrido em 1977, também em Los Angeles.

Chinatown combina romance, intriga policial e tragédia de forma magistral. Na Los Angeles dos anos 30, J.J. Gittes (Jack Nicholson), um detetive particular especializado em casos de adultério, é procurado por uma mulher (Diane Ladd), que se identifica como Evelyn Mulwray e pede que seu marido Hollis seja investigado por conta de uma provável traição. Hollis Mulwray (Darrell Zwerling) era o engenheiro chefe do departamento de água e energia da cidade. Após o detetive fotografar o seu alvo com uma jovem misteriosa e o caso se tornar público, Gittes descobre que não foi procurado pela verdadeira Mrs. Mulwray (Faye Dunaway) e, sim, por uma impostora. Logo depois, Mr. Mulwray é encontrado morto. A partir de então, o protagonista se vê em meio a uma intriga que envolve assassinato, corrupção e incesto.

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John Huston e Jack Nicholson em cena do filme.

A trama do filme é parcialmente inspirada no rompimento da barragem de St. Francis em Los Angeles em 1928, trágico acidente que matou aproximadamente 450 pessoas, um dos maiores desastres da história da cidade. Diz-se que o personagem Hollis Mulwray é, por sua vez, inspirado em William Mulholland, engenheiro que idealizou a construção. No filme, Mulwray se opõe à contrução de uma nova barragem por razões de segurança, uma vez que a anterior entrou em colapso, resultando na morte de centenas de pessoas, uma referência à catástrofe de 1928. O nome do vilão do filme também nos remete à inundação: Noah (vivido por John Huston) seria uma referência a Noé, personagem bíblico que enfrentou o dilúvio.

Chinatown foi concebido como a primeira parte de uma trilogia sobre a corrupção no desenvolvimento de Los Angeles. A série seria protagonizada pelo detetive particular Jake Gittes, criado especialmente para Jack Nicholson. O segundo filme, A Chave do Enigma (The Two Jakes), foi realizado em 1990. O próprio Nicholson dirigiu essa continuação, filme em que Gittes deve desvendar um enigma envolvendo uma companhia de gás. O longa-metragem, no entanto, não repetiu o sucesso de seu predecessor e foi um fracasso de bilheteria e crítica, o que desestimulou a realização do último volume da trilogia, que se chamaria Cloverleaf.

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Roman Polanski e Jack Nicholson nos bastidores do filme.

Chinatown é geralmente descrito como um filme neo-noir. O termo “filme noir” é de origem francesa e remonta aos anos 1930. O cinema noir se desenvolveu sobretudo nos Estados Unidos e teve seu auge e apogeu nos anos 40 e 50, com filmes como O Falcão Maltês (1941), Laura (1944), Pacto de Sangue (1944) e A Marca da Maldade (1958). Ainda que contestado, o termo neo-noir é usado para se referir a filmes pós-anos 60, que incorporam  elementos do cinema noir de forma modernizada e/ou estilizada, se apropriando de diferentes temas e utilizando novas técnicas e tecnologias. Chinatown compartilha muitas características do gênero: a intriga gira em torno de um crime ou um conjunto de crimes; encontram-se personagens típicos, como o investigador, o policial, a femme fatale, o bandido, entre outros; a narrativa é dominada por personagens dúbios, sombrios e por um clima de suspeita, perigo, mistério e pessimismo; e a ação se passa sobretudo durante a noite.

Chinatown foi indicado a 11 Oscars, tendo levado uma única estatueta, a de Melhor Roteiro Original. O roteiro, de autoria de Robert Towne, é celebrado por muitos especialistas, como um dos melhores de todos os tempos. O roteirista tinha Jack Nicholson em mente quando criou o icônico personagem de Jake Gittes. Quando Roman Polanski embarcou no projeto, Towne já havia dedicado um longo período na escritura do roteiro que, originalmente, tinha mais de 180 páginas. Polanski tomou conhecimento do script através do próprio Nicholson, com quem o diretor ansiava trabalhar. O produtor Robert Evans aprovava a ideia de que um diretor europeu assumisse a direção do longa-metragem, já que acreditava que uma visão de fora conferiria um ar mais cínico e sombrio à produção. 

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Faye Dunaway foi indicada pela segunda vez ao Oscar por sua atuação em Chinatown.

Por ter perdido, alguns anos antes, sua esposa, de maneira brutal, também em Los Angeles, Polanski estava inicialmente relutante em se ligar ao projeto. Posteriormente, o diretor afirmou que o final sombrio do filme se deve muito ao seu próprio desespero após o assassinato de Sharon Tate. Esse final foi, inclusive, um dos motivos de maior debate entre o diretor e o roteirista. Robert Towne pretendia dar um final feliz à narrativa. No entanto, durante a pré-produção e filmagens, Towne e Polanski discutiram longamente sobre essa questão, já que o cineasta defendia um final trágico para a história. 

Para Polanski, o fim em que os bons triunfariam e os maus seriam punidos prejudicaria a originalidade da história. O diretor acabou por ganhar a discussão e sua vontade prevaleceu. Polanski imaginava um desfecho em que grande parte do elenco estivesse em cena, como ocorre normalmente nas óperas. O final foi escrito em dois dias, com o auxílio de Jack Nicholson para os diálogos. O cineasta também fez construir o cenário do bairro chinês para a sequência, já que não concordava com o fato de que o filme, apesar do título, não retratasse o bairro (no script original, nenhuma cena se passava efetivamente em Chinatown). Vinte e cinco anos após o lançamento do filme, Towne deu o braço a torcer e declarou que o cineasta estava certo quanto à escolha do final. 

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Jack Nicholson tinha 36 anos e Faye Dunaway 32 na época das filmagens.

No entanto, não foi somente a decisão sobre o final da história que causou atrito entre o roteirista e o diretor. Roman Polanski teria exigido que Towne reescrevesse todo o script, o que teria provocado acaloradas discussões. Com a intervenção de Polanski, parte dos personagens foi suprimida e a ação foi simplificada. A narração em off do personagem Jake Gittes, presente no script, foi eliminada por Polanski para que o público tivesse acesso às pistas e informações à medida que o protagonista as conhecesse.

Seguindo a tradição das tramas de detetive do escritor Raymond Chandler, Polanski filmou a história sob a perspectiva do protagonista. O diretor afirmou, na edição de dezembro de 1974 da revista L’Express, que sua primeira missão no projeto consistiu justamente em fazer com que a narrativa adotasse a perspectiva de Gittes, o que conferiu à mesma uma atmosfera similar à das obras de Chandler ou Dashiel Hammett, escritas em primeira pessoa. Segundo Polanski, o espectador deveria ter a impressão de viver as aventuras do detetive particular, ao lado deste, como se fosse uma testemunha invisível de tudo o que se passasse com o herói. No filme, Polanski não abandona jamais seu protagonista e posiciona, constantemente, a câmera por detrás dos ombros de Gittes, redobrando a impressão de que o espectador é um observador quase indiscreto.

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Segundo boatos, a relação de Faye Dunaway e Roman Polanski era bastante complicada.

Além do celebrado roteiro e da direção primorosa, Chinatown é reconhecido também pelas inesquecíveis performances de seu trio de atores principais: Jack Nicholson, Faye Dunaway e John Huston (os dois primeiros indicados ao Oscar). Huston, que talvez seja mais conhecido como o diretor das obras-primas O Falcão Maltês (1941) e O Tesouro de Sierra Madre (1948), interpreta um dos vilões mais odiosos do cinema em Chinatown. Seu Noah Cross está em 16° na lista dos melhores vilões do cinema do American Film Institute. Uma curiosidade é o fato de que Nicholson havia iniciado, na época, seu longo relacionamento com Angelica Huston, filha do colega John Huston. Diz-se que Nicholson se sentia bastante desconfortável com a situação. Ironicamente, em uma das cenas do filme, o personagem de Huston pergunta a Gittes se ele está dormindo com sua filha.

O próprio Roman Polanski faz uma participação importante no filme. O diretor, que provou, em diversas ocasiões, ser também um bom ator, é o capanga que corta o nariz de Gittes na trama, numa das cenas mais célebres do filme. Para a realização dessa cena, foi fabricada uma faca especial, cujo manuseio era extremamente delicado. 

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Roman Polanski em frente às câmeras, como o bandido que corta o nariz de Jack Nicholson. Assista à cena.

Outro destaque do filme é sua memorável trilha sonora. Chamado em cima da hora, após a dispensa de Philip Lambro, compositor originalmente designado para o projeto, Jerry Goldsmith teve pouco mais de uma semana para gravar a música do filme. O grande Jerry Goldsmith é normalmente apontado como um dos compositores mais influentes e importantes da história da sétima arte. A trilha de Chinatown é um de seus trabalhos mais conhecidos. Ela foi indicada ao Oscar e é vista como uma das melhores trilhas sonoras do cinema, ocupando o nono lugar em votação realizada pelo American Film Institute.

Além das 11 indicações ao Oscar e da estatueta de Melhor Roteiro Original, Chinatown foi premiado no Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme (Drama), Melhor Direção, Melhor Ator (Drama) e Melhor Roteiro. O filme também ganhou três prêmios BAFTA (roteiro, direção e ator). A frase "Forget it, Jake, it's Chinatown!” está entre as 100 melhores frases do cinema no ranking do American Film Institute. A mesma instituição incluiu o  filme em 19° lugar na sua lista de melhores filmes americanos de todos os tempos e em segundo na de melhores filmes de mistério. Peça essencial da bela filmografia de Roman Polanski, Chinatown é uma obra-prima indispensável em qualquer Cinemateca.

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